domingo, 28 de outubro de 2012

Olívio diz que PT está virando um partido como os outros

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Olívio Dutra, atual Presidente de Honra do PT gaúcho, fez declarações incômodas para seus correligionários em entrevista concedida ao portal Sul21. De acordo com um dos quadros mais antigos e respeitados do PT a sua sigla estaria "virando um partido de barganha como todos os outros".

Os fatores materiais, históricos e ideológicos que levaram a esse processo não chegam a ser explorados profundamente por Olívio que, como já abordei em outro artigo, não passou ileso pela transformação do seu partido [*]. E ao não aprofundar a análise desses fatores e por não ser marxista, Olívio acaba agitando a falsa ilusão de que o PT poderia voltar a ser o que era antes.

Limitações e contradições à parte vale a pena conferir as palavras do "bigodudo" na referida entrevista.



Política

26/10/2012 | 11:42


Olívio Dutra: “o PT está virando um partido de barganha como todos os outros”




Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Rachel Duarte
Se a direção nacional e gaúcha do PT tem uma avaliação de que as eleições municipais de 2012 foram apenas positivas pelo aumento do número de prefeituras em relação ao último pleito, um quadro de força política relevante do partido discorda. O ex-governador do Rio Grande do Sul, Olívio Dutra disse em entrevista ao Sul21 que o processo eleitoral deve servir como lição sobre os rumos da identidade do PT.
“O PT tem mais se modificado do que modificado a sociedade. Este é um grande problema nosso. Estamos ficando iguais aos partidos tradicionais. Nós não nascemos para nos confirmarmos na institucionalidade e viver da barganha política”, critica. Para Olívio, a sigla que nasceu da luta dos trabalhadores e acumula tradição em formação política e diálogo com os movimentos sociais está se afastando de sua origem. “Não podemos ser o partido da conciliação de interesses. Temos que ser o partido da transformação social. Evidente que não sozinho, mas com alguns em que possamos apresentar projetos de campos populares democráticos”, diz.
A política de colaboração de classes adotada pela direção do Partido dos Trabalhadores a partir da eleição do Lula, em 2002, conduz o PT, na visão de Olívio Dutra ao distanciamento dos ideias petistas que constituíram o partido. “A esquerda do PT, PSTU e PCO devem ao país. Temos que nos unir e não ficar disputando dentro do próprio PT. As correntes internas que antes discutiam ideias agora discutem como se fortalecer e buscar cargos e eleições de seus quadros. Isso é preocupante”, afirma.
Ainda que as considerações do ex-ministro de Lula apontem para um cenário crítico internamente, ele acredita que o PT ainda tem raízes de sustentação que o permitem fazer uma boa reflexão sobre esta transformação política. “Aprendemos mais com as vitórias do que as derrotas. Representamos uma enorme transformação para o povo brasileiro, mas há que se perguntar se conseguimos mudar substancialmente as estruturas do estado que promovem as desigualdades e injustiças no nosso país. Elas estão intactas, apesar de termos tido a oportunidade de estar no governo. O PT tem que ser parte de uma luta social e cultural agora, e não se dispor a ficar na luta por espaços e no afastamento dos movimentos sociais”, salienta.

Extraído de:
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domingo, 21 de outubro de 2012

Marx e Engels: o programa e as alianças políticas

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Tem sido comum alguns militantes sociais e intelectuais progressistas defender, justificar e praticar alianças com setores das classes dominantes para chegar ao poder. Alguns, cientes de que tais alianças levam ao rebaixamento do programa e ao abandono de demandas populares históricas, argumentam que dessa forma podem fazer "alguma coisa" em favor das classes trabalhadoras.

Esse "alguma coisa" não tem passado de programas assistencialistas indicados pelas próprias classes dominantes. No Brasil, por exemplo, o Bolsa Família é um programa indicado pelo Banco Mundial e no seu caso particular chegou a ser proposto pelo tucano Marconi Perillo, cujos créditos foram reconhecidos pelo próprio Lula no lançamento do programa. O Prouni também sempre foi uma bandeira da direita.

Essas alianças em vez de reformas têm resultado em contra-reformas. O "alguma coisa" dado com a mão esquerda é rapidamente retirado com a direita. Os trabalhadores perdem direitos históricos e são chamados a ter paciência e aceitar os sacrifícios "em benefício de todos". A farsa se revela quando se percebe que na estrutura social enquanto o andar de baixo vê seus direitos evaporarem o andar de cima tem seus privilégios ampliados.

Nada disso é novidade para quem conhece a história da luta da classe trabalhadora e dos partidos com forte inserção em sua base. Marx e Engels já haviam se deparado com essa situação no século XIX e não vacilaram em defender com firmeza a independência política da classe trabalhadora, a essência do seu programa e condenar as alianças de colaboração de classes que levariam ao rebaixamento e ao abandono do programa.

O texto que segue é um dos combates travados pelos pais do socialismo científico contra o revisionismo e a colaboração de classes teorizado e apresentado por seus proponentes como uma tática inovadora e sofisticada. Se dava em um momento de perseguição aberta das classes dominantes às organizações operárias na Alemanha, uma conjuntura, portanto, muito mais dura do que a que os neorevisionistas têm praticado sua nefasta política de conciliação de classes e abandono das demandas populares.



Carta Circular a A. Bebel. W.

Liebknecht, W. Bracke e 

Outros [N69]

Extracto


Karl Marx e Friedrich Engels

17-18 de Setembro de 1879

Link Avante

Primeira Edição: Escrito por Marx e Engels em 17 e 18 de Setembro de 1879. Publicado pela primeira vez na revista Die Kommunistische Internationale, XII Jahrg., Heft 23, 15 de Junho de 1931.Publicado segundo o texto do manuscrito. Traduzido do alemão.
Fonte: Obras Escolhidas em três tomos, Editorial "Avante!" - Edição dirigida por um colectivo composto por: José BARATA-MOURA, Eduardo CHITAS, Francisco MELO e Álvaro PINA, tomo III, pág: 96-103.
Tradução: José BARATA-MOURA.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo.
Direitos de Reprodução: © Direitos de tradução em língua portuguesa reservados por Editorial "Avante!" - Edições Progresso Lisboa - Moscovo, 1982.

III. O Manifesto dos Três de Zurique

Entretanto, chegou-nos o Jahrbuch[N70] de Höchberg, contendo um artigo: «Rückblicke auf die sozialistische Bewegung in Deutschland» [«Retrospectivas do movimento socialista na Alemanha»] que, como o próprioHöchberg me diz, é precisamente da autoria dos três membros da comissão de Zurique(1*). Temos aqui a crítica autêntica deles do movimento até agora e, portanto, o programa autêntico deles para a atitude do novo órgão[N71], na medida em que isso deles dependa.
Logo desde o princípio diz-se:
«O movimento, que Lassalle encarava como um [movimento] eminentemente político, para o qual ele apelava não só aos operários mas a todos os democratas honrados, à cabeça do qual deviam marchar os representantes independentes da ciência e todos os homens imbuídos de verdadeiro amor pelos homens [Menschenliebe], reduziu-se, sob a presidência de J. B. von Schweitzer, a uma unilateral luta de interesses dos operários da indústria.»
Eu não investigarei se e em que medida é que historicamente as coisas assim se passaram. A recriminação especial que aqui é feita a Schweitzer consiste em que Schweitzer reduziu lassallianismo — que é concebido aqui como um movimento burguês democrático-filantrópico — a uma unilateral luta de interesses dos operários da indústria, ao aprofundar o carácter dele como luta de classes dos operários da indústria contra a burguesia(2*). Além disso, é-lhe recriminada a sua «rejeição da democracia burguesa». O que é que a democracia burguesa tem, pois, a fazer no Partido Social-Democrata? Se ele consiste em «homens honrados», ela não pode querer entrar e se, contudo, ela quer entrar, então é só para causar disputa.
O partido de Lassalle «preferiu conduzir-se, da maneira mais unilateral, como partido operário». Os senhores que escrevem isto são eles próprios membros de um Partido que, como Partido operário, se conduz da maneira mais unilateral, estão agora investidos nele em altos cargos. Reside aqui uma incompatibilidade absoluta. Se o que escrevem, é o que querem dizer, têm de sair do Partido, [têm] pelo menos que se demitir dos altos cargos. Se o não fazem, têm de admitir que pretendem utilizar a sua posição em cargos para lutar contra o carácter proletário do Partido. O Partido trai-se, portanto, a si próprio se os deixa nos altos cargos.
O Partido Social-Democrata não deve, portanto, na perspectiva destes senhores, ser nenhum Partido operário unilateral, mas um Partido omnilateral «de todos os homens imbuídos de verdadeiro amor pelos homens». Deve demonstrá-lo, antes de tudo, desembaraçando-se das grosseiras paixões proletárias e dedicando-se ele próprio «ao cultivo [Bildung] de um bom gosto» e «à aprendizagem do bom tom» (p. 85) sob a direcção de burgueses filantrópicos cultos. Então, as «maneiras de maltrapilho» [«verlumpte Auftreten»] de muitos dirigentes cederão [o passo] a «maneiras burguesas» muito honradas. (Como se as maneiras exteriormente de maltrapilho dos aqui aludidos não fossem o mínimo que se lhes pode recriminar!) Então também
«virão numerosos aderentes dos círculos das classes cultas possidentes. Estes, porém, têm, primeiro, que ser ganhos, se [se quiser que] a... agitação conduzida alcance sucessos tangíveis».O socialismo alemão «deu demasiado valor ao ganhar das massas e, por isso, esqueceu-se de fazer propaganda enérgica» (!) «nas chamadas camadas superiores da sociedade». Pois, «o Partido ainda tem falta de homens apropriados para o representar no Reichstag». É, porém, «desejável e necessário confiar os mandatos a homens que tenham tido oportunidade e tempo suficientes para se familiarizarem aprofundadamente com as matérias respectivas. O simples operário e pequeno mestre [artesão]... só em poucos casos excepcionais têm para isso o necessário vagar».
Elejam, portanto, burgueses!
Em suma, a classe operária é incapaz, por si própria, de se libertar. Para isso tem de se pôr sob a direcção de burgueses «cultos e possidentes» que, só eles, têm «oportunidade e tempo» para se familiarizarem com o que aproveita aos operários. E, em segundo lugar, guardemo-nos de combater a burguesia, mas [tratemos] de a ganhar — através de enérgica propaganda.
Se, porém, se quer ganhar as camadas superiores da sociedade ou simplesmente os seus elementos bem intencionados, devemos guardar-nos de os assustar. E, então, os três de Zurique crêem ter feito uma descoberta tranquilizadora:
«Precisamente agora, sob a pressão da lei dos socialistas[N23], o Partido mostra que não está inclinado seguir o caminho da revolução sangrenta, violenta, mas que está decidido... a tomar o caminho da legalidade, isto é, da reforma.»
Portanto, se os 500 000—600 000 eleitores sociais-democratas — 1/10 a 1/8 do eleitorado todo e, além disso, espalhados por todo o país — são suficientemente sensatos para não darem com a cabeça nas paredes e tentarem uma «revolução sangrenta» de um contra dez, isso prova que eles renunciam também para todo o futuro a tirar proveito de um poderoso evento externo, de uma efervescência revolucionária súbita por ele suscitada, mesmo de uma vitória do povo alcançada numa colisão por ele gerada! Se Berlim devesse voltar a ser tão inculta para fazer um 18 de Março[N72], os sociais-democratas, em vez de participarem na luta como «maltrapilhos [Lumpe] sedentos de barricadas» (p. 88), teriam antes de «tomar o caminho da legalidade», contemporizar, retirar as barricadas e, se necessário, marchar com o majestoso exército contra as massas unilaterais, grosseiras, incultas. Ou, se os senhores afirmam que não era isto o que queriam dizer, então o que é que queriam dizer? Ainda há melhor.
«Portanto, quanto mais calmo, objectivo [sachlich], reflectido ele» (o Partido) «for na sua crítica das condições existentes e nas suas propostas para a melhoria [Abänderung], tanto menos poderá ser repetido o actual lance conseguido» (com a introdução da lei dos socialistas) «com o qual a reacção consciente intimidou a burguesia com o temor do espectro vermelho.» (P. 88.)
Para tirar à burguesia o último vestígio de medo, deve ser-lhe provado clara e concludentemente que o espectro vermelho realmente é apenas um espectro, [que] não existe. Qual é, porém, o segredo do espectro vermelho se não o medo da burguesia ante a infalível luta de vida ou de morte entre ela e o proletariado? O medo ante o inevitável desenlace da luta de classes moderna? Abula-se a luta de classes, e a burguesia e «todos os homens independentes» irão «sem temer de braço dado com os proletários»! E, então, quem seria intrujado, seriam precisamente os proletários.
Queira, portanto, o Partido demonstrar, por maneiras humildes e melancólicas, que abandonou de uma vez por todas as «enormidades e excessos» que deram azo à lei dos socialistas. Se ele prometer de livre vontade que se quer mover apenas dentro dos limites da lei dos socialistas, Bismarck e os burgueses certamente terão a bondade de suprimir esta lei, então, supérflua!
«Entenda-se-nos bem», nós não queremos «um abandono do nosso Partido e do nosso programa, queremos, porém, dizer que, durante anos, teremos suficientemente que fazer se dirigirmos toda a nossa força, toda a nossa energia, para alcançar certos objectivos que estão próximos, que, em quaisquer circunstâncias, terão de ser alcançados antes que se possa pensar numa realização das aspirações que vão mais longe.»
Então, os burgueses, pequenos burgueses e operários que «agora estão assustados... pelas aspirações que vão mais longe» juntar-se-nos-ão também em massa.
O programa não deve ser abandonado, mas apenas adiado — por tempo indeterminado. Uma pessoa aceita-o, mas não é propriamente para si próprio e para o tempo da sua vida, é postumamente, como herança para os filhos e os filhos dos filhos. Entretanto, uma pessoa volta «toda» a sua «força e energia» para toda a espécie de pequena tralha e de circunremendagens da ordem capitalista da sociedade, para que pareça que, contudo, acontece alguma coisa e, simultaneamente, a burguesia não fique assustada. Elogio aqui o comunistaMiquel, que prova a sua inabalável convicção do inevitável derrube da sociedade capitalista nalguns centos de anos, vigarizando a torto e a direito, dando o seu contributo para o craque de 1873 e fazendo com istorealmente algo pelo desmoronamento da ordem existente.
Uma outra ofensa contra o bom tom foram também os «ataques exagerados contra os Gründer(3*)», que afinal eram «só filhos do tempo»; «teria, portanto, sido melhor abandonar... as invectivas contra Strousberg e gente semelhante». Infelizmente, são todos homens «apenas filhos do tempo» e se esta é uma razão suficiente de desculpa, não se deve atacar mais ninguém, toda a polémica, toda a luta, da nossa parte, cessa; levamos tranquilamente todos os pontapés dos nossos adversários, porque nós, os sábios, sabemos bem que eles são «apenas filhos do tempo» e não podem agir de maneira diferente daquela que agem. Em vez de lhes retribuir os pontapés com juros, devemos antes lamentar estes pobres.
De igual modo, a tomada de partido sempre a favor da Comuna, teve a desvantagem
«de afastar de nós gente outrora inclinada [para nós] e de engrossar, em geral, o ódio da burguesia contra nós». E, além disso, o Partido «não está totalmente isento de culpa na efectivação da lei de Outubro[N73], pois aumentou o ódio da burguesia de uma maneira desnecessária».
Têm aqui vocês o programa dos três censores de Zurique. Em clareza, nada deixa a desejar. Pelo menos, para nós, que ainda conhecemos bem estas maneiras de falar todas desde 1848 para cá. São os representantes da pequena burguesia [Kleinburgertum] que se anunciam, cheios de medo de que o proletariado, compelido pela sua situação revolucionária, possa «ir demasiado longe». Em vez de oposição política decidida — mediação [Vermittlung] geral; em vez de luta contra o governo e a burguesia — a tentativa de os ganhar e de os persuadir; em vez de resistência obstinada contra os maus tratos de cima — submissão humilde e admissão de que se tinha merecido o castigo. Todos os conflitos historicamente necessários são interpretados deturpadamente como mal-entendidos e toda a discussão termina com o protesto: no principal, estamos afinal todos unidos. As pessoas que em 1848 apareceram como democratas burguesas, podem agora do mesmo modo chamar-se a si próprias sociais-democratas. Tal como, para aquelas, a república democrática, também, para estas, o derrube da ordem capitalista fica na lonjura inalcançável [e] não tem, portanto, absolutamente nenhuma significação para a prática política do presente; pode-se mediar, fazer compromissos, praticar a filantropia, quanto se quiser. É o mesmo para a luta de classes entre proletariado e burguesia. É reconhecida no papel, porque já não se pode negá-la; na prática, porém, é mascarada, apagada, amortecida. O Partido Social-Democrata não deve ser nenhum Partido operário, não deve atrair sobre si o ódio da burguesia ou, em geral, de quem quer que seja; deve, antes de tudo, fazer uma propaganda enérgica entre a burguesia; em vez de dar peso a objectivos [Ziele] que vão longe, que assustam a burguesia e que, contudo, são inalcançáveis na nossa geração, ele deve antes empregar toda a sua força e energia naquelas reformas remendonas pequeno-burguesas que conferem à velha ordem da sociedade novos apoios e que, por esse facto, poderiam talvez transformar a catástrofe final num processo gradual, parcelar e o mais possível pacífico de dissolução. São as mesmas pessoas que, sob a aparência da incansável ocupação, não só não fazem nada elas próprias, como também tentam impedir que, em geral, aconteça algo — a não ser conversa; as mesmas pessoas, cujo medo de qualquer acção, em 1848 e em 1849, entravou o movimento a cada passo e finalmente o levou à derrota; as mesmas pessoas que nunca vêem a reacção e, depois, ficam totalmente admiradas de se encontrarem finalmente num beco sem saída, onde nem resistência nem fuga são possíveis; as mesmas pessoas que querem confinar a história ao seu horizonte pequeno-burguês [Spiessburgerhorizont] e por cima das quais, de cada vez, a história transita para a ordem do dia.
No que se refere ao seu teor socialista, esteja foi suficientemente criticado no Manifestono capítulo: «O socialismo alemão ou "verdadeiro".»(4*) Onde a luta de classes é empurrada para o lado como desagradável fenómeno «grosseiro», não fica para base do socialismo senão o «verdadeiro amor pelos homens» e maneiras de falar vazias acerca da «justiça».
E um fenómeno inevitável, fundado no curso do desenvolvimento, que pessoas das classes até aqui dominantes se juntem ao proletariado que luta e lhe tragam elementos de cultura. Já falámos disso claramente no Manifesto. Aqui há, porém, duas coisas a observar:
Primeiro, essas pessoas, para serem úteis ao movimento proletário, têm de trazer consigo elementos de cultura reais. Isto não é, porém, o caso para a grande maioria dos convertidos burgueses alemães. Nem oZukunft nem a Neue Gesellschaft[N74] trouxeram o que quer que fosse que fizesse o movimento avançar um passo. Há lá uma falta absoluta de material de cultura [Bildungsstoff] real, efectivo ou teórico. Em vez disso, há tentativas para pôr o pensamento socialista superficialmente apropriado em consonância com os pontos de vista teóricos mais diversos que os senhores trouxeram consigo da Universidade ou de qualquer outro sítio e em que um é ainda mais confuso do que o outro, graças ao processo de putrefac-ção em que os restos da filosofia alemã se encontram hoje. Em vez de, para começar, estudarem eles próprios fundamentadamente a nova ciência, cada um prefere afeiçoá-la ao ponto de vista que trouxe consigo, fazer dela sem hesitar uma ciência privada própria e aparece mesmo com a pretensão de a querer ensinar. Por isso, entre estes senhores há aproximadamente tantos pontos de vista quantas as cabeças; em vez de trazer clareza seja ao que for, apenas estabeleceram uma grave confusão — felizmente, quase só entre eles próprios. Semelhantes elementos de cultura, cujo primeiro princípio é ensinar o que ainda não aprenderam, pode o Partido passar bem sem eles.
Em segundo lugar. Se essas pessoas de outras classes se juntam ao movimento proletário, a primeira exigência é a de que elas não tragam consigo nenhuns restos de pré-juízos burgueses, pequeno-burgueses, etc, mas se apropriem com franqueza da maneira de ver [Anschauungsweise] proletária. Aqueles senhores, porém, como ficou provado, estão completamente cheios de representações burguesas e pequeno-burguesas. Num país tão pequeno-burguês como a Alemanha, estas representações têm seguramente a sua justificação. Mas apenas fora do Partido Operário Social-Democrata. Se os senhores se constituírem em Partido pequeno-burguês social-democrata, estão no seu pleno direito; poder-se-á, então, negociar com eles, mesmo, segundo as circunstâncias, formar cartéis, etc. Mas, num Partido operário, eles são elementos adulteradores. Se, de momento, há razões para os tolerar, subsiste a obrigação de apenas os tolerar, de não lhes permitir nenhuma influência sobre a direcção do Partido, de permanecer conscientes de que a rotura com eles é só uma questão de tempo. De resto, esse tempo parece ter chegado. Parece-nos inconcebível como o Partido pode tolerar no seu seio durante mais tempo os autores deste artigo. Se, porém, a direcção do Partido vier mesmo a cair mais ou menos nas mãos de semelhantes pessoas, o Partido fica simplesmente castrado e pôr-se-ia fim ao arrojo proletário.
No que nos diz respeito, com todo o nosso passado, só nos fica um caminho aberto. Desde há quase 40 anos que pusemos em evidência a luta de classes como poder motor próximo da história e, especialmente, a luta de classes entre burguesia e proletariado, como a grande alavanca do revolucionamento social moderno; é impossível, portanto, acompanharmos com pessoas que querem riscar esta luta de classes do movimento. Aquando da fundação da Internacional, formulámos expressamente o grito de guerra: a libertação da classe operária tem de ser obra da própria classe operária(5*). Não podemos, portanto, acompanhar com pessoas que abertamente afirmam que os operários são demasiado incultos para se libertarem a si próprios e que só a partir de cima têm de ser libertados, por grandes e pequenos burgueses filantrópicos. Se o novo órgão do Partido tomar uma atitude que corresponde às opiniões daqueles senhores, for burguês e não proletário, não nos resta senão, por muita pena que isso nos faça, declarar-nos abertamente contra e romper a solidariedade com que, até aqui, face ao estrangeiro, temos representado o Partido alemão. Esperemos, contudo, que não se chegue até ai. [...]

Notas de rodapé:

(2*) No lugar destas duas frases, estava originalmente o seguinte passo, riscado no manuscrito: «Schweitzer era um grande patife [Lump], mas uma cabeça plena de talento. O mérito dele consistiu em que rompeu o lassallianismo estreito originário com a sua limitada panaceia da ajuda do Estado... Apesar daquilo de que ele, por motivos corruptos, também teve culpa e do quanto, para manutenção da sua dominação, também se ateve à panaceia da ajuda do Estado de Lassalle, teve o mérito de ter rompido o lassallianismo estreito originário, de ter alargado o horizonte económico do Partido e de, com isso, ter preparado a sua ulterior absorção no Partido conjunto [Gesammtpartei] alemão. A luta de classes entre proletariado e burguesia, esse eixo [Angelpunkt] de todo o socialismo revolucionário, tinha já sido pregada por Lassalle. Quando Schweitzer acentuou este ponto de um modo ainda mais cortante, isso foi, em todo o caso, um progresso na coisa mesma, por muito que ele também possa ter forjado daí um pretexto para suspeitar de pessoas perigosas para a sua ditadura. É totalmente correcto que ele fez do lassallianismo uma unilateral luta de interesses dos operários da indústria. Mas, unilateral apenas, porque, por razões de corrupção política, ele não queria saber da luta de interesses dos operários do campo contra a grande propriedade fundiária. Não é isso que aqui lhe é recriminado; a «redução» consiste em que ele aprofundou o carácter dela como luta de classes dos operários da indústria contra a burguesia.» (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(3*) A crise de 1873 acabou, na Alemanha, com o período dos chamados Grunderjahre [anos dos Gründer]. Os Gründer — literalmente: fundadores — eram empresários, organizadores ou promotores de companhias e sociedades que, depois da guerra franco-prussiana de 1870-1871, enriqueceram rapidamente, graças às contribuições extorquidas à França e a uma especulação desenfreada. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(4*) Ver a presente edição, t. I, 1982, pp. 115-116. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

(5*) Cf. K. Marx, Provisional Rules of the International Working Mes's Association [Estatutos Provisórios da Associação Internacional dos Trabalhadores]. Cf. MEW, Bd. 16, S. 14. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)

Notas de fim de tomo:

[N23] Trata-se da lei de excepção contra os socialistas promulgada na Alemanha em 21 de Outubro de 1878. Em virtude desta lei foram proibidas todas as organizações do Partido Social-Democrata, as organizações operárias de massas, a imprensa operária, foi confiscada a literatura socialista e perseguidos os sociais-democratas. Por pressão do movimento operário de massas a lei foi abolida a 1 de Outubro de 1890. (retornar ao texto)

[N69] A carta circular de K. Marx e F. Engels de 17-18 de Setembro de 1879, enviada a Bebel mas destinada pelos seus autores a toda a direcção do Partido Social-Democrata alemão, tem o caracter de um documento de partido. No presente tomo publica-se a sua parte III, na qual se põe em relevo o comportamento capitulacionista de HöchbergBernstein e Schramm, que encabeçavam a ala direita do partido e publicaram em 1879 nas páginas do Jahrbuch für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik (Anuário de Ciência Social e Política Social) artigos defendendo um oportunismo descarado. Marx e Engels denunciam na carta as bases políticas de classe e ideológicas do oportunismo manifestado e exprimem o seu protesto contra a transigência para com ele por parte da direcção do partido. Criticam acerbamente as vacilações oportunistas que se manifestaram no partido desde a promulgação da lei de excepção contra os socialistas. Defendendo o caracter conseqüente de classe do partido proletário, Marx e Engels exigem a eliminação de toda a influência dos elementos oportunistas no partido e no órgão do partido. A crítica de Marx e de Engels ajudou os dirigentes do Partido Social-Democrata alemão a melhorar a situação no partido, que soube, no período de vigência da lei de excepção, sob perseguições de todo o gênero, reforçar as suas fileiras, reestruturar a organização e encontrar o justo caminho para as massas, combinando as formas legais e ilegais de trabalho. (retornar ao texto)

[N70] Trata-se do Jahrbuch fur Sozialwissenschaft und Sozialpolitik (Anuário de Ciência Social e Política Social), revista de orientação social-reformista publicada em Zurique de 1879 a 1881 por K. Höchberg, cujo pseudónimo era Ludwig Richter; saíram três números. (retornar ao texto)

[N71] Trata-se do órgão do partido que se tencionava fundar em Zurique. (retornar ao texto)

[N72] Trata-se dos combates de barricadas em Berlim a 18 de Março, que marcaram o início da revolução de 1848-1849 na Alemanha. (retornar ao texto)

[N73] Trata-se da lei de excepção contra os socialistas promulgada na Alemanha em 21 de Outubro de 1878. Em virtude desta lei foram proibidas todas as organizações do Partido Social-Democrata, as organizações operárias de massas, a imprensa operária, foi confiscada a literatura socialista e perseguidos os sociais-democratas. Por pressão do movimento operário de massas a lei foi abolida a 1 de Outubro de 1890.. (retornar ao texto)

[N74] Die Zukunft (O Futuro): revista de orientação social-reformista, publicada de Outubro de 1877 a Novembro de 1878 em Berlim. Era editada por K. Höchberg. Marx e Engels criticavam acerbamente a revista pelas suas tentativas de conduzir o partido para uma via reformista.
Die Neue Gesellschaft (A Nova Sociedade): revista social-reformista, publicada em Zurique em 1877-1880. (retornar ao texto)


Extraído de:
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sábado, 20 de outubro de 2012

A violência policial no Governo Tarso

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O artigo que segue foi escrito pelo jornalista Felipe Prestes um mês antes da truculenta atuação da Brigada Militar à manifestação contra a privatização dos espaços públicos em Porto Alegre.

Prestes mostra que a violência policial tem sido corriqueira e que o governador Tarso Genro tem sido no mínimo negligente e omisso diante das sucessivas arbitrariedades cometidas pelas forças de repressão, o que leva a um quadro de possível cumplicidade e e conivência.


Tarso e a violência policial: quase dois anos de atraso

Foto: Reprodução do Facebook de Daniel Venuto

Na última sexta-feira, um cidadão foi algemado de forma covarde por policiais militares porque estava filmando com um celular uma abordagem que eles faziam a skatistas no Parque Marinha. Os policiais tentaram tomar a câmera dele que, corretamente, resistiu, afinal a Redentora já acabou há quase três décadas. Detalhe: Daniel Venuto estava acompanhado da esposa e da filha de quatro MESES.

Após o fato ser noticiado por Zero Hora, o governador Tarso Genro decidiu cobrar do comandante da Brigada Militar, Coronel Sérgio Abreu, que a corporação utilize “técnicas de abordagem que evitem a geração de conflitos”. A declaração soa como mera bravata, para responder a um fato noticiado no jornal de maior circulação do Estado, se analisarmos o que o Governo Tarso (não) fez até aqui com relação à violência policial.


Em um ano e meio várias denúncias de violência vieram à tona – fora os casos que ocorrem dia sim noutro também na periferia e que não viram notícia – e nem o próprio Tarso nem o secretário de Segurança, Airton Michels, jamais se manifestaram sobre os episódios de maneira clara e contundente. E, ainda mais importante, não houve qualquer mudança estrutural para dirimir o comportamento autoritário das polícias, herança da Ditadura Militar.

O máximo que Tarso Genro fez foi reativar a ouvidoria da Segurança Pública, que Yeda Crusius havia sucateado, como fez com quase toda a estrutura do Estado, deixando o órgão sem ouvidor durante dois anos. Ainda assim, a ouvidoria conta com estrutura precária e não tem atribuições suficientes para resolver o problema. Também criou uma assessoria de direitos humanos na Brigada Militar que ainda não disse a que veio e, para completar, tem entre suas atribuições “criar, manter e atualizar as redes sociais do Comandante-Geral, proporcionando interação com a comunidade interna e externa”. Não há qualquer relação plausível entre direitos humanos e “criar e manter as redes sociais do Comandante-Geral”. Olhando o site da assessoria nota-se também que o órgão é mais focado em projetos educacionais que nada dizem respeito à conduta da polícia.

Enquanto isto, o sistema atual em que os próprios policiais julgam a si mesmos nos inquéritos administrativos permanece. A própria ouvidora nomeada por Tarso, Patrícia Lucy Machado Couto, já afirmou, em uma matéria que fiz para o Sul21, que “não é recomendável” que os brigadianos julguem as condutas dos colegas. Segundo a ouvidora, estes inquéritos resultam quase sempre em uma conclusão já consagrada: “nem crime, nem transgressão militar”.

O especialista em segurança, e ex-deputado pelo PT, Marcos Rolim já levou para Tarso a proposta da criação de uma Inspetoria-Geral da Segurança Pública, com profissionais concursados capacitados para regrar e punir administrativamente as condutas das polícias civil e militar, dos agentes penitenciários e dos funcionários do Instituto Geral de Perícias. Sem mexer na estrutura que perpetua a violência policial, o resultado é o que se vê durante o Governo Tarso: agressões reiteradas e impunidade. Para refrescar a memória vamos relembrar alguns casos.

Um dos mais emblemáticos é o dos estudantes africanos que estavam num ônibus em Porto Alegre quando uma brigadiana suspeitou da conduta deles e acionou uma viatura da BM, que parou o ônibus. Os dois tiveram que descer do coletivo com uma arma apontada para a cabeça. Os PMs ainda levaram os estudantes algemados até o posto da Brigada na Redenção, mesmo que nada tivessem encontrado com os dois. O “Inquérito Policial Militar” constatou que houve “abordagem dentro da técnica”.

Além deste caso, só no Sul21 neste ano foram denunciados vários outros. Recentemente, em uma matéria abordei o vídeo feito por um torcedor na saída de um jogo do Inter que mostra um policial dando uma cassetada nas costas de uma pessoa já rendida e prensando com força sua cabeça contra uma grade. No mesmo dia, o fotógrafo Ramiro Furquim levou dois tapas na nuca de um policial quando cobria a chegada de Forlán no Aeroporto Salgado Filho. (Ambos os casos estão reportados neste link). Nas semanas subsequentes, tentei apurar como estavam os inquéritos da BM sobre os casos e fui solenemente enrolado. Já passam quase dois meses e não houve informação sobre os inquéritos.

Pelas redes sociais é fácil ver que a cultura da violência está arraigada às polícias gaúchas. É delegado que tem como avatar foto sua com arma de grosso calibre na mão, é policial que coloca identidade de menor no Instagram, é comandante da Brigada em seis cidades dizendo barbaridades. Estádio de futebol é pródigo em arbitrariedades. Um jornalista, recentemente, foi constrangido por um policial a apagar um vídeo que fez em seu celular de um tumulto na entrada do Beira-Rio. No ano passado, a Brigada Militar proibiu faixas “Fora Teixeira” nos estádios, numa atitude flagrantemente autoritária. O Governo nada fez, nem quis falar sobre o assunto. Aliás, o mais comum é ouvir da assessoria do governador e do secretário de Segurança que eles não falam sobre a Brigada Militar, alegando que não interferem na instituição, como se ela fosse uma espécie de poder independente. Policial militar pode tudo no Rio Grande do Sul.

Ou quase tudo. Pelo menos um caso de um homem que foi seqüestrado, agredido e humilhado de diversas formas por policiais militares em Caxias do Sul foi alvo de inquérito da Polícia Civil. Mas é a impunidade nos casos de menor gravidade que encoraja os policiais a cometerem arbitrariedades mais bárbaras. Será que o governador finalmente acordou? A seguir tudo na mesma toada, logo logo o Governo Tarso terá alguma morte estúpida cometida por policial, como a do sem-terra Elton Brum, em São Gabriel, ou do sindicalista Jair Antônio da Costa, em Sapiranga.

Por fim, mais um indício de que o caso do Parque Marinha está longe de ser uma atitude isolada. No dia 18 de agosto, foi denunciado no Facebook um abuso muitíssimo semelhante e ocorrido em local muito próximo ao Marinha, na Rua João Alfredo, na Cidade Baixa, além da distância temporal ser de apenas cerca de 15 dias entre ambos os casos. Um casal presenciou uma abordagem violenta da Brigada Militar a outras pessoas e resolveu filmar para tentar proteger os cidadãos que sofriam a abordagem. O desfecho segue abaixo:

Quando saímos ontem de uma festa na João Alfredo, demos de cara com um grupo de policiais, gritando e empurrando dois rapazes com cacetetes, enquanto os rapazes diziam não ter feito nada. Vi a situação ficar cada vez mais violenta, e que aquilo era claramente uma violência gratuita, tratando pessoas inocentes como criminosos. Peguei meu celular para gravar a cena, na esperança de que aquilo inibisse uma violência ainda maior, quando um outro policial veio por trás e arrancou ele da minha mão. Quando saímos atrás dele para pedir o celular de volta, um outro empurrou o Marco. Foi quando o Marco disse que eles estavam fazendo merda, e isso foi motivo para eles imobilizarem e ALGEMAREM o Marco, por “desacato à autoridade”. Devolveram meu celular e deixaram o Marco preso e algemado dentro do camburão por 40 min enquanto faziam uma ocorrência e piadinhas da situação. Do lado de fora, junto com amigos tentavam ajudar, eu novamente tentei registrar aquela cena absurda e um policial pegou meu celular e atirou no chão deixando ele em pedaços. Ao final, liberaram o Marco, nos dando lições de moral. LAMENTÁVEL a atitude e a mentalidade de todos os integrantes da operação. Os pulsos do Marco ainda estão doloridos e inchados”.

Percebam mesma região da cidade, espaço de tempo de apenas cerca de quinze dias, situação muito semelhante, com policiais se achando no direito de tomar celulares de quem os filma no desempenho de uma função pública no meio da rua. O que os comandos andam ensinando ali nos quartéis da Avenida Praia de Belas?


Extraído de:
http://felipeprestes.wordpress.com/2012/09/04/tarso-e-a-violencia-policial-quase-dois-anos-de-atraso/#comments
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sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Fábula das privatizações

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Era uma vez um senhor chamado Governildo. Um belo dia ele chega em casa e avisa a sua mulher, a dona Povilda, que anda sem dinheiro e que vai vender o carro da família para o vizinho, o seu Privaldo, pois não consegue mais sustentar o veículo. Diz que com isso sobrará dinheiro e promete que assim poderá comprar uma máquina de lavar para facilitar a vida da sua senhora, que ainda utiliza tanque.

Porém, antes de realizar o negócio o senhor Governildo, que reclamava falta de dinheiro, troca todo o estafomento velho por um novo, pole e coloca pneus novos no carro. Quando Privaldo chega para comprar o carro o senhor Governildo empresta o seu próprio dinheiro para o vizinho comprar o seu carro. E depois, com o carro já em suas mãos, o vizinho recebe mais dinheiro do senhor Governildo para colocar combustível e rodar à vontade.

Dona Povilda fica impressionada com o estado do veículo nas mãos do senhor Privaldo. Este, por sua vez, gaba-se de ser cuidadoso e eficiente e ainda critica o senhor Governildo por ter sido relapso.

Já a máquina de lavar que viria para facilitar a vida da dona Povilda não veio até hoje!


Obs: qualquer semelhança com acontecimentos da realidade não é mera coincidência.
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terça-feira, 9 de outubro de 2012

O objeto e o ser humano


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"A desvalorização do mundo humano aumenta na razão direta do aumento de valor do mundo dos objetos."
(Karl Marx)





Poucas vezes um fato da realidade concreta tem a capacidade de reunir em si, de forma clara e didática, quase todos os elementos de uma sociedade. Pois o ocorrido na noite de quinta-feira (04/10), na cidade de Porto Alegre, conseguiu. 

A truculenta repressão da Brigada Militar aos jovens que protestavam em frente à Prefeitura contra a privatização dos espaços públicos na capital gaúcha para proteger um boneco inflável de uma multinacional, é um símbolo dos nossos tempos. Tempos onde os objetos são divinizados e protegidos e a dignidade humana negligenciada e violada. 

Marx desvendou como se processa a alienação na sociedade capitalista, fenômeno gerado pela teia de relações que engendram o funcionamento do sistema e que favorecem a coisificação da vida social onde o "mundo dos objetos" vai se valorizando e o "mundo humano" vai se desvalorizando. 

Uns 80 homens e 22 viaturas foram mobilizadas para proteger um objeto de aproximadamente 100 pessoas que protestavam [1]. É um contingente impressionante diante da envergadura do ato, nem parecia que faltava efetivo policial como vive reclamando nossas autoridades. 

A alegada proteção, se é que era essa a intenção, foi um fracasso. Como observou o jornalista Mário Marcos foi "exatamente depois da chegada dos soldados que tudo vira um tumulto." [2]




De fato os vídeos divulgados até o momento não permitem dizer com firmeza que o ataque partiu dos manifestantes. No entanto a Prefeitura, a Brigada Militar [3] e alguns colegas de profissão de Mário Marcos não vacilaram em qualificar os jovens de "vândalos". Mesmo tendo tido um colega de profissão agredido gratuitamente (Bruno Alencastro, repórter fotográfico de ZH [4] ).

Por outro lado as cenas não deixam dúvidas da truculência policial ao espancarem, em grupo, pessoas caídas no chão e até quem se limitava a filmar.

O simbolismo da violação da dignidade humana para a defesa de um simples boneco inflável possui, além de elementos da esfera social (coisificação, alienação, etc) elementos da esfera política. 

As instituições políticas existem para dar amparo e reproduzir a vida social existente. E na sociedade capitalista as forças de repressão do Estado têm como principal finalidade proteger a propriedade privada das classes dominantes.

O boneco inflável era de propriedade da Coca-Cola, assim como parte do Largo Glênio Peres, que foi entregue à multinacional pela gestão do Prefeito José Fortunati em um acordo desconhecido pela maioria da população porto-alegrense. Há, portanto, poderosos interesses em jogo.

É importante salientar que o chefe último da Brigada Militar é o governador do Estado do Rio Grande do Sul, no caso o senhor Tarso Genro. E este cidadão ficou em silêncio por três dias, só emitindo uma nota vergonhosa e tergiversadora quando a votação para às eleições municipais já estavam encerrando. [5] 

O Governo Tarso vem sendo marcado pelo aprofundamento dos privilégios às multinacionais com ampliação da política de isenções fiscais, financiamentos e endividamento do Estado para subsidiá-las. Seria esse episódio uma extensão dessa política? 

O calote no piso do magistério já é um símbolo da incoerência e da trapaça política desse governo. O forte aparato policial truculento mobilizado para defender o "mundo dos objetos" e atacar o "mundo dos homens" pode se transformar no símbolo do servilismo do Governo Tarso às multinacionais. 


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[1] Vídeo na internet mostra momento em que mascote da Copa foi derrubado (05/10/2012):

[2] Brigada x manifestantes: pelas imagens, quem tem razão? (05/10/2012):

[3] Em um primeiro momento a Brigada Militar tentou dar uma cara "técnica" a sua ação repressora contra a "baderna". Segundo o Major André Luiz Córdova: 

"Toda ação gera uma reação. Fizemos uma reação técnica e proporcional à violência que acontecia com os policiais e outras pessoas. Não usamos armas de fogo. Utilizamos instrumentos que impedem riscos de violência contra terceiros e granada de efeito moral para criar condições de coibir a ação baderneira"

Conforme os vídeos iam sendo divulgados e o tecnicismo ia se revelando em uma odiosa truculência, os agentes da Brigada foram sendo obrigados a reconhecer, ainda que com ressalvas e tentativas de justificação, que cometeram excessos: "houve agressões das duas partes", disse o Coronel Alfeu Freitas.

[4] Protesto na Capital termina em confronto com a polícia e ataque a mascote da Copa (04/10/2012):

[5] Nota de esclarecimento (07/10/2012):

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