segunda-feira, 30 de junho de 2014

A CoPA qUe o MUNdo perDeu em PortO ALegRe

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Documentário sobre as remoções de famílias nas periferias de Porto Alegre um dos legados mais dramáticos da Copa do Mundo, ocultado pela grande mídia e desprezado pelo governismo que prefere celebrar os lucros dos grandes grupos econômicos e apresentá-los como ganhos universais de todos os brasileiros.



https://www.youtube.com/watch?v=Z39sWy5M-TA


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quarta-feira, 25 de junho de 2014

O escravo da Casa Grande e o desprezo pela esquerda


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Publicado em 16/06/2014


Por Mauro Iasi


Malcom X comparou, certa vez, os negros que defendiam a integração na sociedade norte americana com escravos da casa. Para defender suas pequenas posições de acomodação na ordem escravista, buscavam imitar seus senhores, copiar seus maneirismos, usar suas roupas, sua linguagem, adotando o nome da família de seus senhores. Daí o “X” no lugar do sobrenome do revolucionário norte americano.

Não é de se estranhar que os escravos da Casa Grande se incomodassem com as revoltas vindas da Senzala, pois poderiam atrapalhar sua instável acomodação, sua sobrevivência subserviente.

Dois textos recentes me chamam a atenção, não sei se produzidos pela mesma pena, mas certamente movidos pelo mesmo ódio e desprezo contra a esquerda em nosso país. Um deles é de autoria do sociólogo Emir Sader neste blog (“Não é a Copa, imbecil, são as eleições”), que recentemente comparou os manifestantes a cachorros vira-lata, outro é o editorial do Brasil de Fato de 03/06/2014 (“Eleições presidenciais e o papel do esquerdismo“) que, não contente em se aliar ao campo de apoio a Dilma, abriu as baterias contra a esquerda – aquela mesma que em muitas situações apoiou esse jornal, não apenas nas campanhas para sua sustentação, mas participando de seu conselho editorial e apoiando nos momentos mais difíceis.

Tanto o sociólogo como o jornal têm o direito de apoiar quem quiserem, de emitirem suas opiniões, mas o que nos chama a atenção é a necessidade de atacar a esquerda e a forma deste ataque. Como em todo o debate que busca fugir do mérito da questão (talvez pela dificuldade em realizar o debate neste campo) lança-se mão de estigmas. É preciso caracterizar os oponentes como “esquerdistas”, “minorias”, “intelectuais vacilantes da academia”, ou mais diretamente de “imbecis”.

Por vezes devemos aceitar o debate não pela qualidade dos argumentos ou a seriedade dos adversários, mas em respeito àqueles que poderiam se beneficiar do bom debate. Para isso temos que supor que o debate é sério e que há uma questão de fundo, ainda que para isso tenhamos que separar uma grossa camada de retórica que visa desqualificar o debate para não enfrentá-lo.

O argumento central da posição expressa nos textos citados, mas explícita e de forma mais clara no editorial do Brasil de Fato, poderia ser assim resumida: os governistas teriam uma “visão ampla da luta de classes”, que articularia três dimensões – a luta social, a ideológica e a institucional – atuando com “firmeza ideológica e flexibilidade tática”; enquanto os supostos esquerdistas “ignoram a correlação de forças” no Brasil e na America Latina e concentram muito mais nas criticas do que nas realizações dos governos “populares”. Isso porque subordinam suas posições, como “vacilantes intelectuais da academia” ou partidos “sem o mínimo peso eleitoral”, não a uma análise concreta de uma situação concreta, mas a uma “fidelidade” ao marxismo ortodoxo.

O resultado desta premissa, segundo a posição expressa, é o seguinte:

“Por isso, para serem condizentes com uma análise concreta de uma situação concreta, os partidos de esquerda sem o mínimo de peso eleitoral, que não conseguem enraizar sua mensagem programática e nem contribuir para o avanço da consciência de classe das massas populares durante as eleições deveriam estar fortalecendo a candidatura de Dilma, mesmo sabendo que o neodesenvolvimentismo em curso não é uma alternativa popular.

Mesmo na posição de um “vacilante intelectual do mundo acadêmico, fiel ao marxismo e de um partido sem peso eleitoral”, gostaria de iniciar o debate afirmando que nossos colegas deveriam seguir, antes de mais nada seus conselhos. Se não vejamos. O erro do “esquerdismo”, que o impediria de realizar uma análise concreta de uma situação concreta, é que “não conseguem identificar frações de classes e seus diversos interesses em torno do governo Dilma”.

Então vamos lá. Quais são as classes e frações de classe que se somam aos governos do PT? O PT produziu-se como experiência histórica da classe trabalhadora que acabou por projetar-se numa organização política que, sem perder a referencia passiva desta classe, assumiu posturas políticas que se distanciam dos objetivos históricos dos trabalhadores. Não se trata de uma questão de origem de classe, mas do caráter de classe da proposta política apresentada em nome dos trabalhadores.

É preciso explicar aos leitores que nós (intelectuais vacilantes fieis ao marxismo) não concebemos a classe social como mera posição nas relações sociais de produção e formas de propriedade, mas como uma síntese de determinações que partindo da posição econômica, devem se somar a ação política, a consciência de classe e outros aspectos. Dessa forma, um setor da classe trabalhadora, ainda que partindo originalmente deste pertencimento, pode em sua ação política e na sua intencionalidade, afirmar outro projeto societário que não aquele que nossa experiência histórica constitui como meta – o socialismo –, sendo capturado pela hegemonia burguesa, naquilo que Gramsci chamou de “transformismo”.

No caso do PT acaba por se consolidar um projeto que tem por principal característica quebrar as reivindicações sociais do proletariado e dar a elas uma feição democrática; despir as formas puramente políticas das reivindicações da pequena burguesia e apresentá-las como socialistas, e tudo isso para exigir instituições democráticas republicanas “não como meio de suprimir dois extremos, o capital e o trabalho assalariado, mas como meio de atenuar a sua contradição e transformá-la em harmonia.” (Karl Marx, O 18 de brumário de Luís Bonaparte, p. 63).

Assim o PT em seu projeto (e prática) de governo apresenta em nome da classe trabalhadora um projeto pequeno-burguês. Mas o PT não governa sozinho, têm razão nossos colegas. É necessário seguir nossa análise para responder quais classes e setores de classe compõem o governo Dilma. Como o centro do projeto político foi deslocado para chegar ao governo federal e lá se manter, são necessárias alianças e até mesmo o programa de reformas democrático-populares é por demais amplo (seria o que André Singer chama de “reformismo forte”), então, rebaixa-se o programa (um “reformismo fraco”) e amplia-se as alianças. Para qual direção?

Não podemos confundir a sopa de letrinhas do leque de alternativas partidárias com segmentos de classe, mas eles são um indicador das personificações desses interesses. As alianças inicialmente pensadas como um leque entorno da classe trabalhadora, setores médios e pequenos empresários, se amplia bastante agora no quadro de um Pacto Social. Vejamos:

“Um novo contrato social, em defesa das mudanças estruturais para o país, exige o apoio de amplas forças sociais que dêem suporte ao Estado-nação. As mudanças estruturais estão todas dirigidas a promover uma ampla inclusão social – portanto distribuir renda, riqueza, poder e cultura. Os grandes rentistas e especuladores serão atingidos diretamente pelas políticas distributivistas e, nestas condições, não se beneficiarão do novo contrato social. Já os empresários produtivos de qualquer porte estarão contemplados com a ampliação do mercado de consumo de massas e com a desarticulação da lógica financeira e especulativa que caracteriza o atual modelo econômico. Crescer a partir do mercado interno significa dar previsibilidade para o capital produtivo.”

Resoluções do 12.º Encontro Nacional (2001). Diretório Nacional do PT (São Paulo, 2001, p. 38).

Este pacto social com “empresários produtivos de qualquer porte” não deixaria de fora nem mesmo os “rentistas”, como se comprovou. A chamada governabilidade exigiria que as personificações partidárias destes interesses estivessem na sustentação do governo, de forma que o governo de “centro” (pequeno-burguês) buscou e conseguiu se aliar com siglas da direita (PMDB, PTB, PP, PSC e outras). Na composição física do governo vemos setores de classes diretamente representados, como o caso dos interesses dos grandes monopólios no Ministérios da Indústria, dos bancos no Banco Central, do agronegógio no Ministério da Agricultura, assim como o controle das agências reguladores e outros espaços formais e informais de definição da política governamental.

Evidente que haverá participação dos “trabalhadores”, mas há aqui uma diferença essencial. Enquanto os setores do grande capital monopolista levam suas demandas à política de governo e as efetivam, as demandas dos trabalhadores são, por assim dizer, filtradas. Enquanto a CUT defendia suas resoluções em defesa da previdência pública, um ex-presidente da entidade assume o ministério para implementar a reforma da previdência, assim como a luta pela reforma agrária é tolerada, mas filtrada e peneirada em espaços intermediários para que os militantes comprometidos não cheguem aos espaços de decisão sobre a questão fundiária e agrária, estes reservados aos representantes do agronegócio.

Podemos ver militantes e personificações de segmentos importantes da classe trabalhadora em áreas como a saúde, a assistência social e outras, no entanto, o espaço efetivo de implementação de políticas ficaria constrangida pelas áreas de planejamento e a lógica da reforma do Estado para produzir a subserviência à lei de responsabilidade fiscal e a política de superávits primárias que tanto agrada aos banqueiros.

Recentemente a presidente Dilma, através da deputada Kátia Abreu (aquela mesmo!!!) da bancada ruralista, garimpava apoio entre os diferentes setores do agronegócio (gado, soja, milho, etc.), enquanto Paulo Maluf posava sorridente ao lado do candidato do PT ao governo de São Paulo em troca de alguns minutos no tempo de TV.

O governo de pacto social com os setores da grande burguesia monopolista e a pequena burguesia que sequestrou a representação da classe trabalhadora, implica nos limites da ação de governo, isto é, impedem o “reformismo forte” e impõe um “reformismo fraco”. Para atender as exigências da acumulação de capital dos diversos segmentos da burguesia monopolista, as demandas dos trabalhadores têm que ser contingenciadas, focalizadas, gotejadas, compensatórias.

Queria-se acabar com a fome e a miséria, mas devemos nos contentar em combater as manifestações mais agudas da miséria absoluta. Queríamos uma reforma agrária (e mais que isso, não é, uma nova política agrícola e de abastecimento, etc.), mas devemos nos contentar com crédito para assentamentos competirem com o agronegócio e assistência para os que não conseguem. Não se revertem as privatizações realizadas e cresce a lógica privatista com as fundações público privadas, as OSs e outras formas diretas ou indiretas de privatização.

O problema é que, mesmo assim, dando tanto à burguesia monopolista e tão pouco aos trabalhadores, a burguesia sempre vai jogar com várias alternativas, e, na época das eleições, vai ameaçar, chantagear e negociar melhores condições para dar sua sustentação. O leque de alianças da governabilidade petista não implica fidelidade dos setores do capital monopolista, adeptos do amor livre, entendem o apoio ao governo do PT como uma relação aberta. Por isso aparecem na época das eleições na forma de suas personificações como partidos de “oposição”.

Tal dinâmica produz um movimento interessante. Amor e união com a burguesia monopolista durante o governo e pau na classe trabalhadora (combinada com apassivamento via políticas focalizadas e inserção como consumidores); e briga com a burguesia e promessas de amor com os trabalhadores na época de eleição!

A abertura da Copa e a hostilização vinda da área VIP contra a presidente funciona aqui como uma metáfora perfeita: eles fazem a festa para os ricos, enchem o estádio com a elite branca e rica, esperando gratidão, mas a elite xinga a presidente.

A artimanha governista é circunscrever a propalada análise concreta de uma situação concreta à conjuntura da eleição e não do período histórico em que esta conjuntura se insere. Graças a esta mágica, desaparece o governo real entre no lugar um mito que resiste ao neoliberalismo contra as forças do mal igualmente mitificadas e descarnadas de sua corporalidade real. É o odioso “neoliberalismo”, que vai retroceder nos incríveis ganhos sociais alcançados e desestabilizar os governos progressistas na America Latina. Vejam, nos dizem, como são piores que nosso governo, precisamos derrotá-los para evitar o retrocesso e as privatizações. Mas uma vez derrotados eleitoralmente os adversários de direita… quem privatizou o Campo de Libra? Colocando exército para bater em manifestantes? Quem aprovou a lei das fundações público-privadas que abriu caminho para a privatização da saúde e outras? Quem aprovou a lei dos transgênicos, o código florestal e de mineração?

Não são iguais, é verdade. São duas versões distintas disputando a direção do projeto burguês no Brasil. Um o capitalismo com mais mercado e menos Estado, outro o capitalismo com mais Estado para garantir a economia de mercado.

Precisamos circunscrever a análise da correlação de forças ao momento eleitoral para evitar a derrota do governo Dilma, vejam, “mesmo sabendo que o neodesenvolvimentismo em curso não é uma alternativa popular”!

Então, comecemos por aí: o atual governo NÃO É UM ALTERNATIVA POPULAR! Já é um bom começo. Mas tenho uma péssima notícia… também não é neodesenvolvimentista, seja lá o que isso queira dizer. É um governo de pacto social que, partindo de um programa e uma concepção pequeno-burguesa, crê ser possível manter as condições para a acumulação de capitais o que leva a uma brutal concentração de renda e riqueza nas mãos de um pequeno grupo, ao mesmo tempo em que, pouco a pouco e muito lentamente, apresenta a limitada intenção de diminuir a pobreza absoluta e incluir os trabalhadores na sociedade via capacidade de consumo (bolsas, salários e crédito, etc.).

Ora, o que deve fazer a esquerda “sem o mínimo de peso eleitoral, que não consegue enraizar sua mensagem programática e nem contribuir para o avanço da consciência de classe das massas populares”? Dizem os governistas: votar na Dilma. No entanto, desculpe a insistência de quem faz análise concreta de situação concreta não só quando chegam as eleições e água bate na bunda; mas, e se for exatamente este processo de pacto social e de implementação de um social-liberalismo que está impedindo o “avanço da consciência de classe”? Depois de 12 anos de governos desta natureza a consciência de classe está mais avançada que estava nos anos 80 e 90? Nos parece que não.

Se somos tão insignificantes, irrelevantes e idiotas… por que é necessário bater desta forma na esquerda? Pelo simples fato que nossa existência, a existência de uma ESQUERDA (não a pecha de esquerdismo que tenta se impor contra nós como estigma), é a denuncia explícita dos limites e contradições que o governismo e seus lacaios querem jogar para debaixo do tapete.

Para manter a “imagem” do governo petista (Sader está preocupado com a imagem) é preciso uma operação perversa: atacar quem denuncia os limites desta experiência, não importando o quanto desqualificado e hipócrita seja o ataque, estigmatizando, despolitizando o debate. Primeiro foi necessário destruir a esquerda dentro do PT e sabemos os métodos que foram usados nesta guerra suja. Na verdade o que vemos agora contra a esquerda fora do PT é uma projeção do ataque vil e brutal que companheiros da esquerda petista sofreram e (aqueles que ainda resistem lá no PT) ainda sofrem (esquerdistas, isolados das massas, sem expressão eleitoral, irresponsáveis, etc.). E depois que conseguirem isolar, estigmatizar e satanizar a crítica de esquerda a essa experiência centrista e rebaixada de governo? Quando forem atacados pela direita que não guarda nada a não ser desprezo para com os escravos da casa grande?

As manifestações seriam, segundo os governistas, uma ofensiva da direita para sujar a imagem bela e idealizada do governo e o esquerdismo joga água neste moinho. Interessante que a necessidade de uma análise concreta de uma situação concreta, da correlação de forças e das classes não é necessária quando se trata das manifestações. MTST, garis, metroviários, professores, são todos imbecis marionetes da direita, manipulados por ela e quando pensam lutar por seus direitos e demandas estão fazendo o jogo da direita. Somos nós que fazemos o jogo da direita… tem certeza?

De nossa parte, não nos incomodamos, porque não esperamos nada mais que isso como consequência do progressivo, e triste, processo de descaracterização e rebaixamento político. Não será a primeira vez que a política pequeno-burguesa, que se diz representante de todo o povo, se alia ao trabalho sujo da direita para combater a esquerda.

Respondemos àqueles que acreditam que estamos isolados com as palavras de Lenin, com quem aprendemos a fazer análise concreta de uma situação concreta:

Pequeno grupo compacto, seguimos por uma estrada escarpada e difícil, segurando-nos fortemente pela mão. De todos os lados, estamos cercados de inimigos, e é preciso marchar quase constantemente debaixo de fogo. Estamos unidos por uma decisão livremente tomada, precisamente a fim de combater o inimigo e não cair no pântano ao lado, cujos habitantes desde o início nos culpam de termos formado um grupo à parte, e preferido o caminho da luta ao caminho da conciliação. Alguns dos nossos gritam: Vamos para o pântano! E quando lhes mostramos a vergonha de tal ato, replicam: Como vocês são atrasados! Não se envergonham de nos negar a liberdade de convidá-los a seguir um caminho melhor? Sim, senhores, são livres não somente para convidar, mas de ir para onde bem lhes aprouver, até para o pântano; achamos, inclusive, que seu lugar verdadeiro é precisamente no pântano, e, na medida de nossas forças, estamos prontos a ajudá-los a transportar para lá os seus lares. Porém, nesse caso, larguem-nos a mão, não nos agarrem e não manchem a grande palavra liberdade, porque também nós somos “livres” para ir aonde nos aprouver, livres para combater não só o pântano, como também aqueles que para lá se dirigem!
(Lenin, Que fazer?, São Paulo: Expressão Popular, 62).


Extraído de:


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O texto do professor Mauro Iasi tem o mérito de tentar responder aos ataques desferidos por setores governistas contra a esquerda. Mas, no meu ponto de vista, alguns elementos deveriam ter sido incluídos na análise e outros possuem interpretação equivocada o que acabou facilitando tergiversações por parte de petistas como Valter Pomar.


1) Na análise das classes que compõem o Governo Dilma não foi levado em conta um elemento que é fundamental e que muito diz sobre o caráter das gestões petistas e sobre o porquê de não haver a mínima possibilidade de resgate desse partido e desse governo: a mudança social de muitos quadros do próprio partido.

Convertidos em empresários, consultores dos grandes grupos econômicos, gestores dos fundos de pensões, etc esses setores ascenderam socialmente a uma posição que não só não querem abandonar como farão de tudo para mantê-la. Se tornaram sócios dos negócios da grande burguesia nacional e estrangeira. Ganham com a especulação, com as privatizações e com os cortes de direitos dos trabalhadores. O próprio Guilherme Boulos, do MTST, tem denunciado que alguns ex-dirigentes sociais estão ganhando com a gestão da especulação imobiliária.

Esse elemento mostra que os governos do PT vão além de simples conciliação de classes mas que pactuam também por seus novos interesses de novo setor social alcançado por esses dirigentes. As alianças amplas são, portanto, mais do que simples tática eleitoral pela governabilidade como dizem alguns governistas arautos da compreensão da “situação concreta”.

2) Discordo completamente da caracterização utilizada por Iasi, emprestada de André Singer, de que os governos Lula e Dilma tenham qualquer tom reformista, seja este forte ou fraco, pois não implementaram nenhuma reforma social por mais tímida que fosse.

Os programas que o governo chama de social são ou programas compensatórios indicados pelos próprios ideólogos do capital e suas instituições econômicas - como o Bolsa Família - ou preparados para atender as necessidades do próprio capital como Prouni (caixa das faculdades privadas e já reivindicado pelas escolas particulares de ensino básico), Pronatec (transfere milhões para o Sistema S), Fies (endivida os estudantes para manter e ampliar a mercantilização do ensino superior) e Minha Casa Minha Vida (parte das medidas “anticrise” é controlada pelos bancos e imobiliárias, infla uma bolha imobiliária no país e exclui a maioria dos que realmente precisam de moradia).

O fato de o governo tingir de “popular” esses programas não os tornam reformas, nem fortes, nem fracas, pois as reformas se caracterizam por modificar setores econômicos ou sociais e tais programas reforçam o existente. Prouni, Fies e Pronatec, por exemplo, reforçam o ensino privado no país.

Saber caracterizar os programas de um governo, desnudando o real caráter dos mesmos não é bom apenas para um método científico mas para a prática e o debate político. Pomar agradece aos que consideram os governos petistas reformadores fracos, pois antes uma reforma anêmica do que nenhuma reforma. Fica até mais fácil para ele justificar o seu petismo e pedir a colaboração da esquerda.

3) Iasi acaba jogando água no moinho do exagerado vitimismo governista quando diz que “os ricos” e a “elite branca e rica” foi quem hostilizou Dilma na abertura da Copa. Como bem diagnosticou Alvaro Bianchi no seu artigo “A burguesia de mentira e as vaias para Dilma”:

“Quem xingou Dilma foram os estratos inferiores das upper classes, os quais tem sido empurrados para baixo pelos processos de concentração e centralização do capital estimulados pelo governo federal. Trata-se de uma classe em transição, vitimada pela “distribuição de renda” no interior da própria burguesia. São os empresários de pequeno ou médio porte, sempre às voltas com as dívidas bancárias. Os aventureiros cujas pequenas fortunas dependem da capacidade de chegar primeiro ou de um lance de sorte. São os que abrem e fecham negócios como quem troca um terno Armani. São os que vão fazer compras em Miami para economizar trocados nas roupas de grife. São os que preferem ter seus filhos na FGV e no Ibmec a vê-los se misturar com os subalternos nas universidades públicas.

(…)

Tudo o que esta low upper class gostaria de ter é a segurança de um empreiteiro com contratos com o governo federal ou de um banqueiro protegido pelo Banco Central. Mas isso Dilma não deixa. Ela gosta de empreiteiros e banqueiros de verdade. Os de mentirinha vão ficar confinados no camarote, onde qualquer empresariozinho pode ser rei. Vão vaiá-la e xingá-la. Os de verdade vão continuar frequentando o Palácio do Planalto.”

4) “Não são iguais, é verdade. São duas versões distintas disputando a direção do projeto burguês no Brasil. Um o capitalismo com mais mercado e menos Estado, outro o capitalismo com mais Estado para garantir a economia de mercado.

Tentando diferenciar as gestões do PT e do PSDB Iasi acaba por criar uma falsa diferenciação que novamente joga água no moinho governista.

Os dirigentes petistas têm repetido ad nauseam que seus governos recuperaram o papel do Estado. O atual governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, vive a repetir o chavão do “Estado indutor” do desenvolvimento.

Ora, esse “Estado indutor” nada mais faz do que financiar a fundo perdido os lucros do grande capital, inclusive nos processos de privatizações. Isso não difere em nada ao que fez FHC e fazem outros governos demotucanos em Estados e Municípios.

A diferença nesse aspecto é meramente quantitativa e o PT tem sido mais eficiente na transferência de recursos do Estado para a iniciativa privada. O Governo Tarso Genro, por exemplo, se gaba de ter dado mais benesses ao capital do que a tucana Yeda Crusius.


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segunda-feira, 23 de junho de 2014

Disputa por legado da copa vai além das eleições

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Escrito por Hamilton Octavio de Souza
Qui, 05 de Junho de 2014


Os efeitos do campeonato de futebol independem da polarização retórica, afetam concretamente o povo e deixam marcas profundas nos conflitos políticos dos próximos anos.

Independentemente do resultado do futebol e da seleção campeã da Copa do Mundo, o Brasil vive acirrada disputa em torno do legado do torneio organizado pela FIFA, uma entidade privada que convenceu o governo brasileiro a investir a bagatela de 30 bilhões de reais em ações e obras questionáveis, como a remoção de comunidades pobres, ocupação militar de bairros populares, construção de aeroportos e estádios de futebol e forte aparato de segurança para proteger os segmentos mais privilegiados da sociedade.

O legado, pelo lado do governo, que assumiu papel preponderante no megaevento das grandes corporações internacionais, é um amontoado de coisas positivas, a começar dos próprios aeroportos e estádios, as obras da chamada mobilidade urbana (novas avenidas, asfaltamento de vias antigas, corredores expressos, veículos sobre trilhos), os gastos de milhares de turistas, a divulgação do país nas redes mundiais de comunicação, até a ação articulada das Forças Armadas –treinadas no Haiti – com as polícias federais, estaduais e municipais.

Na defesa do evento, a presidente da República enfatizou que o legado está no fato de que a FIFA e os turistas não poderão levar na bagagem as obras dos estádios, aeroportos e da mobilidade urbana. Elas ficarão no país para os brasileiros. O ministro da Justiça também se adiantou ao considerar que o maior legado de sua área é a integração policial – um aparato sem precedente exclusivamente montado para assegurar a realização do evento e anular o incômodo provocado pelos protestos sociais, políticos e populares.

É evidente que a FIFA e seus patrocinadores não colocaram na bagagem as mazelas do caos social, político e jurídico que causaram ao país, como, por exemplo, corromper os poderes da República para a aprovação de leis e normas que contrariam o regime jurídico existente, entre as quais a que permite vender bebidas alcoólicas nos estádios, utilizar o trabalho infantil e de adolescentes durante o evento, criar zonas de segurança em áreas densamente habitadas e inúmeras isenções fiscais especiais – que criam iniquidades entre os impostos pagos pelas empresas patrocinadoras do evento e o que deve ser pago pelas demais empresas.

É claro que as forças da situação, em especial de sustentação do governo federal, querem tirar o máximo proveito político do futebol para fins eleitorais, como já aconteceu inúmeras vezes no Brasil e em muitos outros países. É impossível esquecer a Copa de 1970, quando o governo Médici explorou a paixão da torcida pela seleção para mostrar um país que dava certo, que vivia um milagre econômico, e para esconder a mais feroz ditadura e a mais brutal violação dos direitos humanos. Na época, as esquerdas criticaram o ufanismo da publicidade oficial como forma de entorpecer as consciências e desmobilizar a oposição ao regime militar.

Nesse aspecto, o legado revela também a fragilidade intelectual de importantes setores da esquerda, em especial de pesquisadores universitários, acadêmicos e de jornalistas que acompanharam o desenrolar do circo da FIFA sem se posicionar de forma clara e sem fazer críticas, apenas para manter o alinhamento automático com um governo de composição com o que há de mais atrasado no país. Ao contrário, muitos intelectuais que outrora criticavam o futebol como sendo o ópio do povo, agora silenciam na covardia ou passam a justificar a forte repressão contra os críticos do megaevento. Nunca antes neste país se reprimiu manifestações populares com tamanha violência, e nunca as polícias militares ganharam tamanha dimensão de impunidade.

As oposições neoliberal e de centro-direita têm grande interesse em desgastar o atual governo (uma composição de PT, PMDB, PTB, PP e mais uma dezena de siglas) com vistas às eleições gerais de 5 de outubro, mas atuam basicamente no campo institucional, no Congresso Nacional, nas redes sociais e na grande mídia empresarial – que nutre simpatias pelas candidaturas lançadas pelo PSDB e pelo PSB, na expectativa de uma decisão no segundo turno.

Para essas oposições, o maior legado da Copa do Mundo está na incapacidade gerencial do governo federal, na incompetência de planejar e executar um projeto de tamanha grandiosidade dentro dos orçamentos e prazos estabelecidos. Os neoliberais centram a crítica nos aspectos relativos ao desvio de recursos públicos, superfaturamento das obras e na denúncia da corrupção – ou pelo menos na suspeita de financiamento das campanhas eleitorais com propinas das empreiteiras que fizeram obras e das empresas que gozaram de isenções de impostos e outros benefícios previstos nas leis especiais para o campeonato de futebol.

Legado social

As oposições no campo da esquerda e os movimentos sociais populares criticam principalmente os danos sociais e políticos da Copa para o país, o legado de inúmeras ações privadas e públicas que produzem efeitos contrários ao que se esperava de um processo democrático e da construção de uma sociedade mais justa e igualitária, com respeito aos direitos sociais e às liberdades civis. Ao contrário de um processo civilizatório, o legado da Copa, já computado e materializado, é um grande retrocesso político na direção da barbárie, da exclusão, do preconceito e do desrespeito aos direitos dos que mais precisam do apoio do Estado.

Desde os primeiros momentos de preparação das obras para a realização do torneio, em 12 capitais estaduais, os primeiros atingidos foram as populações de baixa renda despejadas de suas casas para obras de estádios e de vias públicas nos acessos. Calcula-se que mais de 250 mil famílias foram desalojadas a manu militari por todo o país. Está aí um legado de difícil reparação, num país em que o déficit por moradia aumenta mais rápido do que os programas habitacionais. Os movimentos dos sem teto pipocam pelo país afora enquanto os patrocinadores da Copa curtem a especulação imobiliária.

Depois aconteceram as ocupações militares e policiais de morros, favelas e comunidades pobres do Rio de Janeiro e de outras cidades, sempre com o pretexto de se combater o tráfico de drogas, mas sempre também com abusos de toda ordem e violações de direitos constitucionais. Essas ocupações cinicamente denominadas de “pacificadoras” continuam a produzir um rastro de sangue que coloca o Brasil no ranking dos países mais violentos do mundo. Se a ideia era silenciar o descontentamento das populações excluídas, o legado de assassinatos tem sido um grito que ecoa por todas as partes – em especial nas várias cortes internacionais de defesa dos direitos humanos.

Nunca antes neste país se ocupou bairros inteiros com tropas militares e policiais como aconteceu no complexo da Maré, no Rio de Janeiro, com autorização genérica do Poder Judiciário para a realização de operações de busca e apreensão em 40 mil residências, sem justificativa determinada, uma violência sem precedentes e em flagrante violação dos direitos democráticos e humanos previstos na Constituição Federal. Essa ação, evidentemente, demonstra que o legado da Copa inclui a discriminação praticada pelo Estado com o apoio dos setores mais reacionários da sociedade – aqueles que pedem sempre mais “porrada” e mais “cacete” nos mais pobres. Como sempre, a direita e o governo, com todo o aparato midiático, tentam o tempo todo criminalizar os movimentos sociais e os que se manifestaram contra a Copa.

Ainda precisam ser computados no legado social os incentivos ao turismo sexual, a exploração da prostituição infantil e o aumento da segregação dos que podem frequentar os novos estádios do futebol no padrão FIFA e os que ficarão de fora do espetáculo depois da Copa. Tudo indica que o maior legado esportivo e cultural é mesmo a expulsão dos pobres e negros da geral, no processo de seleção pelo poder aquisitivo, na busca de um novo público eleito – notadamente branco – pelo padrão de consumo. Para os anunciantes e patrocinadores já estava na hora de os estádios serem ocupados pelas classes médias, limpas e educadas, sem a ameaça das torcidas integradas pelas “classes perigosas”.

Legado econômico

Comemorada pelo governo como um evento que veio para injetar enorme quantidade de dinheiro na economia, em especial nas sedes dos jogos, pela presença de turistas e pelo gasto em hotéis, restaurantes e todo tipo de comércio, com ganhos generosos para todos, na verdade a maior parte da grana fica mesmo com a FIFA e seus associados, que recolhem o caixa dos estádios e dos pacotes internacionais (passagens aéreas, hotéis e translados). No bojo desse legado estão também as empreiteiras, que cobraram absurdos por todas as obras (estádios, aeroportos, vias públicas etc.), os patrocinadores e, muito provavelmente, alguns espertinhos que descobriram brechas para tirar algum trocado da FIFA.

Nunca antes neste país se inauguraram tantas obras inacabadas. Na véspera da abertura do mundial pelo menos 50% das obras previstas não tinham sido concluídas. O problema desse legado não é apenas o custo financeiro futuro para que tais obras sejam devidamente entregues. O legado está no reforço de uma prática política que já deveria ter sido superada, pois remete aos tempos de mando absolutista do coronelismo e das oligarquias. Imaginar que isso tudo está sendo comandado pelo PT e pelo PCdoB, outrora partidos comprometidos com a transformação cultural e política, é mesmo um grande retrocesso, que, mais uma vez, só favorece o conservadorismo e a direita, e mais uma vez a farra das empreiteiras.

Como legado para o povo brasileiro vai ficar a conta de tudo aquilo que a administração direta gastou com o evento, e aquilo que foi financiado de forma subsidiada, e aquilo que teve isenção tributária e aumentou a evasão dos cofres públicos, sem contar o risco de picos de inflação em função de um brutal aumento nos preços em aluguéis e na alimentação.

Evidentemente, se a inflação der sinais que vai estourar o limite máximo da meta de 6,5% ao ano, corremos o risco de ter novas medidas de austeridade com mais arrocho salarial e maior controle do crédito. Uma coisa é certa: o trabalhador brasileiro vai sentir na própria carne o legado da Copa ainda por vários anos.

Para citar um exemplo bastante singelo de como o legado vai ser mesmo pesado para o povo, basta comparar o custo do estádio do Real Club Deportivo Espanyol, em Barcelona – inaugurado recentemente, no valor total de 100 milhões de euros (aproximadamente 300 milhões de reais), um estádio moderno, confortável, para 60 mil lugares, com sistemas de energia solar e captação e reaproveitamento de água da chuva –, com o custo do Itaquerão, um estádio bem acanhado e inacabado, que já custou mais de 1,1 bilhão de reais, quase quatro vezes mais do que o estádio espanhol. Isso significa que a nação corintiana – da qual faço parte – terá que saldar a dívida do estádio nos próximos anos não apenas com o repasse integral da renda dos ingressos, mas vai pagar também com efeitos no próprio elenco e desempenho do time – para o desespero da fiel torcida.

Legado político

Sem maiores chances nas eleições de outubro e com espaços reduzidos no jogo institucional, as oposições de esquerda apostam que o maior legado da Copa será, em primeiro lugar, tirar mais algumas máscaras do governo federal, que, de um lado, exerce forte influência nas classes trabalhadoras e nas camadas de menor renda (devido a programas sociais e alianças com diferentes setores políticos) e, de outro lado, continua favorecendo o grande capital, nacional e internacional, com políticas neoliberais, com pagamento de juros altos e a total liberdade dos mercados e do fluxo dos capitais.

Além disso, as oposições de esquerda e os movimentos populares apostam também no ascenso das lutas sociais, com um número crescente de mobilizações, manifestações, greves e protestos – dados pelas condições objetivas de vida precária da maioria da população e da escassez de políticas públicas de saúde e saneamento, educação, moradia, transportes e proteção social. A Copa instigou a visão popular sobre a desigualdade, o descaso das autoridades e ampliou o descontentamento com as condições de vida nos grandes centros urbanos. O legado da Copa, para as oposições de esquerda, é a possibilidade de um salto quantitativo e qualitativo de conscientização e organização das lutas populares, com cobranças cada vez mais firmes junto aos governos e poderes públicos.

Essa disputa extrapola o discurso e a perspectiva puramente eleitoral. Independente de quem ganhar o pleito de 5 de outubro (presidente da República, governadores estaduais, senadores, deputados federais e deputados estaduais), o que importa para os setores mais combativos da esquerda (excluindo-se as forças que passaram a colaborar com o neoliberalismo, com o empresariado e com as oligarquias conservadoras) é manter e ampliar os caminhos alternativos para a construção de uma outra sociedade – mais democrática, mais justa e mais igualitária.

Esse legado não se confunde com a retórica ufanista e enganadora da crônica oficial e nem com a crítica superficial e oportunista das oposições neoliberais e de direita. As verdadeiras batalhas políticas vão muito além do jogo eleitoral.

Hamilton Octavio de Souza é jornalista e professor.


Extraído de:


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Sócrates e o Militante Governista

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ESCRITO POR MOYSES PINTO NETO

QUARTA, 18 DE JUNHO DE 2014





Sócrates vinha passeando e de repente foi abordado pelo Militante Governista.


MG: Sócrates, não vai me dizer que também concordas com as manifestações contra a Copa?


S: Mas por que me perguntas isso?


MG: Porque, afinal de contas, são manifestações de coxinhas.


S: E por que os manifestantes são coxinhas?


MG: Ora, basicamente porque se opõem ao governo e ao PT e, portanto, ao progresso do país.


S: Então os manifestantes contra a Copa são todos coxinhas porque se opõem ao governo?


MG: Sim.


S: Mas não foi dentro do estádio que nossa presidenta foi vaiada?


MG: Sim.


S: E se os manifestantes são coxinhas, estando fora dos estádios porque protestando contra a Copa, os que estavam dentro não eram coxinhas?


MG: Também eram coxinhas, Sócrates.


S: Por quê?


MG: Porque xingaram a Dilma.


S: Deixe-me entender: dizes que apoias a Copa porque quem está contra é contra o governo e por isso é coxinha. E ao mesmo tempo afirmas que quem está dentro do estádio também é coxinha, porque xinga o governo.


MG: Sim.


S: Consequentemente, estás me dizendo que, apoiando ou não apoiando a Copa, o sujeito é coxinha.


MG: Não, Sócrates. Uma coisa é apoiar a Copa enquanto celebração do futebol, do Brasil e dos feitos do governo; outra coisa é ir ao estádio e participar da Copa.


S: Então há quem apoie a Copa, mas ao mesmo tempo seja contra quem está usufruindo a Copa e contra aqueles que criticam a Copa?


MG: Sócrates, deixa eu explicar melhor. O que estou dizendo é que, como nosso apoio ao governo é incondicional, mesmo sendo contra a forma como a Copa foi feita, nós apoiamos a Copa porque apoiamos tudo que o governo faz. Ao contrário dos coxinhas da oposição.


S: Então existe a Copa como uma “ideia” que vocês apoiam e a Copa real dos coxinhas que vocês não apoiam?


MG: Mais ou menos, Sócrates.


S: O que estás me dizendo então é que, como há coxinhas fora e coxinhas dentro, vocês ficam na posição de apoiar a Copa, por apoiar o governo, e não apoiar o público (e consequentemente a organização que direcionou para esse público) da Copa, porque vaiam o governo.


MG: É.


S: Mas ao mesmo tempo vocês não podem aderir às manifestações contra a FIFA, uma vez que, se o fizessem, estariam enfraquecendo o governo e fortalecendo os coxinhas das ruas?


MG: Sim, mas há uma diferença. Os coxinhas das ruas são menos coxinhas que os dos estádios. Na verdade, devido à história do nosso partido e nosso governo, temos até uma pequena simpatia pelos movimentos, já que eles defendem coisas que defendíamos antigamente. Mas hoje o mais importante é manter o governo forte, e isso significa recusar tanto os menos quanto os mais coxinhas.


S: Então vocês são contra a forma como a Copa foi feita, não contra a Copa enquanto ideia, mas não podem aceitar que as manifestações contestem o governo, já que a prioridade é fortalecer o governo.


MG: Sim, Sócrates.


S: Isso significa que o interesse em defender a Copa é puramente estratégico, ou seja, tem relação apenas com a defesa do governo em geral, sem especificidades?


MG: É, mais ou menos isso. O importante é que o PT siga no governo; por isso, apesar da FIFA, das desocupações, da violência policial e tudo mais, apoiamos o governo, mesmo que isso signifique contradições específicas, já que a contradição seria ainda maior se fizéssemos oposição à Copa (e por isso ao governo).


S: Deixa ver se eu entendi: vocês apoiam a Copa porque apoiam o governo e, portanto, rejeitam os protestos como coisa de coxinhas. Mas quem é que vai usufruir a Copa mesmo?


MG: Os coxinhas master, os que vaiaram em Itaquera.


S: Então, segundo vocês, a melhor estratégia para lidar com os coxinhas das ruas (que são coxinhas porque se opõem ao governo) é apoiar o evento em que quem está são os coxinhas master?


MG: Não entendi.


S: Considerando que o interesse é puramente estratégico, pergunto: é uma boa estratégia apoiar um evento – mesmo não concordando com a forma que foi feito – apenas “por apoiar” se justamente quem vai ao evento é o público dos coxinhas master? Vocês não estão apoiando para fortalecer exatamente aquilo que os enfraquece?


MG: Ah, Sócrates. Deixa pra lá. Agora só falta me dizeres que não foi pênalti no Fred, porque isso é coisa de coxinha!


S: Críton, devemos um galo a Asclépio. Não te esqueças de pagar essa dívida!


Extraído de:


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domingo, 15 de junho de 2014

A burguesia de mentira e as vaias para Dilma

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junho 13th, 2014
Alvaro Bianchi
Quem xingou Dilma? Certamente não foram os manifestantes de junho, os metroviários demitidos por Alckmin, os docentes e técnicos administrativos em greve nas universidades estaduais paulistas, os trabalhadores da justiça federal em greve, as comunidades expulsas de suas terras pelas megaconstruções do governo federal. Estes teriam bons motivos para tal, mas não estavam na Arena São Paulo. E se estivessem, provavelmente, não teriam escolhido as mesmas palavras lá usadas.
Foi a “direita”? A “elite”? A “burguesia” ? Certamente as vaias não vieram de Paulo Maluf e Kátia Abreu. Estes estão abraçando Padilha e defendendo a copa contra os manifestantes. A direita partidária ama Dilma porque esta lhes deu o que não tinham com FHC: tranquilidade.
Também não foram os empreiteiros que inundaram os cofres da campanha eleitoral de Dilma. Nem os banqueiros que continuam faturando como nunca graças aos juros astronômicos. Nem os latifundiários agradecidos com o novo Código Florestal Nem louco queima dinheiro. Muito menos banqueiros, empreiteiros e latifundiários.
É constrangedora a pobreza sociológica e mesmo antropológica de quem recorre a essas marcações conceituais jogando tudo no mesmo saco e depois enfiando a mão para ver o que sai. Conhecem tanto da burguesia brasileira quanto de estádios. Não sabem que esta raríssimas vezes discorda em público do governo (o que o estudo de Rodolfo Palazzo Dias mostrou é que os banqueiros nunca discordam em público). E desconhecem que ela não senta a bunda em arquibancada, abomina camarote vip e acha berrar em público obsceno.
Quem xingou Dilma foram os estratos inferiores das upper classes, os quais tem sido empurrados para baixo pelos processos de concentração e centralização do capital estimulados pelo governo federal. Trata-se de uma classe em transição, vitimada pela “distribuição de renda” no interior da própria burguesia. São os empresários de pequeno ou médio porte, sempre às voltas com as dívidas bancárias. Os aventureiros cujas pequenas fortunas dependem da capacidade de chegar primeiro ou de um lance de sorte. São os que abrem e fecham negócios como quem troca um terno Armani. São os que vão fazer compras em Miami para economizar trocados nas roupas de grife. São os que preferem ter seus filhos na FGV e no Ibmec a vê-los se misturar com os subalternos nas universidades públicas.
Bourdieu teria dificuldade para entender essa low upper class. Os marcadores de distinção aos quais recorre não são os diplomas nas melhores universidades, uma assinatura da ópera ou da sinfônica, ou a visita frequente aos museus. Ela não se distingue por meio do consumo dos produtos da alta cultura européia. Com frequência toma emprestados os gostos, os modos e a própria cultura das classes subalternas que tanto odeia, não sem antes esteriliza-los e retirar deles todo traço de originalidade.
A low upper class Gosta de forró universitário, rodeios, comédias stand up, Romero Brito e teatro besteirol. Distingue-se dos demais pelas marcas que consome e pelos gastos astronômicos em bobagens. A única coisa que esses marcadores permitem distinguir é sua monumental estupidez. Por isso não tem pudor em encher a boca com um palavrão.
Tudo o que esta low upper class gostaria de ter é a segurança de um empreiteiro com contratos com o governo federal ou de um banqueiro protegido pelo Banco Central. Mas isso Dilma não deixa. Ela gosta de empreiteiros e banqueiros de verdade. Os de mentirinha vão ficar confinados no camarote, onde qualquer empresariozinho pode ser rei. Vão vaiá-la e xingá-la. Os de verdade vão continuar frequentando o Palácio do Planalto.

Extraído de:


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