sábado, 20 de fevereiro de 2010

Petkovic, a Iugoslávia e a Iugonostalgia

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O camarada Runildo publicou em seu Blog o vídeo que está disponível no YouTube da entrevista do jogador Petkovic no programa de Ana Maria Braga.
http://zurdo-zurdo.blogspot.com/2010/02/petkovic-sai-em-defesa-do-socialismo.html

No programa após Ana Maria Braga apresentar o jogador do Flamengo ao telespectador e mostrar o mapa da terra natal do mesmo, ela faz uma pergunta insinuando que na ex-Iugoslávia a vida era difícil, no que Petkovic responde contrapondo de forma incisiva o comentário feito pela apresentadora. Vale a pena ver o vídeo:


http://www.youtube.com/watch?v=B80AsDP2IaM

Diante da cada vez maior insatisfação dos povos outrora sob jugo das burocracias com o capitalismo, alguns defensores do capitalismo justificam argumentando que esse sentimento deve-se ao fato das pessoas não terem sido preparadas para atuar em uma economia de mercado, resultando em "fracassados" que acabam por repudiar uma sociedade para a qual não estão preparados.

Porém tal assertativa é derrubada por dois fatos:
O primeiro é que as próprias empresas capitalistas que se instalam nesses locais afirmam que entre as vantagens encontradas há uma mão-de-obra qualificada.
Matéria da Revista Veja de 2006 mostrava que em volume de investimento estrangeiro o Leste Europeu ocupava a segunda colocação só ficando atrás da China. Um dos motivos alegados?
"Os regimes comunistas do Leste Europeu deixaram como herança boas universidades, com foco acadêmico em ciências exatas e na formação de técnicos para o setor industrial." [1]

"Mão-de-obra barata e qualificada faz do Leste Europeu um pequeno Vale do Silício (...) Entre 1995 e 2005, o volume de investimentos estrangeiros diretos para a região quase triplicou, chegando à marca de 27 bilhões de dólares por ano".[2] É a "Detroit do leste", entusiasma-se a Exame.[3]

O segundo ponto é que se tal premissa fosse verdadeira porque um "não fracassado" na economia de mercado como Petkovic não apresenta uma opinião hostil ao antigo regime iugoslavo?

Para instigar ainda mais a reflexão sobre o tema publico a reportagem sobre a "Iugonostalgia", originalmente publicada na americana Herald Tribune em 2008 e traduzida para o português:


Na ex-Iugoslávia, uma nostalgia pela era Tito
16 de Março de 2008

Dan Bilefsky

Em 25 de maio, Bostjan Troha e 50 amigos de várias partes da ex-Iugoslávia irão comemorar o 116º aniversário oficial do falecido ditador Josip Broz Tito com uma peregrinação em antiquados carros Fico da era iugoslava até o local de seu nascimento, na Croácia, e depois ao seu túmulo de mármore em Belgrado.

Para marcar a ocasião, Troha contratou um ator para interpretar Tito e dezenas de crianças, que vestirão boinas partidárias iugoslavas, acenarão bandeiras iugoslavas e aplaudirão com entusiasmo após os discursos do ator. Os farristas beberão doses de Slivovitz, a bebida sérvia nacional, e dançarão ao som de música folclórica iugoslava ao longo de uma rota de 580 quilômetros.

O grupo de peregrinos de Troha será modesto em comparação às 20 mil pessoas das seis repúblicas da ex-Iugoslávia -Bósnia e Herzegovina, Croácia, Eslovênia, Montenegro, Sérvia e a República da Macedônia- que viajavam diariamente ao túmulo de Tito durante os tempos comunistas após sua morte em 1980.

Mas sociólogos daqui dizem que reflete uma tendência por todos os Bálcãs conhecida como “Iugonostalgia”, na qual jovens e velhos anseiam por um passado enquanto lutam com um legado de guerras sangrentas e dificuldades econômicas, e a dura realidade de viver em países pequenos que freqüentemente parecem esquecidos pelo mundo.

“Eu sinto saudade da Iugoslávia”, disse Troha, um empreendedor esloveno de 33 anos, em um depósito lotado com sua coleção de souvenires da Iugoslávia, que incluem retratos de Tito, máquinas de costura antigas, bonecas infantis sérvias e garrafas de 50 anos de Cockta, a Coca-Cola iugoslava.

“Nós não tínhamos nada, mas tínhamos tudo”, ele disse. “Vizinhos assavam os bolos uns dos outros; tínhamos um líder em quem confiávamos. Eu me lembro da minha mãe chorando quando Tito morreu. Eu só tinha 5 anos, mas sabia que o mundo estava prestes a mudar.”

Observadores culturais daqui dizem que a nostalgia pela Iugoslávia está se manifestando de formas diferentes.

Quase 5 mil jovens eslovenos fizeram uma peregrinação à Belgrado, a capital política e cultural da Iugoslávia, para celebrar o Ano Novo. O investimento além das fronteiras entre as seis repúblicas da ex-Iugoslávia nunca foi tão grande. O domínio de Internet .yu permanece popular para sites. Os croatas abandonaram antigas rivalidades étnicas para votar em canções sérvias durante o concurso de música Eurovision. O basquete, uma paixão unificadora na ex-Iugoslávia, ainda é jogado em um campeonato que inclui as principais equipes de toda a região.

Enquanto isso, a imagem de Tito é usada para vender de tudo, de computadores a cerveja.

Na cidade sérvia de Subotica, no norte, Blasko Gabric, um empresário, ficou tão perturbado quando a Iugoslávia finalmente deixou de existir em 4 de fevereiro de 2003 que decidiu construir a Iugolândia, um parque temático iugoslavo de 1,6 hectare, completo com um mini-mar Adriático e uma réplica do Monte Triglav, o pico mais alto da Iugoslávia.

Gabric disse que o número de visitantes à Iugolândia explodiu recentemente. “No que me diz respeito, eu ainda sou um cidadão da Iugoslávia”, ele disse. “Hoje nós temos democracia e nada em nossos bolsos.”

Aqui na Eslovênia, um próspero país de dois milhões de habitantes, a Iugonostalgia é ainda mais surpreendente, porque o país celebrará neste ano o 17º aniversário de sua decisão de se tornar a primeira república a se separar da Iugoslávia. Ela não experimentou as guerras brutais de seus vizinhos, sua economia é próspera, ela é membro da Otan e recentemente se tornou o primeiro ex-país comunista a assumir a presidência da União Européia.

Mas Troha, que em breve abrirá um Museu da Nostalgia para exibir sua coleção, diz que mesmo assim os eslovenos sentem falta de pertencer ao país maior, multicultural, de 23 milhões de habitantes, que todos conheciam.

A Iugonostalgia também pode ter aumentado à medida que Kosovo, a província separatista da Sérvia, se prepara para declarar sua independência no próximo mês, um passo que marcará o último ato no desmembramento da federação iugoslava.

Os críticos da Iugonostalgia -e há muitos- argumentam que é um sentimento perigoso e anacrônico de bebês chorões fora de moda, que anseiam pela rede de segurança social da era comunista e pelo culto da personalidade de Tito, ao mesmo tempo que ignoram a pobreza, o nacionalismo raivoso do falecido homem-forte sérvio Slobodan Milosevic, a hiperinflação dos anos 90, a repressão e a censura.

“Esta nostalgia me confunde”, disse Dimitrij Rupel, o ministro das Relações Exteriores da Eslovênia. “As pessoas dizem que não era tão ruim, que o socialismo era mais humano. Mas todos eram iguais na ex-Iugoslávia porque todos eram pobres. A Iugoslávia era uma ditadura.”

Tihomir Loza, um escritor bósnio, notou que “iugonostálgico” já foi o maior insulto que poderia ser usado contra alguém na Eslovênia, Bósnia e Croácia. Também era um rótulo pejorativo usado pelos direitistas para criticar os esquerdistas. “Se você inexplicavelmente se tornou verde e amigo dos gays; se você se tornou incapaz de odiar os eslovenos e achar que os muçulmanos são bacanas; e se passou a consumir cultura sérvia, você é -para resumir- um iugonostálgico.”

Mas para outros, ser iugonostálgico significa voltar a um tempo de coexistência multicultural antes do colapso da Iugoslávia, antes da autocracia de Milosevic e antes das guerras dos Bálcãs dos anos 90, nas quais morreram pelo menos 125 mil pessoas. “A Iugonostalgia expressa a dor de um membro amputado que não mais está lá”, disse Ales Debeljak, um proeminente crítico cultural esloveno.

Em Velenie, uma ex-cidade modelo socialista na Eslovênia ainda conhecida por alguns como “a Velenie de Tito”, uma estátua do ditador, com 10 metros de altura, domina a praça central. Olhando para a estátua recentemente, um historiador local, Vlado Vrbic, disse que os eslovenos estavam nostálgicos porque apesar de Tito manter um rígido controle doméstico, os iugoslavos desfrutavam de ensino e atendimento de saúde gratuitos, fronteiras abertas, um emprego vitalício, empréstimos sem juros para construção de casas, aposentadorias generosas e, acima de tudo, paz.

“O passaporte iugoslavo era o melhor no mundo e você podia viajar para qualquer lugar”, disse Vrbic, que aos 16 anos viajou de carona de Liubliana até a Índia. “Na ex-Iugoslávia, a aposentadoria era garantida, de forma que você não precisava economizar nada e o expediente encerrava às duas da tarde.”

Peter Lovsin, o vocalista do Pankrti, ou Bastardos, uma lendária banda punk da ex-Iugoslávia, concorda. Lovsin, que também fundou a revista pornô mais vendida da Iugoslávia, a “Private”, no final dos anos 80, argumentou que a Iugonostalgia deriva da mistura inebriante de preguiça e relativo liberalismo da ex-Iugoslávia. Lovsin, cuja letra “Camaradas, eu não acredito em vocês” se tornou um hino anticomunista subversivo no final dos anos 70, destacou que a banda nunca foi censurada.

“A Eslovênia atualmente é mais perigosa do que o Iraque, porque a Eslovênia é muito deprimente”, ele disse. “Na Iugoslávia, as pessoas se divertiam. Era um sistema para pessoas preguiçosas; independente de você ser bom ou ruim, ainda assim você recebia seu salário. Agora, tudo se resume a dinheiro e isto não é bom para as pessoas pequenas.”

Tais visões idealizadas do passado irritam historiadores como Jose Dezman, diretor do Museu Nacional de História Contemporânea em Liubliana, que argumenta que elas ignoram o papel de Tito na criação da confusão e da carnificina que se seguiu.

Dezman elogiou Tito, nascido de um pai croata e mãe eslovena, por romper com Stalin em 1948 e manter o país fora do bloco soviético. Para a geração mais jovem, ele disse, Tito se tornou uma figura romântica cujos Rolls-Royces, grandes charutos, quintas opulentas e rumores de casos com estrelas do cinema lhe deram um certo glamour populista.

Mas ele destacou que o sistema frágil construído por Tito, que tentava equilibrar as exigências concorrentes das seis repúblicas da Iugoslávia, não resistiu após ele. Depois de sua morte em 1980, os líderes das repúblicas iugoslavas substituíram o comunismo por um nacionalismo raivoso. Guerras se seguiram.

“Uma criança vítima de abuso tenta racionalizar o abuso sofrido e escapa da realidade desagradável romantizando o passado”, disse Denzman. “Mas ninguém está pedindo por uma reunificação da Iugoslávia. A Iugoslávia está morta.”

Fonte: International Herald Tribune, extraído do The New YorK Times:
http://www.nytimes.com/2008/01/27/world/europe/27iht-nostalgia.4.9533599.html?_r=2&scp=1&sq=On%20May%2025,%20Bostjan%20Troha%20and%2050%20friends%20from%20across%20the%20former%20Yugoslavia%20will%20celebrate%20the%20official%20116th%20birthday%20of%20the%20late%20dictator%20Josip%20Broz%20Tito%20with%20a%20pilgrimage%20in%20boxy%20Yugoslav-era%20Fico%20cars%20to%20Tito%27s%20Croatian%20birthplace%20and%20his%20marble%20tomb%20in%20Belgrade.&st=cse

http://www.nytimes.com/2008/01/27/world/europe/27iht-nostalgia.4.9533599.html?pagewanted=2&_r=2&sq=On%20May%2025,%20Bostjan%20Troha%20and%2050%20friends%20from%20across%20the%20former%20Yugoslavia%20will%20celebrate%20the%20official%20116th%20birthday%20of%20the%20late%20dictator%20Josip%20Broz%20Tito%20with%20a%20pilgrimage%20in%20boxy%20Yugoslav-era%20Fico%20cars%20to%20Tito&st=cse&%2339;s%20Croatian%20birthplace%20and%20his%20marble%20tomb%20in%20Belgrade.&scp=1
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[1] A Europa Oriental ganha cor com os bilhões dos investidores (25/01/2006):
http://veja.abril.com.br/250106/p_073.html

[2] A cortina de ferro vira pólo de negócios (19/04/2007):
http://portalexame.abril.com.br/revista/exame/edicoes/0891/negocios/m0126950.html

[3] A Detroit do leste (13/01/2006):
http://portalexame.abril.com.br/revista/exame/edicoes/0859/internacional/m0079883.html
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