domingo, 29 de janeiro de 2017

Marx e a revolução na Inglaterra do século XIX

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É comum ouvir em meios acadêmicos e militantes que Marx se equivocou com relação ao acontecimento de revoluções em países capitalistas avançados, como se tal afirmação não tivesse passado de simples desejo do pai do socialismo científico desprovido de qualquer fundamento na realidade concreta.

Se até o presente momento de fato nenhuma revolução social ocorreu em país desenvolvido é fato que os conflitos sociais no século XIX eram mais intensos em países de capitalismo adiantado. E essa era a base material na qual Marx se inspirava.

Na presente carta que segue abaixo fica evidente, nas palavras de Marx, que além dos progressos materiais das forças de produção a Inglaterra do século XIX também fazia avançar as contradições sociais em seu interior.



Carta ao Parlamento do Trabalho(1)
Karl Marx
9 de Março de 1854

Escrito: 9 de Março, 1854.
Primeira Edição: no People's Paper em 18 de Março, 1854.
Fonte: www.marxists.org/archive/marx/works/1854/03/09.htm (Marx Engels on Britain, Progress Publishers 1953).
Tradução para o português: Eduardo de Andrade Machado.
HTML de  Fernando Araújo para o Marxist Internet Archive.


Londres, 9 de Março de 1854

Lamento profundamente estar incapacitado, neste momento, ao menos, de deixar Londres, e assim de estar impedido de expressar verbalmente meus sentimentos de orgulho e gratidão em receber o convite para tomar um lugar como Delegado Honorário no Parlamento do Trabalho. A mera constituição de tal Parlamento, marca uma nova época na história do mundo. As notícias de tal gracioso fato erguerão as esperanças das classes trabalhadoras por toda Europa e América.

A Grã-Bretanha, de todos os outros países, têm desenvolvido numa escala gigantesca, o despotismo do Capital e a escravidão do Trabalho. Em nenhum outro país as estações intermediárias entre milionários comandando exércitos inteiros da indútria e os escravos assalariados vivendo somente de sua mão para a boca estiveram sendo tão gradualmente varridas do solo. Não existe mais aqui, como em países continentais, grandes classes de camponeses e artesãos, quase igualmente dependentes de sua propriedade e seu próprio trabalho. Um divórcio completo da propriedade perante o trabalho se efetivou na Grã-Bretanha. Em nenhum outro país, aliás, a guerra entre as duas classes que constituem a sociedade moderna assumiu dimensões colossais e características tão distintas e palpáveis.

Mas é precisamente partindo destes fatos que as classes trabalhadoras da Grã-Bretanha, antes de todas outras, vem a ser competentes e clamadas a atuarem como líderes no grandioso movimentos que deve finalmente resultar na absoluta emancipação do Trabalho. De tal forma, estão conscientes da clareza de suas posições, da vasta maioria de seus números, das lutas desastrosas de seu passado e da força moral de seu presente.

É o trabalho de milhões da Grã-Bretanha, os quais primeiro conceberam — a base real de uma nova sociedade — a indústria moderna, que transformou agências destrutivas da natureza em poder produtivo, para o homem. As classes trabalhadoras inglesas, com energia invencível, pelo suor de suas frontes e cérebros, chamaram à vida os meios materiais de enobrecimento do trabalho, e da multiplicação de seus frutos a um certo nível que realize a possibilidade da abundância geral.

Pela criação de inesgotável capacidade produtiva da indústria moderna, completaram a primeira condição para a emancipação do Trabalho. Têm agora de perceber sua outra condição. Têm que libertar os poderes da produção de riquezas das amarras infames do monopólio, sujeitando-os ao controle conjunto dos produtores, os quais, até agora, possibilitaram que muitos produtos de suas mãos tornassem contrários a si próprios e se transformassem em muitos instrumentos de sua própria sujeição.

As classes trabalhadoras conquistaram a natureza; elas tem agora de conquistar o homem. Para proceder tal desafio não querem a força, mas a organização de sua força comum, organização das classes trabalhadoras numa escala nacional — que, como suponho, é o fim maior e glorioso desejado pelo Parlamento do Trabalho.

Se o Parlamento do Trabalho provar fidelidade à idéia que lhe concebeu vida, no futuro, alguns historiadores terão de recordar a existência de dois Parlamentos na Inglaterra no ano de 1854, um Parlamento em Londres e um Parlamento em Manchester — um Parlamento dos ricos e um Parlamento dos pobres — mas aqueles homens sentaram-se somente no Parlamento dos homens e não no Parlamento dos mestres.

Atenciosamente,
Karl Marx


Notas:
(1) Esta carta fora endereçada ao Congresso Chartista que ocorrera em Março de 1854 em Manchester.



Extraído de:
https://www.marxists.org/portugues/marx/1854/03/09.htm


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sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

O neonacionalismo de Trump como aparente reação ao fracassado neoliberalismo dos adversários

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segunda-feira, novembro 28, 2016

Rall

A vitória de Trump traz à tona a questão do desemprego e do subemprego nas áreas antes industrializadas dos EUA e de outras partes do mundo. Ao sentir-se cada vez mais supérfluo com automação da produção, os trabalhadores americanos reagiram contribuindo massivamente para eleição de um candidato que soube manipular os sentimentos de medo e de insegurança que dominam as regiões em acelerada desindustrialização e empobrecidas. A responsabilidade pela crise do emprego é atribuída de forma simplista a deslocação da indústria americana para o Sudoeste Asiático, México e, principalmente, para China. Os imigrantes latinos são acusados de competir de forma desigual com os trabalhadores brancos nativos e de disseminarem a violência, sendo os mexicanos o principal alvo.

A aparência manifestada pela crise do capitalismo é tomada como sua essência, inclusive por analistas que se opõem a Trump por outros motivos. Em nenhum momento a questão fundamental da crise da mercadoria, da valorização, da acumulação de “riqueza abstrata” (Marx), do dinheiro é considerada. É preciso entender como o aumento da produtividade pela cientifização e automação da produção, que há décadas vem tornado o trabalho (substância do valor) supérfluo, afetando a formação de “riqueza abstrata”, é determinante para as questões abordadas.

Esse novo momento de desemprego ascendente, o que ainda resta de postos de trabalho são precarizados e os salários rebaixados numa espiral sem fim, para sustentar um anêmico crescimento que se fundamenta na desigualdade e na geração de capital fictício. A abundante oferta de mão de obra no globo tende a segurar a difusão de novas tecnologias nos setores mais atrasados da economia que se beneficiam dos baixos salários. Daí resulta uma grande assimetria no crescimento da produtividade, com setores da produção e países diferenciando-se, enquanto em outras regiões os baixos salários ainda compensam o não investimento na automação ou nem mais interessam ao mercado capitalista. Essa assimetria pode levar, momentaneamente, a uma queda da média da produtividade a nível global, principalmente nos momentos de agudização da crise.

Por isso a grande diferença no aumento da produtividade, quando comparados setores mais dinâmicos com os mais atrasados: “Enquanto a centena de indústrias que se encontram naquilo que a OCDE define como a fronteira global da inovação aumentaram a produtividade do trabalho a um ritmo de 3,5% ao ano, desde o início do milênio, a média do setor não foi além de 1,7% anuais. No setor de serviços a distância é ainda maior: 5% para as companhias mais avançadas e 0,3% para o conjunto” (Ricardo Abramovay – “Desigualdade e produtividade” - Jornal Valor Econômico, 01.09.2016).

No entanto, essa freada na produtividade média em conjuntura de crise, pode ser revertida na medida em que a nível global aumentar a concentração do capital e que continue em queda o preço das máquinas e das tecnologias de automação, compensando a substituição da força de trabalho, e a concorrência forçar os países e setores da economia poucos produtivos que usam mão de obra intensiva, movimentarem-se para não serem expulsos por empresas mais produtivas detentoras de tecnologias avançadas. A avidez de China pela compra de empresas europeias e americanas de tecnologia de ponta é um indicador importante desse movimento.

Por outro lado, com os avanços tecnológicos e automação que possibilita as indústrias com plataformas 4.0 funcionarem 24 horas praticamente sem trabalhadores, empresas americanas e europeias instaladas em outros países, atraídas pela abundância de força de trabalho e baixos salários, e que produzem para exportar para os mercados de origem, já começam a fazer o caminho de volta sem, no entanto, gerar empregos como pretende o Sr. Trump e seus iludidos seguidores.

Nessa conjuntura assimétrica quanto ao uso de tecnologias na produção, os setores mais dinâmicos tendem concentrar mais riqueza abstrata, beneficiando-se inclusive da transferência do que ainda resta de mais-valia produzida nos setores e regiões atrasadas, que aos pouco vão se descolando da produção capitalista, transformando-se em terras arrasadas onde o Estado não mais funciona e o que resta é disputado a tiros por gangues armadas. Situação que atinge países inteiros ou bolsões de miséria, inclusive dos mais ricos. Essa é talvez a principal causa das grandes desigualdades entre países, e nestes entre suas populações, sem solução à vista.

Nos setores mais produtivos, transitam os trabalhadores com salários diferenciados. No entanto, com o avanço das tecnologias da informação, num aparente paradoxo, o tempo de trabalho vem se prolongando, desmentindo as teorias de que com a automação e aumento da produtividade é possível a redução do tempo nas jornadas de trabalho. Ao contrário, é cada vez mais comum os trabalhadores ao deixarem o ambiente empresarial, continuarem com atividades relacionadas ao trabalho em suas residências e ocupando o chamado tempo livre, que já não é tão livre.

A queda observada nos custos de incorporação de novas tecnologias à produção, não significa prescindir do capital financeiro. Os enormes agregados de capitais, há muito deixaram de ser financiáveis apenas com capitais próprios. Duas questões devem ser consideradas: na medida em que o capital na concorrência global é forçado a se concentrar, torna mais caro o financiamento de sua expansão pela dimensão das operações. Segundo, as tecnologias incorporadas nesse processo tendem a impactar negativamente na massa de mais-valia pela redução do consumo de “trabalho abstrato” e, consequentemente, na rentabilidade, levando esses agregados a recorrerem cada vez mais ao capital financeiro especulativo para turbinar seus lucros que perderam o brilho na economia real.

Portanto, o que se costuma chamar de "financeirização da economia", não é um fenômeno que tem origem no capital financeiro e pronto. Fundamenta-se na crise de valorização do capital na economia real, que para aparentar “rentável” necessita operar nos espaços do capital financeiro, gerando capital fictício em aplicações especulativas que retorna as empresas contabilizado como aparente lucro, e na necessidade do financiamento dos investimentos. Com isso o capital financeiro passou a crescer de forma exponencial e ter uma importância grande no funcionamento e manutenção da economia global moribunda.

Quando os mecanismos de gerar capital fictício no mercado para financiar a economia falham, como observado na crise de 2007/ 2008, o Estado assume a função de credor de última instância, através da impressão de dinheiro (sem substância), compra de papéis podre de crédito privado e juros negativos para lubrificar a economia real e fazê-la andar, até que os mecanismos do mercado geradores de capital fictício voltem a funcionar e logo desemboque inevitavelmente em uma nova crise financeira de proporção bem maior que a anterior, como vem acontecendo. Muito mais importante que a inflação e o desemprego, o que o Fed (banco central americano) hoje avalia é se o mercado financeiro consegue se manter sozinho nas alturas com as próprias pernas, gerando capital fictício suficiente para que a economia real não entre de vez em colapso. Esses círculos de crises financeiras cada vez mais curtos é um sintoma do “limite absolutos da valorização do capital” (Kurtz), prenunciado por Marx.

No caminhar da Terceira Revolução Industrial (ou quarta, como passou a ser chamado esse novo momento do capitalismo), depois da automação da indústria e da agricultura ainda em processo, os sinais de um grande salto vêm sendo observado nas inovações tecnológicas que permitem comunicação em tempo real entre objetos domésticos, equipamentos, máquinas e homens. Impactantes também são as tecnologias desenvolvidas para os serviços oferecidos pelo setor terciário, principalmente para os relacionados diretamente à produção de bens tangíveis e intangíveis como logística, contabilidade, vendas, pós-vendas e atenção ao consumidor. Não se tem claro os números de postos de trabalho que serão fechados nos próximos anos com essa nova onda de automação e utilização em larga escala de tecnologia de informação que atingirá a produção e a circulação das mercadorias, mas sabe-se que vai ser bem superior ao até agora assistido.

O contingente de desempregados resultante dessas mudanças, são presas fáceis dos discursos demagógicos que apontam soluções mágicas para um cotidiano devastado e sem perspectiva, mantido sobre lógica da valorização com custos humanos e ambientais terríveis. Novos Trumps e Brexits devem aflorar mundo à fora. Mesmo que se fechem todas as fronteiras e se desfaçam todos os acordos comerciais, não vai mudar a lógica implacável do capital que movido pela concorrência brutal tende se expandir sem reconhecer fronteiras, e cada vez mais busca o aumento da produtividade, como forma de racionalizar custos e se tornar rentável num senário desfavorável, dispensando força de trabalho, mesmo que isso possa leva-lo ao juízo final.

Se o neoliberalismo era uma tentativa de limpar os “entulhos” à valorização, deixando livre o caminho para o movimento sem peias do capital, num esforço para transformar até o ar que respiramos em mercadorias e de empurra para frente os impasses da crise que não consegue solucionar, o seu fracasso pariu um disforme nacionalismo, com um discurso preso ao pior da política da qual diz querer se livrar. Em defesa do mercado interno e da geração de empregos, Trump promete criar empecilhos capazes de dificultar a forma como o capitalismo avança e, ao mesmo tempo, se aproxima de seu ponto de inflexão. Apesar da tarefa não ser fácil, a violência de uma gestão autoritária com arroubos de que tudo é possível, pode descarrilhar de vez o trem sem rumo do capital.

25.11.2016


Extraído do original:


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sábado, 14 de janeiro de 2017

Pirâmide social

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- No topo da pirâmide social aproximadamente 1% concentra o grosso da riqueza e possui privilégios como isenções de impostos.

- Ainda na parte de cima da pirâmide outro setor social tem relações estreitas com o 1%, possui rendas polpudas, vive no luxo e detém altos cargos de prestígio.

- Na base da pirâmide social encontram-se os trabalhadores, os desempregados, os camponeses, os pequenos comerciantes e pequenos burgueses que trabalham, pagam altos impostos e sustentam a parte de cima da pirâmide.

Com a crise que se alastrou foi intensificada a exploração da base da pirâmide para manter os privilégios da parte de cima da pirâmide.


Parece familiar né? Mas trata-se da França do século XVIII na fase de gestação da revolução popular de 1789. A que ponto chegou a burguesia do século XXI!


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Os CCs de Sartori e o ajuste fiscal

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A nomeação de CCs para fundações extintas realizada pelo governador Sartori horrorizou até muitos daqueles que defendem o ajuste fiscal [*]. Isso é porque muitos desses acreditam que tais medidas são para “colocar as contas públicas em ordem”. Nunca foram!

Os ajustes fiscais que têm sido implementados em várias partes do mundo nada mais representam do que medidas para manter o modo de produção capitalista funcionando, o que passa por garantir a manutenção dos privilégios do topo da pirâmide transferindo recursos públicos e do andar de baixo para o andar de cima, em uma espécie de Robin Hood ao contrário.

Não é casual que nenhum ajuste fiscal conteste o maior gasto do Estado moderno que é a dívida pública e até garanta espaço para o seu crescimento, como atesta a PEC 55 do governo Temer. Não é casual que o pacote de Sartori acabava com órgãos públicos que não eram deficitários. Não é casual que, apesar do discurso de crise, as privatizações sejam realizadas com dinheiro público. Não é casual que as isenções ao grande capital não só não sejam revistas como sejam ampliadas enquanto os impostos para o andar de baixo aumentam. Não é casual que se mantenham os subsídios às tarifas públicas para o grande capital enquanto seu preço eleva-se para a maioria da população.

Os ajustes fiscais atuais nada mais são do que tubos de oxigênio do capitalismo em crise. Visam mantê-lo respirando. Não objetivam colocar as “contas públicas em ordem” mas manter em ordem os lucros privados dos grandes bancos, especuladores e empresários. Dessa farra participam os políticos a serviço do grande capital, os quais também tiram vantagem da pilhagem social. É um prêmio que lhes é permitido pelos "bons serviços prestados". Daí nomeia-se apadrinhados políticos para órgãos públicos extintos, aumenta-se o próprio salário, e por aí vai.

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[*] Repercutiu na grande mídia do Rio Grande do Sul a publicação do Diário Oficial do Estado, de 10 de janeiro de 2017, que trazia a nomeação de 6 CCs para a Fundação Zoobotânica (FZB) com salários de R$ R$ 6.765,60 e sem risco de parcelamento no pagamento. O órgão foi extinto pelo pacote do governador Sartori aprovado pela Assembleia Legislativa, em 21/12/2016. O mesmo pacote aprovou ainda a demissão dos servidores de carreira da referida fundação.



Não se trata de nenhuma novidade. Sem qualquer divulgação na grande mídia o governo Sartori já havia nomeado um CC para a Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária (Fepagro), às vésperas da sua extinção.


Um ano antes a Fundação de Esporte e Lazer do Rio Grande do Sul (Fundergs) foi extinta mas 24 CCs foram mantidos na sua folha de pagamento, a um custo mensal de R$ 120 mil. E mais uma vez sob o silêncio da grande mídia local.

Um ano após ter sua extinção aprovada, Fundergs segue existindo, mas apenas com CCs. 19/12/2016.



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