domingo, 6 de dezembro de 2020

Os neoliberais arrependidos

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André Lara Resende: banqueiro, um dos mentores do Plano Real.

Luiz Carlos Bresser-Pereira: trabalhou nos governos Sarney e FHC, sendo que neste último elaborou uma Reforma do Estado que, dentre outras coisas, criou as privatistas Organizações Sociais que hoje infestam o serviço público de oportunistas e corruptos.

Mônica de Bolle. Entre outros.

Essa turma tem sido vista criticando publicamente aspectos do neoliberalismo, pedindo por investimentos estatais e até confraternizando com parte da esquerda. O que tais posturas indicam?

Em primeiro lugar, é preciso esclarecer que eles não romperam totalmente com o neoliberalismo e seguem defendendo algumas contrarreformas neoliberais e medidas de ajuste.

Em segundo, e mais importante, tal postura deve-se à crise do capital cuja instabilidade social, política e econômica causada leva certos setores da própria burguesia a tentar buscar fórmulas menos traumáticas para manter o processo de acumulação e reprodução do capital. Resende, por exemplo, tem se aproximado da MMT.

No fundo os neoliberais arrependidos não estão arrependidos. Eles estão é assustados. Temem a radicalização social. Eles não são, e nem podem ser, aliados da nossa classe.

 

 

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quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Capital financeiro e transição para outro modo de produção

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Karl Marx


"As empresas capitalistas por ações devem ser consideradas, tanto quanto as fábricas cooperativas, formas de transição entre o modo de produção capitalista e o modo de produção associada, com a única diferença de que, num caso, o antagonismo é abolido negativamente, ao passo que, no outro é abolido em sentido positivo."


As observações gerais que fizemos até agora em relação ao sistema de crédito foram as seguintes:

I. Necessidade do sistema de crédito para efetuar a compensação da taxa de lucro ou o movimento dessa equalização, sobre a qual repousa toda a produção capitalista.

II. Redução dos custos de circulação.

(...)


III. Criação de sociedades por ações. E com isso:

1. Enorme expansão da produção e das empresas, numa escala impossível para capitais isolados. Ao mesmo tempo, transformação dessas empresas, que antes eram governamentais, em empresas sociais.

2. O capital que, como tal, tem como base um modo social de produção e pressupõe uma concentração social de meios de produção e forças de trabalho, adquire, assim, diretamente a forma de capital social (capital de indivíduos diretamente associados) em oposição ao capital privado, e suas empresas se apresentam como empresas sociais em oposição a empresas privadas. É a suprassunção [Aufhebung] do capital como propriedade privada dentro dos limites do próprio modo de produção capitalista.

3. O capitalista realmente ativo se converte em simples gerente, administrador de capital alheio, e os proprietários de capital em meros proprietários, simples capitalistas monetários. Ainda que nos dividendos que recebem estejam incluídos os juros e o ganho empresarial, isto é, o lucro total (pois a remuneração do gerente é, ou deve ser, mero salário para remunerar certo tipo de trabalho qualificado, cujo preço é regulado no mercado de trabalho, como o de outro trabalho qualquer), esse lucro total é também aparece, portanto, completamente separado da propriedade dos meios de produção e do mais -trabalho. Esse resultado do máximo desenvolvimento da produção capitalista é uma fase de transição necessária até a reconversão do capital em propriedade dos produtores, mas não mais como propriedade privada de produtores isolados, e sim como propriedade dos produtores associados, como propriedade diretamente social. É, por outro lado, uma fase de transição para a transformação de todas as funções do processo de reprodução até aqui ainda relacionadas à propriedade do capital em simples funções dos produtores associados, em funções sociais.

Antes de seguirmos adiante, resta a seguinte observação, importante do ponto de vista econômico: como o lucro assume aqui puramente a forma dos juros, essas empresas ainda são possíveis quando geram simples juros, e esse é um dos fundamentos que detém a queda da taxa geral de lucro, uma vez que tais empresas, nas quais a proporção entre o capital constante e o capital variável é tão desmedida, não entram necessariamente na compensação da taxa geral de lucro.

Essa é a suprassunção do modo de produção capitalista no interior do próprio modo de produção capitalista e, portanto, uma contradição que anula a si mesma e se apresenta prima facie como simples fase de transição para uma nova forma de produção. Seu modo de manifestação é também o de uma contradição desse tipo. Em certas esferas, ela estabelece o monopólio e, com isso, provoca a ingerência estatal. Produz uma nova aristocracia financeira, uma nova classe de parasitas sob a forma de projetistas, fundadores e diretores meramente nominais; todo um sistema de especulação e de fraude no que diz respeito à fundação de sociedades por ações e ao lançamento e comércio de ações. É produção privada, sem o controle da propriedade privada.

IV. Abstraindo do sistema das ações – que é uma suprassunção da indústria privada capitalista sobre a base do próprio sistema capitalista e que destrói a indústria privada à medida que se expande e se apodera de novos ramos de produção –, o crédito oferece ao capitalista individual, ou a quem exerce esse papel, um poder absoluto, dentro de certos limites, de dispor de capital, propriedade e, portanto, trabalho alheios. A faculdade de dispor de capital social, não de capital próprio, lhe permite dispor também de trabalho social. O próprio capital, que se possui realmente ou na opinião do público, passa a servir de simples base para a superestrutura do crédito. Isso vale em especial para o comércio atacadista, por cujas mãos passa a maior parte do produto social. Desaparecem aqui todas as bases explicativas mais ou menos justificadas no interior do modo de produção capitalista. O que o comerciante atacadista especulador arrisca é a propriedade social, e não a sua própria. Não menos absurda torna -se a frase segundo a qual o capital tem origem na poupança, pois o que esse especulador exige é justamente que outros poupem para ele.

A outra sentença, sobre a abstinência, vê -se desmentida por seu luxo, convertido também ele num instrumento de crédito. Ideias que numa fase menos desenvolvida da produção ainda podiam ter algum sentido agora perdem toda sua razão de ser. Os triunfos e os fracassos levam aqui simultaneamente à centralização dos capitais e, portanto, à expropriação na escala mais alta. A expropriação se estende, então, desde os produtores diretos até os próprios capitalistas pequenos e médios. Tal expropriação forma o ponto de partida do modo de produção capitalista; realizá -la é seu objetivo; o que se busca, em última instância, é expropriar todos os indivíduos de seus meios de produção, que, ao desenvolver -se a produção social, deixam de ser meios e produtos da produção privada para se converter em meios de produção nas mãos dos produtores associados, portanto, em propriedade social destes últimos, uma vez que já são seu produto social. No interior do próprio sistema capitalista, porém, essa expropriação se apresenta como figura antagônica, como apropriação da propriedade social por poucos, e o crédito confere a esses poucos indivíduos cada vez mais o caráter de simples aventureiros. A propriedade existe aqui em forma de ações, cujo movimento e cuja transferência tornam-se puro resultado de um jogo em que os tubarões da Bolsa devoram os peixes pequenos, e os lobos, as ovelhas. No sistema de ações já está presente a oposição à antiga forma, na qual os meios sociais de produção aparecem como propriedade individual; porém, ao assumir a forma da ação, eles continuam presos às barreiras capitalistas – portanto, em vez de superar o antagonismo entre o caráter social da riqueza e a riqueza privada, limita -se a desenvolvê-la sob uma nova forma.

As fábricas cooperativas dos próprios trabalhadores são, dentro da antiga forma, a primeira ruptura do modelo anterior, apesar de que, em sua organização real, reproduzam e tenham de reproduzir por toda parte, naturalmente, todos os defeitos do sistema existente. Mas dentro dessas fábricas está suprassumido o antagonismo entre capital e trabalho, ainda que, de início, apenas na forma em que os trabalhadores, como associação, sejam seus próprios capitalistas, isto é, empreguem os meios de produção para valorizar seu próprio trabalho. Essas fábricas demonstram como, ao chegar a certo nível de desenvolvimento das forças produtivas materiais e de suas correspondentes formas sociais de produção, do seio de um modo de produção surge e se desenvolve naturalmente um novo modo de produção. Sem o sistema fabril derivado do modo de produção capitalista, não se teriam podido desenvolver as fábricas cooperativas, muito menos sem o sistema de crédito oriundo desse mesmo modo de produção. Esse sistema de crédito, que constitui a base fundamental para a transformação gradual das empresas capitalistas privadas em sociedades capitalistas por ações, proporciona também os meios para a expansão gradual das empresas cooperativas em escala mais ou menos nacional. As empresas capitalistas por ações devem ser consideradas, tanto quanto as fábricas cooperativas, formas de transição entre o modo de produção capitalista e o modo de produção associada, com a única diferença de que, num caso, o antagonismo é abolido negativamente, ao passo que, no outro é abolido em sentido positivo.


O Capital, Livro III, Capítulo 27: O papel do crédito na produção capitalista. São Paulo: Boitempo, 2017, p.597-604.

 

 

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