terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

A crise na Irlanda e o silêncio neoliberal

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A Irlanda foi um dos países mais festejados e apontado como modelo pelos defensores do livre-mercado nos últimos anos:
"A Irlanda vem experimentando um choque liberal há anos, com redução de gastos públicos, abertura comercial e maior liberdade econômica. (...) a Irlanda é um ótimo exemplo das reformas defendidas pelos liberais. (...) Exatamente a receita liberal."
São as palavras do almofadinha liberal do sistema financeiro, Rodrigo Constantino, no ano de 2006.[1]
Na sequência do mesmo artigo Constantino ainda vai lamentar que "falta muito para o Brasil virar uma Irlanda".

"O caso da Irlanda vem bem a calhar então, pois se trata de um impressionante exemplo do sucesso das reformas liberais, que reduzem a intervenção estatal e aumentam a autonomia individual", escreveu ele em 4 de dezembro de 2007.[2]

No mesmo mês, Constantino, ao comentar o livro de Walter Laqueur que fala sobre a crise da civilização européia faz a seguinte ressalva:
"A parte econômica é justamente a que mereceu pouca atenção do autor. Os principais países da Europa possuem uma elevada dívida pública, um passivo previdenciário crescente e uma carga tributária que já absorve praticamente a metade do PIB. Uma rara exceção é a Irlanda, que fez inúmeras reformas liberais e apresenta um quadro bem mais confortável."[3]

Em março de 2008 criticando artigo do presidente do Ipea, Márcio Pochman, Constantino fará a seguinte afirmação:
"Podemos analisar os casos do Chile, Irlanda, Espanha, Austrália, Nova Zelândia, Islândia, todos eles são exemplos de sucesso das reformas liberais, que Pochman tanto condena. (...) Não foi a globalização que falhou: foi a sua falta!"[4]

Dois meses depois, analisando formas de desenvolvimento e bem-estar para o Brasil, ele não tem dúvida de qual a receita adequada e novamente cita a Irlanda:
"O Brasil está na rabeira do ranking de liberdade econômica do The Heritage Foundation, calculado junto com o Wall Street Journal. O país está situado depois do centésimo lugar no índice. Os países com maior grau de liberdade são os mais ricos também, como Cingapura, Irlanda, Austrália, Estados Unidos, Nova Zelândia e Canadá. O Fraser Institute, do Canadá, corrobora essa conclusão, colocando o Brasil no final do ranking de liberdade também."[5]

Note-se que na afirmação acima consta os Estados Unidos, cujo sistema financeiro era festejado por Constantino em 2007:
"Os americanos sabem melhor o quão importante é este setor no século XXI."
E era no modelo americano que deveríamos nos espelhar:
"O Brasil precisa se tornar um país com ambiente mais amigável aos negócios, com menos burocracia e impostos, com império das leis, com agências reguladoras independentes, com um Banco Central independente, com maior abertura comercial e com leis trabalhistas mais flexíveis."[6]

O tom da celebração muda quando a crise financeira bate à porta. Se o liberalismo era responsável pelos "bônus" agora não é pelos "ônus".

Sim, Constantino mudará de linha com relação aos Estados Unidos. O país que para ele sabia lidar com o sistema financeiro por "saber da importância" do mesmo, agora tem o seu governo e o seu Estado tidos como responsáveis pela crise devido ao seu "intervencionismo" (tsc!):
"Em momentos de crise grave como a atual, a busca por bodes expiatórios é muito comum. Os alvos de sempre acabam levando a culpa: os “especuladores” e o “livre mercado”. Mas a verdade é que podemos encontrar as impressões digitais do governo em todos os locais da cena do crime. (...) Parte das causas dessa crise financeira pode ser localizada nas medidas do Federal Reserve (Fed) em 1998."[7]

Sobrou até para o outrora "modelo" Banco Central americano. Constantino parece ter se esquecido completamente do artigo que escrevera há pouco mais de um ano e meio antes.

Ele se esqueceu da Irlanda também. O país foi afetado pela crise em 2008, e desde lá não foram mais feitas referências ao mesmo em seu Blog. Talvez agora, com o agravamento da situação, saia da cartola um artigo culpando o "intervencionismo" do governo, como sempre! Mas por enquanto nada! Só omissão!

No início de dezembro do ano passado o Financial Times já demonstrava preocupação com os níveis de endividamento da Grécia e da "austera" menina dos olhos Irlanda:
"Investidores consideram que Grécia e Irlanda apresentam mais risco de dar um calote em seus títulos que a China, Brasil e Polônia."[8]

Os dois países estão em situação similar, mas Constantino escreverá um artigo intitulado "Tragédia Grega" onde se esquece da outrora sempre lembrada Irlanda e não terá dúvidas da causa dos problemas financeiros pelos quais passam os países europeus:
"O modelo de "welfare state" (bem-estar social) europeu com uma moeda única está em xeque. Os países conhecidos como PIGS (Portugal, Itália, Grécia e Espanha) encontram-se diante de uma crise sem precedentes."[9]

Os argumentos da turma do livre-mercado são como o sistema que defendem: oscilantes!
O próprio Constantino declarou voto no José Serra[10] depois de declarar que os "principais partidos estão cada vez mais parecidos" e aconselhar que o "povo precisa mostrar indignação diante de escândalos de corrupção. Precisa rejeitar veementemente candidatos ligados a esquemas comprovados ou mesmo suspeitos. (...) É preciso acabar com os dois pesos e duas medidas."[11]

Podem ser as influências. Afinal Ludwig von Mises, um dos autores preferidos de Constantino, colocou um sinal de igual entre o comunismo e o fascismo com uma mão, e com a outra fez uma dedicação de agradecimento ao fascismo, que para ele "viverá eternamente na história" pois "havia salvado a civilização européia" por ter mantido a sacrossanta "propriedade privada". [12]

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[1] A Irlanda de Bono (21/02/2006):
http://rodrigoconstantino.blogspot.com/2006/02/irlanda-de-bono.html

[2] A Virada da Irlanda (04/12/2007):
http://rodrigoconstantino.blogspot.com/2007/12/virada-da-irlanda.html

[3] A Crise da Europa (27/12/2007):
http://rodrigoconstantino.blogspot.com/2007/12/crise-da-europa.html

[4] Direto do Sarcófago (21/03/2008):
http://rodrigoconstantino.blogspot.com/2008/03/direto-do-sarcfago.html

[5] O Mercado e o Governo (21/05/2008):
http://rodrigoconstantino.blogspot.com/2008/05/o-mercado-e-o-governo.html

[6] Diferenças Gritantes (30/01/2007):
http://rodrigoconstantino.blogspot.com/2007/01/diferenas-gritantes.html

[7] De Quem é a Culpa? (22/09/2008):
http://rodrigoconstantino.blogspot.com/2008/09/de-quem-culpa.html

[8] Emergentes viram "porto seguro" contra calote após Dubai, diz jornal (01/12/2009 - 07h59):
http://www1.folha.uol.com.br/folha/bbc/ult272u659943.shtml

[9] Uma Tragédia Grega (30/12/2009):
http://rodrigoconstantino.blogspot.com/2009/12/uma-tragedia-grega.html

[10] Serra ou Dilma? A Escolha de Sofia (18/12/2009):
http://rodrigoconstantino.blogspot.com/2009/12/serra-ou-dilma-escolha-de-sofia.html

[11] O Câncer da Corrupção (28/01/2010):
http://rodrigoconstantino.blogspot.com/2010/01/o-cancer-da-corrupcao.html

[12] http://mises.org/liberal/ch1sec10.asp
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