domingo, 16 de novembro de 2014

Congresso conservador e reforma política

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Para abordar o assunto do título acima, inicio reproduzindo o trecho abaixo, extraído de artigo que produzi em 2012:

"A grande contribuição do materialismo histórico e dialético foi demonstrar que as instituições de uma sociedade, assim como alguns outros aspectos da mesma, devem ser analisadas a partir do seu contexto sócio-histórico tendo em vista a base real na qual estão assentadas. Elas são criadas pelos homens de um determinado período para atender a um determinado objetivo.

As instituições políticas da democracia moderna foram erigidas pela burguesia para legitimar e legalizar o seu modelo de sociedade. Mas a democracia criada por ela rejeitava a participação política das classes populares e, quando pressionada pelas lutas das mesmas, se viu obrigada a ceder alguns direitos, a burguesia não vacilou em descaracterizar a participação do andar de baixo e manter a essência de classe do seu regime político, criando regras e mecanismos para garantir que os reais representados dessa democracia fossem seus próprios pares." [1]

A caracterização do materialismo histórico e dialético é confirmada pelos próprios ideólogos e políticos burgueses envolvidos na construção da democracia moderna. O franco-suíço Benjamin Constant alertava que a concessão dos direitos políticos para as classes populares serviriam para que estas invadissem a propriedade dos ricos. Tal invasão não se tratava de um ato de ocupação física de um território ou espaço mas de direitos e conquistas sociais. “Na Inglaterra, atualmente, se as eleições fossem abertas a todas as classes do povo, a propriedade fundiária não seria mais segura. Logo seria introduzida uma lei agrária”, dizia, abertamente, James Madison, um dos “Pais Fundadores” dos Estados Unidos. Na Inglaterra John Stuart Mill chamava a atenção para o fato de que as classes populares constituiriam a maioria dos votantes e que isso implicaria no “perigo” de uma “legislação de classe”. O próprio Mill indicou um artifício eleitoral para combater esse perigo: o voto plural, que atribuía pesos distintos aos votos de acordo com a classe social do indivíduo. (Mais detalhes sobre a construção do modelo político moderno no artigo "O desgaste da democracia representativa moderna" [2])

Assim, quando se vê obrigada a abrir o regime político para as classes populares, a burguesia cria mecanismos e regras eleitorais para reduzir o efeito “perigoso” do voto da mesma e garantir a sua dominação. Em 1891 Engels já observava que nos Estados Unidos haviam "dois grandes bandos de especuladores políticos que, revezando-se, tomam conta do poder de Estado e o exploram com os meios mais corruptos para os fins mais corruptos — e a nação é impotente contra estes dois grandes cartéis de políticos pretensamente ao seu serviço, mas que na realidade a dominam e saqueiam." [3] A inclusão das classes populares na política ocorre de forma controlada. No Brasil não foi diferente e não é por acaso que muitos chamem o processo que levou a redemocratização de “transição conservadora”.

A primeira evidência que os fatos históricos apontam é que a democracia que vivemos é uma democracia burguesa. Logo, não se pode ter receio de chamá-la pelo o que ela realmente é.

A segunda evidência é que as instituições políticas dessa democracia burguesa existem para garantir o processo de acumulação e reprodução do capital e o seu sistema social. Nesse sentido, os parlamentos burgueses são, por natureza, instituições conservadoras.

Embora as lutas da classe trabalhadora tenham arrancado conquistas econômicas, sociais e políticas - abrindo brechas nos parlamentos burgueses - estes, por sua vez, não perderam a sua essência de classe. Quando o chanceler Otto von Bismarck anunciou uma série de direitos para os trabalhadores alemães no final do século XIX, foi na tática do “entregar os anéis para não perder os dedos”. Quando o economista John Maynard Keynes sugeriu ao presidente estadunidense, Woodrow Wilson, um plano de assistência estatal foi com medo da expansão das revoluções populares, como a Russa de 1917, afinal como disse o próprio: "a guerra de classes me encontrará do lado da burguesia educada." [4]

Nos momentos em que o capital exige maiores taxas de lucros ou encontra-se em crise as brechas abertas vão sendo fechadas, os anéis recolhidos e os parlamentos burgueses tratam de lembrar a quem servem, para que existem, em suma, qual o seu real papel social. Não é por acaso que a crise de representação tem sido mais intensa onde a crise financeira é mais aguda.

Portanto, falar em Congresso conservador é redundância. No caso do Brasil nenhuma reforma social foi aprovada por tal instituição, nem mesmo nos últimos 12 anos, apesar de alguns considerarem os governos petistas reformistas. Os difusores da “onda conservadora”, supostamente comprovada pela eleição legislativa de 2014, até se esquecem que o PT se opos a Constituinte de 1988 por, apesar de garantir alguns direitos decorrentes das lutas populares, não se comprometer com temas que só podiam avançar contrariando os interesses das classes dominantes, como a reforma agrária [5], ou seja, a essência de classe do regime era mantida.

As particularidades e as diferentes formas não têm impedido o sangramento, em praça pública, das instituições políticas da democracia burguesa, cuja hemorragia da falta de credibilidade não se tem conseguido estancar. O voto em lista na Espanha não impediu que a juventude indignada ocupasse as praças do país para denunciar a sua falsa democracia e pedir por uma democracia “real”. O financiamento público na Itália não tornou seus políticos mais zelosos dos interesses das classes populares. [6]

Como se pode perceber os remendos são inócuos no que tange a mudar a essência de classe da democracia burguesa. Agarrá-los como panacéia não é apenas desonesto, mas reacionário. É surgir como bote salva vidas da democracia burguesa, é querer girar a roda da História para trás pois é extremamente progressivo que as massas cada vez mais percebam a farsa do regime político em que vivem. Curiosamente é aqui que muitos pretensos progressistas têm se mostrado os mais abnegados surfistas de uma “onda conservadora”.

Alguns surfistas não são nada ingênuos, são experientes e muito hábeis nas manobras. E diante do fracasso da coalizão do PT com as oligarquias, anteriormente apontada como tática sofisticada pela governabilidade, buscam desviar o foco na tentativa de ocultar a responsabilidade dos dirigentes petistas por suas opções e ações que desmoralizaram membros do seu próprio partido, que desmobilizaram setores organizados da classe trabalhadora e que elevou o ceticismo e o desgaste do sistema político.

Em 12 anos de governo o PT só agitou a reforma política nos momentos em que enfrentou crises políticas agudas que o ameaçavam. Foi assim em 2005 quando do estouro do escândalo do mensalão: enquanto Lula defendia tal reforma em rede nacional o seu partido emitia nota reivindicando-a já para o ano seguinte. Como se sabe não foi o que aconteceu. Em 2013, após as jornadas de junho, Dilma volta a falar de reforma política mas o próprio bloco dirigente do PT promoveu a troca do deputado federal Henrique Fontana por Cândido Vaccarezza na coordenação do grupo de trabalho da Câmara dos Deputados encarregada da referida reforma. E o que já era ruim com Fontana se tornou péssimo com Vaccarezza. [7]

Atualmente a agitação da reforma política vem acompanhada da agitação da “onda conservadora” e até “fascista”. Mais uma vez estamos diante de uma manobra que visa ocultar a responsabilidade do PT, já que a própria presidente Dilma firmou um acordo com o PMDB que garante que se tal reforma sair será nos termos que agrada aos parlamentares que não desejam grandes mudanças. Fica claro que o próprio PT atua para sabotar a reforma política e isso ocorre porque muitos conservadores não são apenas aliados do Planalto mas se encontram no interior do próprio partido como atesta a sua presença nas bancadas empresarial, religiosa e ruralista. [8]

Tal manobra também visa arrastar setores de esquerda críticos ao governo para ampliar sua base social para uma governabilidade que vai atacar ainda mais os direitos dos trabalhadores e a soberania nacional. Os que acreditam poder disputar tal reforma pela esquerda nada mais fazem do que inflar a farsa governista. Como observou Duarte Pereira:

“Tomo a liberdade de compartilhar uma preocupação. As denúncias exageradas de ameaças de golpes militares e de avanço fascista no Brasil, com base em manifestações minoritárias, postagens de internet e arreganhos de generais de pijama, têm-me parecido um alarmismo exacerbado com três propósitos.

Primeiro: desviar a atenção das concessões ainda maiores ao grande capital transnacional e nacional e aos partidos conservadores que estão sendo preparadas pelo novo governo Dilma.

Segundo: obscurecer as responsabilidades do PT e dos governos Lula e Dilma – com sua inflexão social-liberal e neodesenvolvimentista de caráter capitalista, suas alianças espúrias e seus seguidos escândalos de corrupção ativa e passiva – pela divisão e debilitamento das correntes da esquerda socialista e do centro democrático e pela reemergência e revigoramento das correntes conservadoras e fascistas.

Terceiro: confundir ainda mais os setores oposicionistas de esquerda e de centro-esquerda que recuaram da oposição ao governo Dilma no segundo turno da eleição presidencial, preferindo apoiar sua reeleição em vez de anular o voto em sinal de protesto e insatisfação com as duas candidaturas restantes – e no fundamental equivalentes.” [9]

Assim, na mesma semana em que setores de esquerda que fazem oposição ao governo participavam de uma marcha governista em São Paulo a favor da reforma política já deformada pela própria Dilma e contra o “golpismo” [10], avançava no Senado Federal proposta de lei que visa “regulamentar” o direito de greve dos servidores públicos com medidas que a inviabilizam [11]. A Comissão Mista de Regulamentação de Dispositivos Constitucionais que aprovou o parecer antigreve é comandada pelos governistas Romero Jucá (PMDB-RR) e Cândido Vaccarezza (PT-SP), como reconheceu a própria Central Única dos Trabalhadores (CUT). [12]

Importante salientar que Constituintes se chamam quando se buscam mudanças profundas em vários setores da sociedade e não apenas para modificar parte dela, como desejam alguns com a reforma política. Esta deveria ser complementar a outras mudanças. Exagera ingenua ou malandramente quem diz que a reforma política é a “mãe de todas as reformas”. Ou a Kátia Abreu passará a defender a reforma agrária, Sandro Mabel a ampliação dos direitos trabalhistas e Jereissati a reestatização de empresas privatizadas, só porque passaram a receber financiamento público nas suas campanhas?

Há o risco, nada desprezível, de que uma constituinte exclusiva para reforma política termine por retroagir ainda mais o sistema político. Não são poucos os que desejam fechar o regime em torno de poucos partidos comprometidos com a ordem, inclusive dentro do PT, e a imposição de uma cláusula de barreira poderia se firmar.

Ainda que se possa defender medidas mais progressistas para uma reforma política, o que não é o caso dos governistas, as reais mudanças não poderão ser alcançadas pelos parlamentos burgueses mas somente nas ruas através da organização social desde baixo. Um governante ou um partido que se elegesse comprometido com as pautas das classes populares só poderia implementá-las com a organização e mobilização das mesmas pois as classes dominantes não abdicariam de seus interesses pacificamente. Não se trata de simples discurso, foi o caminho trilhado pela pequena, mas corajosa, cidade espanhola de Marinaleda, única que não afundou com a crise financeira que assola o país. [13]

E por falar em crise financeira, esta se aprofunda. E, sob o silêncio cúmplice dos difusores da “onda conserbadora”, o governo petista pratica um nada progressista ajuste com aumento de preços, privatizações que incluem até hospitais universitários, cortes do seguro-desemprego e auxílio-doença, além de buscar um homem de confinaça do mercado para o Ministério da Fazenda e alguns conservadores para outros ministérios.

Torna-se de fundamental importância organizar a classe trabalhadora, a juventude, demais excluídos e lutadores sociais para resistir aos ataques em curso e aos que virão, além de discutir e formular alternativas para suas demandas e uma organização da política que as contemple. Disposição de luta o povo brasileiro já demonstrou que tem.

Que os governistas busquem desviar essa disposição de luta para uma reforma política reacionária é mais do que compreensível, é esperado. Surpreendente é ver setores de esquerda que se dizem críticos ao governo surfando de forma irresponsável nessa verdadeira “onda conservadora”.


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[1] Democracia e golpismo (30/06/2012):

[2] O desgaste da democracia representativa moderna (09/09/2010):

[3] ENGELS, Friedrich. Introdução à Edição de 1891 de "A Guerra Civil em França" de Karl Marx.

[4] MÉSZÁROS, István. Filosofia, ideologia e ciência social. São Paulo: Boitempo, 2008. p.65.

[5] Assim, Paulo Paim, na época deputado, justificou a posição do PT:

"O PT não pode votar a favor de um texto que é contra a reforma agrária, dá cinco anos para o presidente Sarney e mantém íntegra a estrutura militar. O PT assina a Carta porque reconhece os avanços, principalmente nos direitos dos trabalhadores"

O PT e a Constituição. História Sindical.

25 anos depois, Lula, em mais uma da série “rasgando as velhas bandeiras”, atacou a posição do PT na constituinte e chegou a afirmar que o país se tornaria “ingovernável” se as propostas do seu partido fossem incorporadas:

“No dia da instalação da Constituinte, entreguei ao Ulysses Guimarães um projeto de Constituição, elaborado pelo Fábio Konder Comparato, e um projeto de regulamento interno (da Câmara). Tínhamos 16 deputados, mas éramos desaforados como se tivéssemos 500. O PMDB, que tinha a maioria dos parlamentares, dos governadores e tinha o presidente da República, não tinha um regimento pronto. Se o nosso fosse aprovado, o país seria certamente ingovernável. Éramos muito duros na queda e muito exigentes.”

Lula: Constituição 'petista' tornaria o país ingovernável. (01/10/2013):

[6] “A descoberta de ampla rede de corrupção envolvendo as lideranças dos principais partidos do país, grandes empresários e contatos com o crime organizado (episódio conhecido como Tangentopoli) provocou a reformulação do sistema partidário. A legislação italiana, segundo o consultor, já contava com uma tradição de confusão e ineficácia. Em 1997, a lei que dispunha sobre o financiamento público de campanha (de 1974) foi substituída por um modelo de "financiamento voluntário dos partidos políticos". Em 1999 surge uma nova legislação disciplinando as contribuições voluntárias e o reembolso público de gastos de campanha. Propostas de alteração das regras de financiamento de campanha, segundo o consultor, continuavam sendo discutidas no final de 2003.” (Conheça o financiamento de campanha em alguns países. Senado Federal. 20/09/2010. Disponível em:

[7] O mensalão e a amnésia do governismo (23/12/2013):

[8] O PT conservador. (12/10/2014):

Levantamento preliminar do DIAP identifica 139 deputados na bancada ruralista. (13/10/2014):

[9] A “onda fascista”. Duarte Pereira. Correio da Cidadania, 05/11/2014.

[10] Ato em São Paulo reúne 20 mil pessoas em defesa das reformas e contra golpismo. (14/11/2014):

[11] Comissão aprova relatório sobre direito de greve do servidor público (11/11/2014):

[12] Comissão mista da Câmara e Senado aprova também parecer pela flexibilização do conceito de trabalho escravo. (12/11/2014):

[13] A curiosa Marinaleda (03/07/2013):


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Reforma Política. Qual reforma?

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Por Adolfo Santos - Fundador do PSOL e da Direção Nacional da CST


O mundo de fantasia das promessas eleitorais acabou. A crise econômica volta ao centro da cena e o novo-velho governo começa aplicar duros ajustes contra o povo pobre e trabalhador que, segundo o banco de dados do IPEA, vê crescer o número de miseráveis no país*. Nesse contexto, preocupados pela reação frente a medidas econômicas impopulares, os propagandistas do governo começam a agitar velhos problemas como algumas reformas que, em décadas de governos tucanos e petistas, jamais tiveram a vontade de resolver.

Não que não seja importante fazer as reformas, fundamentalmente as que mexem com os interesses econômicos como a Reforma Agrária, Urbana ou Tributária. Aliás, qual a explicação para que passados 12 anos de governo petista ainda não tenham sido feitas as reformas agrária e urbana? Tem outra explicação que não seja porque o PT governa para o agronegócio, os latifundiários e especuladores imobiliários? Para quem tanto fala em igualdade e avanços sociais, o mesmo caberia se perguntar em relação à Reforma Tributária. Mas alguém imagina o governo Lula/Dilma afetando os interesses dos banqueiros e das empreiteiras? Não é casual que, jogando para a plateia, dona Dilma tenha escolhido a reforma política como a menina de seus olhos: custa pouco e pode iludir a muitos.

Mas além de não afetar diretamente os grandes interesses econômicos a serviço dos quais governa, a reforma política cai como uma luva em meio da propaganda petista da “onda conservadora”, “do giro à direita”, “dos golpistas”, “das forças antidemocráticas e de viés fascistizantes”, que muitas correntes de esquerda adotaram e até se converteram em seus propagandistas. Frente a esse cenário, a saída proposta pelo governo é a reforma política. Ao invés de romper com esses setores políticos, de investiga-los como corruptos e delinquentes, denunciá-los e de cassar seus mandatos e processá-los , o PT os alimentou, protegeu e ressuscitou porque lhe servem de leais aliados para aplicar as políticas que o sistema e o regime exigem.

Uma reforma política não é necessária porque estamos frente a uma ameaça fascista, apesar de que haja personagens políticos e até minúsculos grupos que defendem políticas deste tipo, o que acontece em todas as sociedades modernas polarizadas pela crise social. Uma verdadeira reforma política é fundamental porque somos regidos por uma democracia dos ricos, do poder econômico, dos poderosos dos diferentes setores, seja o agronegócio, as empreiteiras, o sistema financeiro ou a grande mídia. Eles são os grandes eleitores nesta democracia formal, eles são os que impõem seus candidatos, eles são os que definem os governos e o congresso. Porque vivemos numa falsa democracia onde o povo é chamado a cada dois anos para votar influenciado pela TV, a compra de votos, a propaganda enganosa, e assim estamos frente a sucessivos estelionatos eleitorais, onde os políticos se elegem prometendo mundos e fundos, mas logo que assumem governam para seus financiadores de campanha: os donos do poder econômico.


A Reforma Política e a posição do PSOL

Em recente reunião, a Executiva Nacional do PSOL votou uma resolução sobre a Reforma Política que não arma a militância para esse combate. Depois de algumas generalidades, sem denunciar a responsabilidade central do governo nacional pela “profunda insatisfação com o atual modo de se fazer política no Brasil”, no ponto 4 expressa: “O PSOL tem sua própria plataforma sobre o tema, que envolve, entre outros pontos, o financiamento exclusivamente público de campanhas, o fim das coligações proporcionais, o aumento de instrumentos de participação, como plebiscitos e referendos, e o combate a qualquer medida regressiva, como a cláusula de exclusão aos partidos menores.” É essa nossa plataforma para a Reforma Política? Quem formulou essa proposta que esquece de se pronunciar sobre a existência do senado, uma instituição podre, questionada por inúmeras figuras do “campo progressista” entre os quais conhecidos políticos e juristas? Tampouco se pronuncia sobre a revogabilidade dos mandatos para acabar com as falsas promessas eleitorais, sobre o fim das mordomias e dos privilégios a começar pelos exorbitantes salários que recebem os políticos. Em definitiva uma resolução formal que não define com clareza as propostas do partido para ajudar a construir uma reforma política para valer, confrontando ideias, debatendo projetos e nessa batalha, consolidando em setores de massa as propostas que demonstrem que nosso partido pretende uma mudança de verdade.

Uma profunda reforma política não é uma necessidade momentânea, é algo permanente para poder dar conta das demandas de um povo revoltado com o acionar dos políticos. Por isso fica evidente que a reforma política que necessitam os trabalhadores, os camponeses e a juventude que luta e saiu às ruas em 2013 não combina com a que propõe o governo do PT/PMDB, os partidos políticos da ordem, a grande mídia e esse congresso que aí está. Nesse sentido é errado correr afobados às convocatórias de atos governistas sem antes debater no partido e nos âmbitos dos movimentos: sindicatos, centros de estudantes, organizações que lutam pela reforma agrária e a moradia, qual é a reforma política que defendemos e pela qual devemos nos mobilizar.

Se antecipando à linha proposta pela resolução da Executiva, Luciana Genro voou a São Paulo para colocar o prestigio que conquistou nosso partido nas últimas eleições, já que sua figura representa o PSOL, a serviço de um ato com setores pró-governo como a Consulta Popular, a UNE e parlamentares do PT sem um debate prévio ao interior do partido que nos permita construir um perfil e uma plataforma própria com a qual nos apresentar e debater frente a outros setores políticos e dos movimentos.

Na sua fala, adaptando-se aos presentes, Luciana expressou: “Precisamos pressionar o governo”... “Não podemos aceitar que a presidenta Dilma, no dia da sua vitória eleitoral, diga que quer um plebiscito e, no dia seguinte, ceda às pressões do PMDB, às pressões da direita”. Mais que pressionar, precisamos denunciar o governo Dilma por compactuar com o sistema político corrupto onde o poder econômico e a grande mídia são quem definem as políticas. Não se trata de um governo em disputa!

Surpreende Luciana ao cobrar coerência da presidente e se lamentar que ceda às pressões da direita, como se isso não fosse a prática permanente deste governo, como se este governo não representasse a nova direita! Dilma e seu governo não são reféns da direita, são parte de um regime que eles mesmos construíram ao longo dos anos de governo do PT, por isso, a Reforma Política que necessitamos somente será possível com muita luta e mobilização, derrotando as propostas do governo e não aliados a ele.


É necessário preparar a mobilização sim, mas essa mobilização deve estar conduzida por bandeiras claras sobre a reforma política que queremos. A CNBB e mais 13 entidades, entre as quais a CUT e a UNE, apresentaram um projeto de reforma política que tanto Dilma como Aécio se comprometeram a apoiar durante o debate eleitoral na TV Aparecida. Independente de algum ponto positivo, esse não é nosso projeto! Não é porque não ataca os problemas de fundo para acabar com a corrupção, o estelionato e os privilégios.

É importante abrir o debate nas instâncias partidárias com ampla participação da base e levar esses debates aos locais de trabalho, estudo e moradia para enriquecê-los com novas propostas e argumentos envolvendo a maior quantidade de pessoas. Não adianta pedir plebiscito sem este amplo debate prévio onde o partido apresente suas propostas. O plebiscito não é uma panaceia se não houver igualdade de oportunidades na mídia escrita, radial e televisiva para divulgar as diversas propostas. A reforma política não pode ser resolvida pelo SIM ou pelo NÃO. É um tema complexo, que necessita de muitas mudanças e o ideal seria fazê-la mediante uma constituinte. Neste caso, um plebiscito pode ser um tiro no pé se formulado para supostas mudanças que deixem tudo como está.

Algumas propostas para a Reforma Política

Uma verdadeira reforma política deve começar pelo fim do Senado e a constituição de um parlamento unicameral. É inconcebível num país com tantas falências a existência de um senado que consume bilhões de reais, além de se eleger para mandatos de oito anos e ter a figura do “suplente”. Reduto das oligarquias regionais é utilizado como negociação e chantagem para obter cargos e benesses frente ao Executivo. O senado é um antro de privilégios e corrupção, profundamente antidemocrático na medida em que 81 senadores equivalem a mais de 500 deputados federais. Serve para acolher e proteger corruptos que gozam das maiores mordomias. Prova de sua completa decomposição é seu atual presidente, Renan Calheiros, que renunciou ao cargo para evitar ser cassado por mau uso do dinheiro público e, reeleito, voltou para ser novamente presidente da casa com o beneplácito de seus pares.

A revogabilidade dos mandatos eletivos é outro tema fundamental para acabar com as falsas promessas de campanha. Propomos um mecanismo que permita o eleitor revogar o mandato daqueles que não cumpram com suas promessas eleitorais. Junto com isto somos a favor do financiamento exclusivo público, enxuto e igualitário de campanha, para evitar as aberrações de candidatos que gastam mais em campanhas eleitorais** do que receberão em quatro anos de mandato demonstrando de antemão o estelionato que irão praticar. É importante acabar com as mordomias e despautérios praticados pelos políticos. O salario de qualquer cargo eletivo deve estar atrelado ao piso nacional dos professores ou ao salário mínimo.

Precisamos que todos os políticos com cargo tenham seu sigilo bancário e fiscal aberto antes de assumir e ao deixar o cargo. Precisamos que os corruptos e corruptores sejam penalizados com rigor e não que depois de um ano voltem ao regime aberto ou semiaberto! Absoluta transparência de todos os gastos públicos e que estejam disponíveis para consulta de qualquer cidadão. Somos contra as “cláusulas de barreira” que visam barrar partidos ideológicos enquanto mantém grandes partidos de aluguel formado ao redor de interesses pessoais. Contra o caciquismo do voto “distrital” que tenta construir regiões que contemplem os currais eleitorais dos coronéis para se perpetuar nos cargos, defendemos a eleição por proporcionalidade. Estas são algumas das propostas que queremos incorporar neste debate.

Temos uma grande tarefa pela frente, impedir que o governo e os partidos da ordem utilizem o debate por reformas como simples manobras para distrair o movimento de massas e confundir amplos setores de esquerda, enquanto se unem para aplicar medidas econômicas contra a população. Vamos debater e nos mobilizar ao redor de uma reforma política pra valer, que acabe com a impunidade, os privilégios e as falsas promessas de políticos corruptos, mas em primeiro lugar, e junto com isso, necessitamos organizar a luta para evitar novos e maiores ajustes que precarizam as condições de vida dos trabalhadores, reduzem direitos e aumentam os níveis de miséria da população empobrecida.




Notas:

* IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) constatou que de 2012 para 2013 o número de miseráveis acrescentou-se em 870.676 pessoas.



**Marco Antônio Cabral (PMDB/RJ): filho do ex-governador Sergio Cabral, debutante em disputas eleitorais, foi o deputado que mais gastou no RJ: R$ 6.700.000,00. Considerando que o mandato dura 48 meses, esse gasto representa em média R$ 139.583,00 mensais! Porém, a pesar de ser muito bem remunerado, o deputado Cabral, receberá R$ 26.723,00 mensais. Gastou mais de cinco vezes do que supostamente irá receber. A dinheirama veio de empresas como a Emccamp Residencial, construtora do condomínio Frei Caneca de Minha Casa Minha Vida, das empreiteiras Carvalho Hosken e Andrade Gutierres, da empresa de alimentos JBS, do Hospital das Clínicas de Niterói, de Richard Klein, dono da Multiterminais que atua no Porto do Rio e é sócio de Daniel Dantas, maior operadora de contêineres no Brasil. (TRE e O Globo) Qualquer relação com ilegalidades e favorecimentos entre governo e empresários venais é pura coincidência.

Data de Publicação: 14/11/2014 13:04:53


Extraído de:


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quarta-feira, 12 de novembro de 2014

A “onda fascista”

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Escrito por Duarte Pereira
Quarta, 05 de Novembro de 2014


Tomo a liberdade de compartilhar uma preocupação. As denúncias exageradas de ameaças de golpes militares e de avanço fascista no Brasil, com base em manifestações minoritárias, postagens de internet e arreganhos de generais de pijama, têm-me parecido um alarmismo exacerbado com três propósitos.

Primeiro: desviar a atenção das concessões ainda maiores ao grande capital transnacional e nacional e aos partidos conservadores que estão sendo preparadas pelo novo governo Dilma.

Segundo: obscurecer as responsabilidades do PT e dos governos Lula e Dilma – com sua inflexão social-liberal e neodesenvolvimentista de caráter capitalista, suas alianças espúrias e seus seguidos escândalos de corrupção ativa e passiva – pela divisão e debilitamento das correntes da esquerda socialista e do centro democrático e pela reemergência e revigoramento das correntes conservadoras e fascistas.

Terceiro: confundir ainda mais os setores oposicionistas de esquerda e de centro-esquerda que recuaram da oposição ao governo Dilma no segundo turno da eleição presidencial, preferindo apoiar sua reeleição em vez de anular o voto em sinal de protesto e insatisfação com as duas candidaturas restantes – e no fundamental equivalentes.

Parece-me que se procura atrair esses setores para uma união nacional em torno de Dilma em defesa do regime democrático supostamente ameaçado – por quais forças e com quais objetivos econômicos e sociais alternativos não se indica. Por que um golpe contra o governo social-liberal e neodesenvolvimentista da presidenta Dilma é necessário? A conjuntura atual em muito difere da enfrentada pelo governo Goulart.

Esse procedimento tumultuador, arrisco-me a avaliar, é antidemocrático. Embaralha o quadro político saído das urnas, dificulta a conscientização política dos trabalhadores assalariados e autônomos, assim como da juventude estudantil e da intelectualidade progressista quanto às reais alternativas em disputa.

O procedimento democrático, parece-me, consiste em aprofundar, sem truculências descabidas e com base em críticas fundamentadas, o debate das divergências políticas e ideológicas entre as correntes que apoiam o governo Dilma e as correntes de oposição a esse governo e, nessas, entre a oposição de direita, a oposição de centro e a oposição de esquerda, que precisa atualizar-se e reorganizar-se com urgência.


Extraído de:


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domingo, 9 de novembro de 2014

Não existe “onda conservadora” no Brasil, nem em SP

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Em que pese as diferenças políticas com a corrente de Dezorzi (como o mensalão e a posição no segundo turno eleitoral aqui manifestadas) o presente artigo tem o mérito de rebater o que o próprio autor define como "impressionismo" de alguns com os resultados eleitorais do primeiro turno.


Não existe “onda conservadora” no Brasil, nem em SP
13/10/2014 - 17:00
Caio Dezorzi
Guilherme Boulos, do MTST, defende em sua coluna da Folha de SP que há “a ascensão de uma onda conservadora”  em todo o Brasil e que o estado de SP seria a “cereja do bolo” deste processo. No blog da Boitempo, Izaías Almada escreve que as eleições “confirmam que o estado de São Paulo se torna de fato o representante legítimo da vanguarda do atraso brasileiro”. Eles repetem o que outras centenas de “ideólogos de esquerda” têm reproduzido, impressionados com o resultado de 5 de Outubro. Mas estão todos muito enganados, e pretendemos demonstrar isso neste artigo.
Desde Karl Marx, os marxistas travam um educativo debate com o restante da esquerda para que possamos analisar a situação política de maneira concreta, para além das aparências, do impressionismo. De fato, as aparências são de uma vitória perigosa do reacionarismo. Todos repetem que os candidatos a deputado mais reacionários tiveram as maiores votações e que o PSDB ficou milhões de votos à frente do PT em SP, inclusive suprimindo facilmente a reeleição de Suplicy. Mas isso é só a aparência, facilmente dissipada por uma análise com um pouco de rigor científico.
Os marxistas têm claro que o que move a sociedade é a luta de classes, e que esta se expressa apenas de maneira deformada através das eleições burguesas. Não necessariamente quem vence as eleições burguesas é quem tem o apoio da maioria real da sociedade. Isso se dá porque as eleições burguesas não são nada democráticas. Suas regras privilegiam aqueles que têm mais recursos financeiros e boa parte, senão a maioria dos que votam em um determinado candidato, o faz não por concordar com seu programa, mas porque este esteve mais exposto, se tornou mais conhecido, porque tinha mais recursos – e apoio da grande mídia burguesa.
O fato de não haver tempo igual para os partidos e coligações na TV e de os candidatos a presidente e governador de partidos menores como PSTU, PCB, PCO não poderem participar dos debates televisivos, por si só já distorce bastante a expressão das classes em luta no processo eleitoral.
Alckmin, por exemplo, foi reeleito governador em SP sem apresentar seu programa de governo. Claro que apresentou propostas nos programas de TV e rádio, que falou de propostas nos debates, mas o fato de não ter apresentado seu programa e registrado na justiça eleitoral, mostra que para seus eleitores, o programa do candidato não é o mais importante. É como se tivessem dado um cheque em branco a ele.
Os que dizem que há uma “onda conservadora” parecem partir do pressuposto de um mundo ideal onde as pessoas votam nos candidatos por acordo plenamente consciente com suas propostas! Os mais de 1 milhão de eleitores que votaram no Tiririca conhecem suas propostas? Francamente! Nem nos programas de TV ele apresentou as propostas dele! Logo, não podemos afirmar que todos que votaram nos candidatos da direita sejam “de direita”. Mas, mesmo que suponhamos que sejam, vamos aos números!
Aqui há um outro problema: ao analisar os números que a justiça eleitoral burguesa e a mídia burguesa nos fornecem, temos uma visão distorcida do processo que já expressa de maneira deformada a realidade da luta de classes. Isso porque a burguesia distorce o resultado quando desconsidera as abstenções e o que chama de “votos inválidos” (brancos e nulos). Para efeito de porcentagem, usam apenas os chamados “votos válidos”, ou seja, aqueles que foram dados a algum candidato. Mas e na realidade? Os que se abstiveram, anularam seu voto ou votaram “em branco” não fazem parte da vida real? Não estão também na sociedade e participam da luta de classes? Claro que sim! São também trabalhadores e jovens, só que optaram por não participar do teatro das eleições burguesas ou por não votar em nenhuma das alternativas apresentadas.
Para termos uma visão menos distorcida e facilitar a compreensão de tantos números, em nossa análise chamaremos de “candidato NDA” (Nenhuma das Alternativas) o detentor dos chamados “votos inválidos” somados às abstenções. Ou seja, NDA representará em nosso texto todos aqueles que decidiram não votar em nenhum dos candidatos apresentados. Isso muda bastante o que a burguesia nos apresentou como resultado.
De um total de mais de 142 milhões de eleitores no Brasil, Dilma ficou em primeiro lugar, com 43.267.668 votos (30,29%). Em segundo lugar ficou NDA com 38.798.244 votos (27,17%)! Só em terceiro lugar é que aparece o candidato do PSDB, Aécio Neves, com 34.897.211 (24,43%), quase 4 milhões de votos atrás de NDA! E Marina Silva fez 22.176.619 votos (15,53%), terminando em 4º lugar, quase 17 milhões de votos atrás de NDA!
Agora, vamos comparar com o 1º turno das eleições anteriores. Em 2010, havia 7 milhões de eleitores a menos que hoje. De um total de mais de 135 milhões de eleitores no Brasil, Dilma ficou em primeiro lugar, com 47.651.434 votos (35,09%). Em segundo lugar ficou novamente NDA com 34.213.890 votos (25,19%)! Só em terceiro lugar novamente é que aparece o candidato do PSDB, José Serra, com 33.132.283 votos (24,4%), desta vez pouco mais de 1 milhão de votos atrás de NDA! E Marina Silva, então pelo PV, fez 19.636.359 votos (14,46%).
Agora, vamos comparar com o 1º turno das eleições de 2006, quando havia quase 17 milhões de eleitores a menos que hoje. De um total de mais de 125 milhões de eleitores no Brasil, Lula ficou em primeiro lugar, com 46.662.365 votos (37,06%). Em segundo lugar ficou Geraldo Alckmin, do PSDB, com 39.968.369 votos (31,74%)! Há 8 anos, só em terceiro lugar é que aparecia o NDA, com 29.916.401 votos (23,76%), daquela vez pouco mais de 10 milhões de votos atrás do candidato tucano!
Se fôssemos nos deixar levar pelo impressionismo, em 2006 aparentemente havia uma “onda conservadora” muito maior do que agora! Afinal, o candidato tucano, mesmo num universo de quase 17 milhões de eleitores a menos, teve 5 milhões de votos a mais que seu colega Aécio Neves em 2014! Uau! Que “onda conservadora” essa de agora onde o PSDB perdeu 5 milhões de votos nos últimos 8 anos mesmo com 17 milhões de eleitores a mais! Claro que isso se explica em grande parte porque em 2006 a polarização era “PT x PSDB” e desde 2010 Marina Silva entrou em campo, como uma espécie de “3ª via” eleitoral. Mas esta migração de votos do PSDB para Marina representa o crescimento de uma “onda conservadora”? Pelo contrário! Por mais que nós saibamos muito bem que Marina defenda os mesmos interesses que o PSDB e que tenha seu programa completamente submetido aos interesses do capital, a maior parte dos que votam nela não vê desta forma. Votam em Marina por pura ilusão de que ela represente algo novo, uma “nova política”. E não se pode dizer que quem quer “o novo” é conservador. Isso seria um contrassenso em si. Marina pode ser conservadora, já seu eleitorado pode ser confuso, iludido, mas não conservador.
A grande questão aqui é que o PT perdeu muitos votos. E isto não necessariamente quer dizer que seja “uma guinada do eleitorado à direita” – ainda mais com a política que o PT vem aplicando ultimamente, ampliando e aprofundando alianças com partidos burgueses. De 2010 para 2014, o PT perdeu mais de 4 milhões e 300 mil votos, mesmo com um aumento de 7 milhões de eleitores no Brasil! E para onde estes votos foram? Impossível dizer como cada indivíduo mudou seu voto. A análise só pode considerar os resultados mais gerais. Entretanto, o que podemos ver no mapa da apuração é que o PT perde nos grandes centros políticos, onde se concentra a classe trabalhadora mais organizada, e ganha nas regiões menos desenvolvidas economicamente, onde está o proletariado mais atrasado. Outro fator importante é que em 2014 o NDA ganhou mais de 4 milhões e 500 mil votos em relação a 2010. Reparem que é um número muito próximo dos votos perdidos pelo PT no mesmo período. Marina, com seu discurso de “mudança” aumentou sua votação. O PSOL, apesar de ainda pouco expressivo, praticamente dobrou sua votação em relação a 2010.
Não é absolutamente preciso, mas os números mostram centralmente uma migração de votos do PT para o NDA, além de uma pequena distribuição de votos para alternativas à esquerda ou que aparecem como “de mudança” e não para a direita, que proporcionalmente manteve a sua votação (o PSDB obteve 24,4% tanto em 2010 quanto em 2014). Claro que, como o sistema desconsidera os “votos NDA” isso acaba fazendo pesar a balança para a direita no resultado oficial, mas não quer dizer que haja uma “onda conservadora”. Se os que antes votavam no PT mantiverem seu voto no NDA no 2º turno, Aécio deve se favorecer apenas mantendo os votos que historicamente o PSDB obtém no 2º turno.
Isso é matemática. Mas política não é só matemática. O PT não é o mesmo de antes. A relação das massas com o PT não é a mesma de antes. As massas também mudaram. E o voto no PT hoje não significa mais o que significava antes. E isso ressignifica o voto em qualquer partido ou candidato.
As jornadas de junho de 2013 representaram o despertar de uma massa de jovens para a vida política. Uma massa de jovens que não conhece a história do PT, que não conheceu o PT que lutava pelos direitos dos trabalhadores, por mudanças na sociedade. Trata-se de uma juventude que passou toda sua “vida consciente” sob o governo do PT em coalizão com partidos burgueses. Para esta camada de jovens, o PT não é sinônimo de mudança, mas sim de continuidade da ordem vigente. Não é de se estranhar que ao mesmo tempo em que queiram mudanças, estes jovens sejam anti-petistas. E, em meio à despolitização, podem acabar buscando expressar seu anseio por mudanças em qualquer voto contra o PT, inclusive em Aécio do PSDB no 2º turno.
Claro que isso foi influenciado pelo espetáculo midiático e fraudulento que a burguesia promoveu em torno do mal chamado “mensalão” ou “maior caso de corrupção da história do país”. Mas a responsabilidade disso é inteira da direção do PT, que recusou-se a se defender e despolitizou o debate nos últimos anos. Quando a direção do PT passa a defender os interesses do capital e se aliar com os seus inimigos históricos de classe, não há de fato mais nenhuma diferença política substancial entre o programa do PT e do PSDB ou de qualquer outro partido burguês. O debate eleitoral fica reduzido a “quem é mais competente para gerir o Estado” ou “quem é menos corrupto”. Assim, para essa juventude que despertou há pouco, o PT é um partido como todos os outros. E este começa também a ser o entendimento de uma camada da classe trabalhadora, não tão jovem assim.
Trotsky nos explicou que nas eleições se expressa o caráter de massa do proletariado e seu nível de desenvolvimento político. O resultado eleitoral de 5 de outubro é a expressão da despolitização da juventude e da classe trabalhadora, causada pela política dos governos e da direção do PT de conciliação de classes e de submissão aos interesses do capital. É o que a Esquerda Marxista vem alertando e combatendo há anos. E é isso o que leva à derrota petista em todo o Brasil.
Muitos parlamentares petistas não se reelegeram e todos os que conseguiram a reeleição tiveram uma queda acentuada em sua votação. A classe trabalhadora sancionou o PT nas urnas. A declaração da Esquerda Marxista de 7 de outubro faz uma radiografia do desempenho eleitoral do PT:
“A bancada do PT foi reduzida de 88 para 70 deputados federais e de 13 para 12 senadores. Em todo o Brasil, o número de deputados estaduais caiu de 149 para 108. Na disputa presidencial, Dilma atingiu no 1º turno, em 2010, 46,91% dos votos válidos, agora, obteve 41,59%.
Nas disputas para os governos estaduais, o candidato do PT à reeleição no Distrito Federal, Agnelo Queiroz, ficou em terceiro com apenas 20,07% e está fora do 2º turno. Tião Viana e Tarso Genro foram para o 2º turno na tentativa de reeleição no Acre e no Rio Grande do Sul, respectivamente, sendo que Tarso ficou em 2º lugar com 32,57% dos votos no 1º turno. O único estado atualmente governado pelo PT que conseguiu eleger um sucessor no 1º turno foi a Bahia. Mas o que chama a atenção é o resultado pífio de candidatos petistas ao governo no Rio de Janeiro (10%), no Paraná (14,87%), Santa Catarina (15,56%) e São Paulo (18,22%). Nas regiões sul e sudeste o único estado onde o PT levou no 1º turno foi em Minas Gerais, onde o voto foi evidentemente para tirar o PSDB do governo.
O que estamos vendo é que nos principais centros políticos e econômicos do país, onde há maior concentração da classe operária e da juventude, o PT tem perdido força. Na região do ABCD, na Grande São Paulo, Dilma só ganhou em Diadema. Das cidades desse importante polo industrial, Alckmin ganhou de Padilha em todas.”
Os votos perdidos pelo PT não foram para a direita nem em SP
Como já demonstramos matematicamente, a quantidade de votos que o PT perdeu no Brasil não foi ganha para os candidatos da direita, mas aumentaram significativamente o que neste texto chamamos de NDA (Nenhuma das Alternativas). No estado de SP não foi diferente:
Podemos notar que agora em 2014 Dilma perdeu mais de 2 milhões e 800 mil votos em relação à sua própria votação em 2010 no estado de SP. Ao passo em que o candidato tucano aumentou em apenas 0,3% sua votação. Já o NDA passou da 3ª colocação em 2010 para a 2ª colocação em 2014, superando a votação de Dilma em 10%, aumentando em mais de 2 milhões e 150 mil “votos”. Novamente, assim como no quadro nacional, notamos que no estado de SP a quantidade de votos perdida pelo PT é próxima da quantidade de votos que o NDA ganha. Não podemos deixar de notar que também Marina aumenta sua votação. Com quase 1 milhão e 700 mil eleitores a mais em 2014 no estado de SP, Marina obteve um crescimento de quase 900 mil votos em comparação com 2010, por seu discurso de “mudança”. Entretanto, a candidatura com maior crescimento proporcional foi a do PSOL, que mais que dobrou sua votação em relação a 2010. Mesmo ainda longe de alcançar os primeiros colocados, o crescimento da votação do PSOL não apenas no estado de SP, mas em todo o Brasil, representa uma guinada à esquerda de uma parte dos votos que o PT perdeu. Uma camada mais politizada que em vez de anular seu voto preferiu apostar numa alternativa mais à esquerda.
Para quem ainda acha que o voto na direita cresceu em SP, vamos comparar a votação dos tucanos em 2014 e 2006. O então candidato à presidência pelo PSDB, Geraldo Alckmin, obteve no estado de SP em 2006 mais de 1 milhão e 700 mil votos a mais que o seu correligionário Aécio Neves em 2014! Novamente aqui o PSDB perdeu 1,7 milhão de votos enquanto o eleitorado cresceu quase 4 milhões! Isso é “onda conservadora”? Qual foi o partido mais à direita do PSDB que teria ganho esses votos?
Mas alguém pode dizer: “E o Alckmin que agora foi reeleito governador com 57% dos votos?”...novamente vamos desmistificar os números, incluindo os votos que a burguesia retira do resultado final e ver como fica:
Na verdade, o PSDB que vence em SP há mais de 20 anos ficou abaixo da média nestas eleições. Alckmin teve 38,25% dos votos dos eleitores do estado de SP. Apenas 0,2% a mais que sua própria votação em 2010 e 6% a menos que a votação do PSDB em 2006! O fato é que para governador também o PT perdeu muitos votos (mais de 4 milhões em relação a 2010) e o NDA cresceu em mais de 3 milhões, ficando apenas atrás de Alckmin e atingindo 33,27%! Um terço dos eleitores “votou” NDA para governador em SP! Isso é uma “guinada à direita”?! Se somarmos isso com os votos em todos os outros candidatos que se opunham a Alckmin, notamos que 61,75% dos eleitores do estado de SP não querem mais Alckmin do PSDB como governador!
Skaf dobrou a votação dos partidos que lançaram candidatos separadamente em 2010, mas aqui também, por mais que nós saibamos o quão reacionária era a candidatura de Skaf, para a maior parte dos eleitores ele aparecia como uma alternativa para a mudança, uma “3ª via eleitoral” no estado de SP. E não podemos dizer que sua votação representa um eleitorado reacionário. É mais correto dizer que é um eleitorado despolitizado, que quer mudanças, semelhante ao eleitorado de Marina Silva. E, de qualquer forma, representa menos da metade dos votos NDA!
Porém alguns ainda podem argumentar: “Mas a eleição pra senador em SP comprova que há um aumento das forças reacionárias!” ...vamos de novo aos números:
Aqui o que dizemos fica ainda mais evidente! O que chamamos de NDA foi o grande vencedor das eleições ao Senado em SP com o apoio de quase 13 milhões de eleitores! Mais de 40% dos eleitores não apoiaram nenhum candidato ao Senado! Serra fica em segundo, com 83 mil votos a menos que o candidato tucano de 2010, mesmo com o eleitorado paulista tendo crescido 1,7 milhão no período! O problema novamente foi que o PT perdeu muitos votos. E mesmo Suplicy, que parecia imune à desmoralização do PT, perdeu mais de 2 milhões e 800 mil votos em relação à sua própria votação em 2006!
Por fim, dizem que os candidatos a deputado mais votados são reacionários. Novamente vamos aos números! O candidato a deputado federal mais votado em SP, foi Celso Russomano, com 1 milhão e meio de votos. Isso é bastante compreensível. O sujeito tem um programa de TV onde banca o “defensor do consumidor” há anos. Foi eleito deputado federal em 2006 com meio milhão de votos. Em 2010 foi candidato a governador e em 2012 disputou a prefeitura de São Paulo, quase tirando Haddad do 2º turno. E continuou até julho, com seu programa de TV no ar! Com tanta exposição na mídia, sua votação até que foi baixa. O segundo mais votado foi Tiririca! O “abestado”, como ele mesmo se chama, teve 300 mil votos a menos que em 2010! E o terceiro mais votado foi o pastor Marco Feliciano, com menos de 400 mil votos! Depois de toda a exposição de mídia que ele ganhou com as polêmicas em torno de sua presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara e suas declarações homofóbicas, com apoio de grande parte dos evangélicos, sua votação também foi baixa. O que importa é que todos eles não chegam aos pés do NDA, que obteve apoio de mais de 11 milhões de eleitores na escolha de Deputado Federal em SP!
No Rio de Janeiro, por exemplo, o reacionaríssimo Bolsonaro foi o candidato mais votado para Deputado Federal com 464 mil votos. Já para deputado estadual, o mais votado foi Marcelo Freixo do PSOL, com 350 mil votos. O que os impressionistas diriam? Que houve uma guinada à direita para deputado federal e uma outra guinada à esquerda para deputado estadual? O impressionismo como método é uma piada! Ao mesmo tempo em que Bolsonaro foi o mais votado, o PSOL teve mais de 530 mil votos para deputado federal e elegeu 3 de seus candidatos no Rio de Janeiro! Onde está a “onda conservadora”?
Com a retirada de uma parte importante do eleitorado petista para o NDA (brancos, nulos e abstenções), que o sistema eleitoral burguês desconsidera, acabam privilegiados os que mantêm suas votações. E foi isso o que ocorreu. Não há um aumento do apoio às ideias de direita. A direita praticamente manteve seu apoio enquanto o PT perdeu. Isso deu mais espaço para a direita no parlamento, mas não significa que há um aumento do apoio popular às ideias de direita. E o PT perder apoio não significa que as ideias de esquerda têm menos apoio. Pelo contrário, isso mostra uma desaprovação popular à direitização do PT.
O que o resultado de 5 de Outubro mostra é que camadas importantes do proletariado brasileiro, principalmente nos grandes centros políticos do país, estão deixando de apoiar a política de conciliação de classes do PT, estão insatisfeitos com todos que se candidatam a seus representantes. O grande vencedor destas eleições não é o PSDB como a mídia burguesa tenta pintar. O grande vencedor é o NDA. Isso quer dizer que é uma guinada à esquerda? Não necessariamente. Mas certamente não é uma guinada à direita. Pelo contrário, Alckmin em SP e o próximo presidente eleito enfrentarão uma forte oposição popular que já os rejeitou nas urnas. Se estes não encontram no PT e em nenhum outro partido o seu representante político, não podemos culpá-los.
Os que responsabilizam o “atraso das massas” pelo resultado eleitoral, os que dizem que “o povo tem o governo que merece” ou que concluem que o resultado de 5 de outubro é reflexo de um aumento do conservadorismo entre a população, consciente ou inconscientemente estão dando cobertura à direção do PT, que é a verdadeira responsável por seu próprio fracasso e com isso prepara o fortalecimento e a volta da direita mais reacionária nos parlamentos e palácios.
Para os revolucionários, o cenário político é bastante animador. Difícil, complexo, mas animador. Já o cenário econômico promete tempos difíceis para todos os trabalhadores, que voltarão a se mobilizar para se defender dos cortes e ataques aos seus direitos conquistados com tanta luta.
Apesar de todas as traições da direção do PT, a classe trabalhadora ainda pode cumprir seu papel e impedir a vitória do PSDB no segundo turno, dando ao PT mais uma chance. E o PT será colocado à prova diante de toda a classe trabalhadora. É necessário que a classe trabalhadora faça a experiência até o fim com estes que reconhece como seus representantes históricos. Estará nas mãos da direção do PT continuar com a política de conciliação com a burguesia e ser definitivamente abandonada por sua classe ou virar à esquerda e reatar com as bandeiras originais do partido, de luta pelo socialismo. Somente passando por essa experiência é que o proletariado brasileiro encontrará uma saída para sua reorganização sobre um novo eixo de independência de classe. Vote Dilma, vote 13!
Obs. Todos os quadros contém dados oficiais fornecidos pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral). As candidaturas que não foram incluídas nos quadros obtiveram votações tão pequenas que não alteram em nada nossa análise.

Extraído de:
http://www.marxismo.org.br/content/nao-existe-onda-conservadora-no-brasil-nem-em-sp


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