terça-feira, 28 de julho de 2020

Estado enxuto, Estado inchado: propaganda e realidade

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O que é um Estado enxuto? Diz-se que é um Estado pequeno, que gasta pouco. E um Estado inchado? Seria um Estado grande que gasta muito. São definições que ouvimos com frequência no debate político e econômico.

Mas tais definições são vagas. Afinal o que é gastar pouco? E o que é gastar muito? Fora alguns gastos pontuais que por vezes vemos levantamentos que o relacionam com o Produto Interno Bruto (PIB) desconhecemos uma métrica mais geral para responder a essas perguntas. Se alguém que ler esse artigo conhecer, favor nos contate.

Liberais e a grande mídia propagandeiam, por exemplo, que Singapura possui um "Estado enxuto", modelo a ser seguido. Sobre a realidade interna a propaganda é outra. O governador do Rio Grande do Sul, o tucano Eduardo Leite, afirmou, em um congresso do seu partido, que o Estado que governa precisa de uma "cirurgia bariátrica". [1]

Para verificar a veracidade da propaganda realizamos um breve levantamento de dados de Singapura e do Estado do Rio Grande do Sul. Começamos pelas despesas primárias. Para uma melhor visualização clique nas imagens.



Os números acima foram extraídos das propostas orçamentárias de 2020 apresentadas pelos governos de ambos os Estados. Trata-se, portanto, de números estimados. Assim o fizemos porque o governador Eduardo Leite tem gabado-se de ter apresentado um orçamento "realista" [2], embora o seu antecessor, José Ivo Sartori (MDB), tenha alardeado o mesmo feito.

Seja como for, de cara salta aos olhos que o "Estado enxuto" gasta quase o dobro do PIB com despesas primárias do que o "Estado inchado". As despesas primárias excluem o pagamento da dívida pública (logo falaremos dela), porém, mesmo quando tratamos das despesas totais o "Estado inchado" ainda consome menos do PIB do que o "Estado enxuto" somente com despesas primárias.



Impressionante não? Mas a situação fica ainda mais incrível quando olhamos para a série histórica (2014-2020) das despesas primárias de Singapura e constatamos que o ano que menos consumiu do PIB (2014) ainda assim supera as despesas totais do Rio Grande do Sul em 2020.



Bom, mas pelo menos as contas estão equilibradas né? Não se gasta mais do que se arrecada! Déficit primário nos últimos 3 exercícios. Nos últimos 7, foram 5 com déficit.



Além do mais, a dívida pública supera os 100% do PIB:


Para 2020 a estimativa é de que a dívida pública gaúcha chegue a 18% do PIB. É claro que dadas as limitações de financiamento, assim como a subalternidade de um Estado de um país da periferia, como o Rio Grande do Sul, tornam tais pencentuais baixos bastante problemáticos. Esse não é o ponto de análise aqui mas vale a pena fazer esse registro.

Ah, mas pelo menos não tem tanto funcionário público parasita como no Rio Grande do Sul! Será?


A população de Singapura é de 5,7 milhões (Focus Economics) e a do Rio Grande do Sul é de 11,4 milhões (IBGE), aproximadamente. Se o número absoluto de funcionários públicos fosse o mesmo em ambas as localidades aquela com a população menor já teria mais funcionários públicos por habitante. Só que enquanto o número de funcionários aumenta em Singapura no Rio Grande do Sul diminui.

O governador Eduardo Leite, que viajou para Singapura com despesas pagas pela Fundação Lemann (pode isso judiciário brasileiro?) para evento de gestão de pessoal [3], não teve acesso a esses dados? A Fundação Lemann, que ajudou Leite a encher as Coordenadorias Regionais de Educação de privatistas incompetentes e filiados políticos [4], estaria interessada de fato em uma gestão de pessoal eficiente para o serviço público? E como conciliar tal propósito com a prática de um governo que demite professores contratados doentes [5] e busca afastar dos conselhos de representação os profissionais da área [6]?

Mas a pergunta que não quer calar é a seguinte: se, diante de tais dados, o Rio Grande do Sul precisa de uma "cirúrgia bariátrica" o que restaria para Singapura?

Se depender de Eduardo Leite a dieta da cidade-estado vai aumentar abocanhando pratos do cardápio do Estado que governa: "Foi uma ótima oportunidade para apresentar o portfólio de privatizações e de concessões do RS. O fundo já está presente no Brasil e tem muito interesse em promover investimentos. O RS entra no topo como uma possibilidade para esse fundo, o maior do mundo." [7]

O fundo mencionado é o fundo soberano, estatal, de Singapura. Nossos liberais e privatistas são mesmo impressionantes!


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[1] Leite volta a defender pacote do funcionalismo em congresso do PSDB. Correio do Povo, 23/11/2019.

https://www.correiodopovo.com.br/not%C3%ADcias/pol%C3%ADtica/leite-volta-a-defender-pacote-do-funcionalismo-em-congresso-do-psdb-1.382301


[2] “Orçamento realista trará credibilidade ao RS”, diz Leite ao iniciar elaboração de lei com receitas e despesas do Estado. Estado RS, 05/08/2019.

https://www.estado.rs.gov.br/orcamento-realista-trara-credibilidade-ao-rs-diz-leite-ao-dar-inicio-a-elaboracao-da-loa


[3] Modernização do setor público é tema de agendas do governador nos EUA e em Singapura. Estado RS, 04/09/2019.

https://estado.rs.gov.br/modernizacao-do-setor-publico-e-tema-de-agendas-do-governador-nos-eua-e-em-singapura


Leite inicia imersão técnica sobre gestão de pessoas e educação em Singapura. Estado RS, 11/09/2019.

https://estado.rs.gov.br/leite-inicia-imersao-tecnica-sobre-gestao-de-pessoas-e-educacao-em-singapura


[4] Dos 30 novos coordenadores regionais de Educação, 13 são filiados a partidos da base de Leite. ZH, 13/09/2019.

https://gauchazh.clicrbs.com.br/educacao-e-emprego/noticia/2019/09/dos-30-novos-coordenadores-regionais-de-educacao-13-sao-filiados-a-partidos-da-base-de-leite-ck0ickgci03dg01tgzctsilrq.html


[5] Norma que autoriza demissão de professores temporários em atestado médico surpreende docentes no RS. ZH, 04/06/2019.

https://gauchazh.clicrbs.com.br/educacao-e-emprego/noticia/2019/06/norma-que-autoriza-demissao-de-professores-temporarios-em-atestado-medico-surpreende-docentes-no-rs-cjwgzngco02m601qtxft83nki.html


[6] Sem nomeações, governo Leite esvazia Conselho Estadual de Educação em meio à pandemia. CPERS, 29/06/2020.

https://cpers.com.br/sem-nomeacoes-governo-leite-esvazia-conselho-estadual-de-educacao-em-meio-a-pandemia/

NOTA PÚBLICA EM DEFESA DA GESTÃO DEMOCRÁTICA DO IPE SAÚDE. Frente dos Servidores Públicos do Estado do Rio Grande do Sul, 06/07/2020.

http://www.sindjus.com.br/nota-publica-em-defesa-da-gestao-democratica-do-ipe-saude/11584/


[7] "Experiência reforça a necessidade de modernização do Estado”, afirma Leite sobre imersão em Singapura. Estado RS, 13/09/2019.

https://www.estado.rs.gov.br/experiencia-que-reforca-a-necessidade-de-modernizacao-do-estado-afirma-leite-sobre-imersao-de-tres-dias-em-singapura


Fontes dos dados das tabelas:


Analysis Of Revenue And Expenditure. Financial Year 2020.

https://www.singaporebudget.gov.sg/budget_2020/revenue-expenditure


Governo encaminha proposta de Orçamento do Estado para 2020. Estado RS, 11/09/2019.

https://estado.rs.gov.br/governo-encaminha-proposta-de-orcamento-do-estado-para-2020


Orçamento 2020. Resumo. Governo do Estado do Rio Grande do Sul. p.6

https://estado.rs.gov.br/upload/arquivos//loa-2020.pdf


Proposta Orçamentária 2020. Governo do Estado do Rio Grande do Sul. p.19

https://estado.rs.gov.br/upload/arquivos//loa2020-volume-i.pdf


Singapore Economic Outlook. Focus Economics, 21/07/2020

https://www.focus-economics.com/countries/singapore


Governo do RS fechará 2019 com dívida pública de quase R$ 78 bilhões. ZH, 29/12/2019.

https://gauchazh.clicrbs.com.br/politica/noticia/2019/12/governo-do-rs-fechara-2019-com-divida-publica-de-quase-r-78-bilhoes-ck4epex6l03sc01qhj4x9psoc.html


Mapa da Transparência RS.

http://www.mapa.rs.gov.br/


Inativos já são 55,4% da folha de servidores do RS. ZH, 01/07/2018.

https://gauchazh.clicrbs.com.br/politica/noticia/2018/07/inativos-ja-sao-554-da-folha-de-servidores-do-rs-cjj3j1hdk0l7g01qo9tbayvp3.html


IBGE. Panorama: População do Rio Grande do Sul.

https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rs/panorama




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quarta-feira, 15 de julho de 2020

O cafajeste e as interesseiras

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Em 2018, a Casa Grande queria um casamento com Geraldo Alckmin, homem insosso mas cuidadoso com as palavras e os gestos, só que ele não conseguiu o dote necessário. Sobrou um ex-capitão do exército, cafajeste rude.

Apesar de ser "ogro" o ex-capitão tinha um generoso cartão de crédito disponível: um plano de ajustes neoliberais administrado por Paulo Guedes. As interesseiras não resistiram - é "interesseiras" no plural mesmo pois trata-se de um casamento poligâmico já que a burguesia possui várias frações.

Ocorre que desde o início o cafajeste destrata boa parte das interesseiras. As insulta, as agride, as humilha, tudo publicamente. Elas reclamam das agressões mas no final aceitam por causa do cartão de crédito. Foi ele a causa do matrimônio.

O cartão de crédito é tão poderoso que até mesmo as interesseiras que saíram de casa seguem brilhando os olhos diante dele: o cafajeste é mal mas o cartão é legal! Isso explica porque algumas delas entraram com o pedido de divórcio (impeachment) mas não conseguem, e no fundo nem desejam, dar sequência a ele. Ainda mais agora na pandemia que o cartão ficou sem limites.

Mas nem todas as interesseiras são maltratadas. Algumas encontraram no ex-capitão a sua cara-metade. São rudes e com ele sentem-se confortáveis e protegidas para desfilar sua escrotidão. São paparicadas. Estão, sem dúvidas, realizadas.

Há, porém, um grupo de interesseiras que é paparica pois temida. São as mais importantes porque são as que decidem a continuidade, ou não, do matrimônio: as interesseiras da bolsa. Elas que mandam e a única coisa que lhes importa são os seus próprios ganhos mesmo que para isso o mundo tenha que explodir. Não por acaso são as que ganham os maiores mimos do cafajeste.

Nesse casamento de gente escrota quem sofre os abusos é a classe trabalhadora. Nisso o cafajeste e todas as interesseiras se entendem. O velho jardineiro da Casa Grande morreu de covid? Ótimo, menos um para pagar aposentadoria. Chofer com carteira assinada? Flexibiliza todos os direitos ou manda ele para o Uber. A empregada quer descanso para ficar com a família? Folgada! Dá descanso definitivo pra ela e que vá empreender fazendo quentinha em casa com a família que tanto ama.

A classe abusada não tem a quem recorrer na institucionalidade: se disca 190 leva pé no pescoço, cadeia ou tiro; se entra na justiça perde e tem que pagar as custas.

Para sair dessa situação abusiva a classe trabalhadora precisa firmar um matrimônio consigo mesma. Assim será capaz de acabar com o casamento do cafajeste com as interesseiras e principalmente: fazer picadinho do maldito cartão de crédito cuja fatura paga.






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