sábado, 29 de dezembro de 2018

Direitos humanos e humanos direitos: o caso das Filipinas

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Rodrigo Duterte é presidente das Filipinas desde 2016. Com a linha do “bandido bom é bandido morto” declarou “guerra às drogas” e deu carta branca para a polícia matar nas periferias. Nessa guerra 5 mil pessoas já morreram, de acordo com as próprias fontes policiais. Organizações de direitos humanos afirmam que o número é bem maior. Muitos inocentes foram assassinados, o que já foi reconhecido pelo próprio presidente [1].

Em novembro a justiça do país condenou três policiais à prisão perpétua. Em agosto de 2017 eles assassinaram Kian delos Santos, jovem de 17 anos. Alegavam que ele era traficante e que havia trocado tiros com a polícia, argumentos desmentidos pelas câmeras de segurança. O caso repercutiu no país, gerou mobilizações e ganhou a grande mídia o que provavelmente deve ter contribuído para a punição já que se tratou da primeira condenação de agentes do Estado desde que o presidente filipino iniciou sua “guerra às drogas”. [2]

Duterte gosta de dizer que traficante tem que morrer. No ano passado o seu filho, Paolo Duterte, apareceu em um esquema de tráfico de drogas. Enquanto tentava manter a coerência perante a opinião pública chegando a dizer que o filho tinha que morrer “se” fosse culpado [3] o Senado montava uma comissão que terminou por desvincular o filho do presidente da acusação [4].

O caso das Filipinas é emblemático para demonstrar o real caráter dos “direitos humanos para humanos direitos”. Os ricos e poderosos sempre serão os “humanos direitos” dignos de desfrutar dos princípios básicos dos direitos humanos. Veja que Duterte levantou o “se” para o seu filho, benefício da dúvida que é negado aos filipinos pobres.

Além da aplicação seletiva dos princípios básicos dos direitos humanos os ricos e poderosos apelam às mais vis, baixas e descaradas manobras para conquistar a impunidade para si, como verifica-se no fato da comissão do Senado ter retirado o filho do presidente da acusação. Apesar disso não se intimidam e tampouco se ruborizam de seguir fazendo o discurso dos “direitos humanos para humanos direitos”.

No Brasil teremos um governo com essa mesma linha. E com a mesma hipocrisia e seletividade. Quase a metade dos ministros nomeados por Bolsonaro estão enrolados com a justiça e a punição dos mesmos será mais difícil agora com cargo já que ganharão imunidade. Entre os ministros um confessou o crime (Onyx Lorenzoni) mas o pedido de desculpas foi aceito e outro foi condenado (Ricardo Salles) mas sua condenação foi considerada “política”. Além disso pesam suspeitas contra o próprio clã dos Bolsonaros, vide o caso do assessor de Flávio. E apesar de tudo isso não se constrangem de seguir caluniando os direitos humanos como mero “defensor de bandido”.

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[1] 'Meu pecado são as execuções extrajudiciais', afirma Duterte. 28/09/2018.

[2] Justiça filipina tem 1ª condenação de policiais pela 'guerra às drogas'. 29/11/2018.

[3] Duterte promete mandar matar filho se acusação de tráfico for verdade. 21/09/2017.

[4] Filho de Duterte é desvinculado de caso de narcotráfico na Filipinas. 02/05/2018.



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quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Bawerk, Hungria e mais valia

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O economista liberal Eugen von Böhm-Bawerk (1851-1914) foi um dos grandes nomes da Escola Austríaca. Ele tentou, sem sucesso é claro, refutar a teoria do valor e da mais valia de Karl Marx. Mas alguns, principalmente na atualidade, ainda dão crédito para as “refutações” de Bawerk. Vou pegar apenas um dos pontos e contrastar com a realidade para mostrar a fragilidade de sua “refutação” da mais valia.

Um dos argumentos de Bawerk contra a mais valia era a de que os empresários adiantavam o salário para os trabalhadores e que isso por si só já tornaria a mais valia insustentável. Adam Smith, um século antes, já havia mostrado a inconsistência de tal afirmação:

"[...] o trabalho de um manufator geralmente acrescenta algo ao valor dos materiais com que trabalha: o de sua própria manutenção e o do lucro de seu patrão. [...] Embora o manufator tenha seus salários adiantados pelo seu patrão, na realidade ele não custa nenhuma despesa ao patrão, já que o valor dos salários geralmente é reposto juntamente com um lucro, na forma de um maior valor do objeto no qual seu trabalho é aplicado." (Adam Smith. A Riqueza das Nações, Vol. 1, CAP. III - A Acumulação de Capital, ou o Trabalho Produtivo e o Improdutivo)

Mas para quem ainda quiser manter de pé esse argumento de Bawerk terá agora o desafio de contrastá-lo com um fato da realidade recente: há poucos dias o governo da Hungria aprovou no parlamento uma alteração na legislação trabalhista que amplia de 250 para 400 as horas extras anuais de trabalho e permite que as empresas paguem tais horas adicionais em até 3 anos! Isso se realmente pagarem!

De qualquer forma temos que no melhor cenário pagarão não adiantado como sugeria Bawerk mas atrasado – e com um tempo posterior bastante significativo. Como se pode perceber usando os critérios do austríaco teríamos que admitir a existência de mais valia nesse caso.



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domingo, 2 de dezembro de 2018

Brasil-EUA e a política “Castelo Rá-Tim-Bum”

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Boa parte da garotada que cresceu nos anos 90 assistiu ao seriado infantil Castelo Rá-Tim-Bum da TV Cultura. O vilão, Dr Abobrinha, desejava comprar o castelo, derrubá-lo e construir em seu lugar um prédio de 100 andares.

Como os proprietários não queriam vender o imóvel o vilão entrava com algum disfarce no castelo sempre com um documento (recibo, nota fiscal, etc) disfarçado de contrato de venda que tinha validade com a assinatura de qualquer transeunte. Para se ter uma ideia em um dos episódios a cobra Celeste assina e vende o castelo, medida que é desfeita posteriormente.

O governo Bolsonaro parece estar inaugurando uma relação “Castelo Rá-Tim-Bum” com os Estados Unidos. Foi o que indicou a ida de Eduardo Bolsonaro ao país do Norte do continente onde se reuniu com membros do governo Trump em uma atitude totalmente fora dos protocolos onde sequer foi acompanhado da diplomacia.

O deputado é filho do presidente eleito, porém, não ocupa nenhum cargo que lhe confira a atribuição de reunir-se com membros de governo estrangeiro. Ainda que o Brasil fosse uma monarquia o herdeiro deveria possuir um cargo designado com tal atribuição. Fosse minimamente sério e o Ministro das Relações Exteriores teria entregado o cargo.

A diferença do governo Bolsonaro para o seriado infantil é que o Dr Abobrinha não precisa de disfarces. A disposição servil é tamanha que querem levar o contrato de venda do castelo assinado. E vale a assinatura de qualquer transeunte, como um Eduardo Bolsonaro.




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quarta-feira, 28 de novembro de 2018

A estupidez é funcional ao ajuste

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Luiz Henrique Mandetta, Ministro da Saúde do governo Bolsonaro, fez declarações contra as políticas públicas de conscientização sobre DSTs (doenças sexualmente transmissíveis), em especial da AIDS. Segundo ele, como assunto de sexualidade, isso deveria ser tratado no âmbito familiar e não na esfera governamental.

Mandetta não é um fanático religioso mas médico de formação. Representante dos planos privados de saúde dentro do governo é investigado por fraudes, tráfico de influência e caixa dois. É um malandro, não um estúpido.

E por ser um malandro parece que compreendeu que a estupidez deste governo serve a implementação do ajuste fiscal que favorece a ampliação dos lucros do setor que representa. 

O governo Bolsonaro conseguiu a proeza de inverter o famoso ditado popular que afirma que maluco é quem rasga dinheiro. Nele a maluquice serve para a aplicação do ajuste fiscal que amplia os lucros dos grandes grupos econômicos.


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O "menos universidade" do Ministro da Educação

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A bizarra afirmação, dentre várias, do Ministro da Educação do governo Bolsonaro, Ricardo Vélez Rodríguez, de que nossos jovens saiam do ensino médio para o mercado de trabalho e arrumem outra atividade -- como ser youtuber -- em vez de entrar na universidade deve ser encarada para além do escárnio.

Essa sugestão se dá nos marcos do aprofundamento de um ajuste fiscal que ampliará o sucateamento das universidades públicas e reduzirá sua oferta de vagas.

Soma-se a isso um novo ensino médio que tornará ainda mais precária a formação dos jovens nas escolas públicas e temos que ficará ainda mais difícil ingressar na universidade.

Sem contar que o programa de governo de Bolsonaro diz que o Brasil já investe o suficiente em educação e que até retirará do ensino superior para realocar no ensino básico. E é aqui que os pastores políticos vão ganhar através de creches vinculadas às igrejas, algo em torno de R$ 49 bilhões -- quase a metade do orçamento do MEC.

Rodríguez está tentando dar mais uma justificativa para todo esse estado de coisas. E isso é muito sério por mais absurdo que seja.



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quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Como são feitas as privatizações?

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0) Empresário não se interessa por empresa deficitária, logo é mito que o Estado privatiza empresas com prejuízos.

1) Se a estatal a ser privatizada possui carências de infraestrutura é o Estado que investe nela antes de privatizar, embora o governo alegue que está privatizando por ter perdido a capacidade de investimento.

2) O Estado assume os passivos das estatais que serão privatizadas. Isso aumenta a dívida pública do governo.

3) Os empresários compram as estatais com recursos públicos (com dinheiro do BNDES ou outros bancos públicos) em financiamentos a fundo perdido cujo empréstimo muitas vezes não é pago.

4) As empresas já privatizadas recebem mais recursos públicos (BNDES ou outros) para investimentos – lembre-se de que o governo alegava que precisava privatizar por não ter recursos.

5) Boa parte dos recursos do BNDES são obtidos com emissão de títulos da dívida pública, logo esse financiamento das privatizações é subsidiado e aumenta a dívida pública.

6) Muitos leilões de privatizações são jogos de cartas marcadas onde as estatais são repassadas para os amigos dos políticos.

7) O saldo de todo este processo é o seguinte: o Estado financia a fundo perdido a privatização de estatais rentáveis abrindo mão de receitas e aumentando a sua dívida pública que depois é paga com ajustes fiscais que retiram recursos da saúde, da educação e da segurança – áreas que os governos dizem que terão mais investimentos após as privatizações.

8) Não é por acaso que são chamadas de privatarias!





Programa de governo de Jair Bolsonaro, p.62.





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