terça-feira, 24 de março de 2020

É o fim do neoliberalismo?

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A crise econômica mundial, que estava estimada para ocorrer entre o segundo semestre de 2019 até o ano de 2021 [1], foi acelerada pelo coronavírus. Porém, a burguesia e alguns ideólogos do capitalismo estão se fingindo de desentendidos e culpando um vírus por uma crise esperada por todas as correntes econômicas e cujos sintomas já vinham se manifestando. [2]

Por outro lado, uma parcela da esquerda está anunciando o “fim do neoliberalismo” baseando-se nas intervenções estatais dos governos que buscam evitar o colapso do sistema. Um equívoco tremendo que tem muito de desejo e nada de análise séria da realidade. E o momento exige a mais profunda seriedade.

Não é a primeira vez que esse veredito foi sentenciado. Durante o estouro da crise de 2008 foi alardeado o “fim do neoliberalismo” também devido às intervenções estatais na economia. Mas logo vieram os planos de austeridade como uma balde de água fria. [3]

A burguesia não se acanha de contrariar o próprio discurso e utilizar mecanismos que até ontem criticava para manter seus lucros e seguir como classe dominante. As medidas estatais em momentos de crises são mais comuns do se imagina. Na crise de 1857, por exemplo, Marx enviou uma carta ao seu amigo Engels ironizando que os capitalistas estavam exigindo “subvenções públicas do Governo, por todos os lados” para fazer valer “o “droit au profit (direito ao lucro)”, à custa de todos” [4]. No século XX, o Estado de Bem-Estar Social keynesiano foi incorporado após a Segunda Guerra para combater a expansão das ideias socialistas.

A crise de 1857 não fez a burguesia abandonar os cânticos ao livre mercado e o keynesianismo serviu para propaganda positiva do capitalismo até que o desenvolvimento das forças produtivas aguçou as contradições levando a proposta de Keynes ao esgotamento e a própria burguesia mudou rapidamente o discurso passando a defender os pressupostos neoliberais.

O neoliberalismo não é uma maldade fabricada em um caldeirão por algum bruxo burguês. Ela é a economia política do capitalismo globalizado e financeirizado. Sua derrocada final só se dará ou se o capitalismo encontrar outra forma de acumulação, o que se daria pelo seu próprio desenvolvimento, ou com a superação do próprio capitalismo como modo de produção, o que só seria possível com atuação política.

A crise vigente deve aprofundar a rejeição popular ao ajuste fiscal neoliberal e deverá abrir uma avenida enorme para os seus críticos. Isso não significa que a burguesia vai abandoná-lo. Pelo contrário, a manobra de culpar um vírus pela crise é uma tentativa de manter a economia política neoliberal como alternativa.

Mas a avenida aberta só será ocupada eficazmente se a crítica ao neoliberalismo adquirir um caráter de combate anticapitalista. Até porque a crise vivida pelo capitalismo não é apenas cíclica mas estrutural, sistêmica, fruto do seu próprio desenvolvimento, o que reduz o espaço para reformas, remendos e mediações.


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[1] Especialistas preveem apocalipse econômico no final de 2019 que pode atingir qualquer país. Sputnik News, 25/07/2019.

Roubini prevê próxima crise financeira e recessão global em 2020. Jornal de Negócios, 11/09/2018.

Mais de 30% dos economistas nos EUA temem recessão até 2021. UOL, 19/08/2019.

[2] Não, o coronavírus não é responsável pela queda nos preços das ações. Eric Toussaint, CADTM, 06/03/2020.

[3] A expansão do neoliberalismo em meio a sua crise. Jorge Nogueira, MonBlog, 20/12/2010.

[4] Carta de Marx à Engels sobre a crise de 1857.




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domingo, 8 de março de 2020

Ajuste acima de tudo, lucro acima de todos

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Imagem relacionada a matéria - Id: 1583707257


A Fiesp, que já vinha apoiando Bolsonaro publicamente [1], resolveu tomar a frente e chamou uma reunião para a criação de um Conselhão só de empresários, especuladores e banqueiros com o governo [2]. Tal movimentação da classe dominante merece uma atenção muito séria por parte da oposição política e da população em geral.

Trata-se de um apoio de peso em um momento de aprofundamento da crise institucional, de dificuldade de articulação governamental e que os números da economia apontam para um cenário desfavorável ao plano econômico do governo.

O objetivo declarado de tal empreitada é garantir a aplicação do ajuste neoliberal. A entrevista do presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, que participou do encontro, deveria ser lida por todos pois é uma verdadeira aula do que pensa a burguesia brasileira, de como ela se situa no atual capitalismo globalizado e sua tranquilidade com a condição colonial. [3]

Mas se a incapacidade da burguesia brasileira construir um projeto de país está cada vez mais visível outra faceta foi revelada: a incapacidade de defender a democracia burguesa formal.

Este assunto não foi discutido”, disse Trabuco ao ser questionado sobre o ato do dia 15 de março, movimento com fortes traços autoritários que foi incentivado pelo próprio Bolsonaro. [4]

Assim, se um grupo de empresários assumidamente bolsonaristas não se acanha de declarar que financia uma intentona antidemocrática [5] o restante se finge de morto para ver no que vai dar, afinal, o que realmente interessa é a aplicação do ajuste neoliberal que vai lhes garantir os bolsos cheios e para isso o que menos importa é se o sistema político é uma democracia ou uma ditadura - o que não constitui nenhuma novidade já que ao longo da história a burguesia apoiou regimes horrendos (apartheid, nazifascismo, ditaduras militares, etc) e no próprio Brasil foi base e fez parte da ditadura civil-militar oriunda do golpe de 1964.

O fato é que fortalecido pelo aval da Fiesp Bolsonaro “voltou atrás” de ter “voltado atrás” [6] e assumiu a convocação do ato do dia 15, ainda que com discurso dissimulado. [7]

Os setores da oposição que negligenciarem as ruas e priorizarem os acordos de gabinetes institucionais poderão ficar com as mãos vazias no quesito democrático tal qual têm ficado na questão nacional. No Brasil não há uma burguesia nacional e tampouco democrática.

O próprio ajuste neoliberal demanda ainda mais restrições na democracia restritiva que vivemos. O PL de autonomia do Banco Central entrega a gestão econômica do país aos banqueiros [8] e a PEC do Pacto Federativo cria um Conselho Fiscal para monitorar se governadores e prefeitos estão aplicando ajuste fiscal [9]. Aprovadas estas duas medidas as eleições, que já não trazem grandes mudanças positivas às classes populares, vão se transformar em simples “mudar as moscas” do “esterco neoliberal” - que se transformará em política de Estado, e não mais de governo.

Como assinalamos em outro artigo, nos escombros da Nova República a burguesia brasileira busca erigir uma ordem social na qual ela seria uma espécie de nobreza que “pode tudo” ao passo que ao povo restaria obedecer (pelo medo da repressão ou pelo desespero da sobrevivência) e pagar a conta como uma espécie de terceiro estado que sustenta o primeiro (burguesia) e o segundo estado (políticos e chegados). [10]

Na crise do capital no Brasil o ajuste fiscal segue sendo o centro da conjuntura com impacto nos direitos sociais e na própria democracia formal burguesa. Por isso, o combate aos arroubos autoritários do bolsonarismo não pode se transformar em defesa acrítica das instituições apodrecidas do regime que são odiadas, com toda a razão, pela população.

As consequências poderão ser trágicas se a oposição deixar a crítica institucional para a extrema direita. Tendo como palanque preferencial as ruas para derrotar o neoliberalismo, precisamos agitar um programa econômico alternativo radical e anticapitalista combinado com medidas democráticas que ampliem a participação dos de baixo.

Não basta resistir é preciso atacar!


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[1] Muito prazer, somos a Fiesp: conheça o artigo do presidente Paulo Skaf publicado hoje na Folha de SP. Fiesp, 27/01/2020.

[2] Otimismo foi a tônica da reunião de grandes empresários com o presidente Jair Bolsonaro na Fiesp. Fiesp, 05/03/2020.

[3] Brasil pode ser um porto seguro para o capital, diz presidente do Bradesco. Exame, 06/03/2020.

[4] Bolsonaro é fortemente criticado após divulgar vídeo com chamado para manifestação. Globo, 26/02/2020.

[5] Boicote a empresas ligadas a Bolsonaro ganha as redes. Congresso em Foco, 08/03/2020.

[6] Bolsonaro nega envio de vídeo sobre ato no próximo dia 15; jornalista diz que ele mente. Correio Braziliense, 27/02/2020.

[7] Em discurso, Bolsonaro convoca atos do dia 15: “não é contra o Congresso”. Congresso em Foco, 07/03/2020.

[8] PL 19/2019.

[9] PEC 188/2019.

[10] A nobreza do século XXI. Jorge Nogueira, 26/01/2020.






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