terça-feira, 28 de agosto de 2012

“Lei da Transparência”: não vale para os rentistas da dívida pública ???


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Auditoria Cidadã


Governo Federal diz que não pode revelar o nome dos detentores de títulos da dívida pública, alegando “sigilo bancário”

Dia 26/7, a Secretaria do Tesouro Nacional (STN) se negou a responder requerimento de informações feito no âmbito da Nova “Lei de Acesso à Informação”, que solicitava o nome dos detentores de títulos da dívida pública. O governo alega o seguinte:

“Por força da Lei Complementar nº 105, de 10.Jan.2001 (Lei do Sigilo Bancário), a STN ou mesmo o MF não possuem acesso aos dados (nome/razão social, CPF/CNPJ) dos detentores de títulos públicos federais. Em decorrência da mencionada Lei do Sigilo bancário, o Sistema Especial de Liquidação e Custódia (SELIC), administrado pelo Banco Central do Brasil, possui uma estrutura de contas que permite tão somente segmentar os detentores por categorias, que são disponibilizadas mensalmente através do seguinte endereço: http://www.tesouro.gov.br/hp/relatorios_divida_publica.asp”

Interessante observar que a tabela divulgada por tal endereço eletrônico exclui a dívida interna do Banco Central com o mercado financeiro (por meio das chamadas “Operações de Mercado Aberto”), que somava R$ 414 bilhões em junho, e está quase toda nas mãos dos bancos, conforme constatou a recente CPI da Dívida Pública na Câmara dos Deputados. Tais dados disponíveis na internet não permitem sabermos a distribuição dos grandes e pequenos investidores nos chamados Fundos de Investimentos, os quais sempre são citados por analistas conservadores como a prova de que a dívida interna beneficiaria a população brasileira como um todo.

Ao contrário do informado pela STN, a Lei Complementar 105 não contém qualquer vedação à divulgação dos detentores dos títulos da dívida pública, uma vez que não se trata de operação bancária, mas sim de operação de crédito perante o setor público, que em última análise se refere a despesa arcada pela sociedade, que tem o direito, pela Lei da Transparência, de saber a quem está efetuando o pagamento dos juros e amortizações.

Ademais, a informação sobre os detentores da dívida pública também não se enquadra na definição de informação sigilosa contida na Lei 12.527, art. 4o., inciso III, da qual consta o seguinte: “informação sigilosa: aquela submetida temporariamente à restrição de acesso público em razão de sua imprescindibilidade para a segurança da sociedade e do Estado”.

Considerando que os detentores da dívida pública auferem rendimentos qualificados como de obrigação do setor público, tal informação se insere na obrigatoriedade constitucional – art.37 – relacionada ao Princípio da Publicidade.

Ora, se não se pode divulgar quem são os detentores da dívida pública, então não se poderia também divulgar no “Portal da Transparência” do governo federal os nomes ou valores pagos pelo governo a fornecedores ou servidores públicos. Ora, qual a diferença entre estes últimos e os credores da dívida pública? Todos eles não recebem dinheiro público? Os credores da dívida estão acima da Lei? São “intocáveis”?

Confiram abaixo o inteiro teor do Requerimento de Informações e a Resposta do Tesouro Nacional.



Protocolo: 16853.006732/2012-54
Solicitante: Rodrigo Vieira de Ávila
Prazo de Atendimento: 06/08/2012 23:59:59
Tipo de resposta: Correspondência eletrônica (e-mail)
Descrição da solicitação: Requeiro as informações abaixo: 1. Nomes de todas as pessoas físicas e jurídicas detentoras de títulos da dívida interna pública federal (incluindo-se nesta as operações compromissadas pelo Banco Central e os chamados “Títulos Vinculados”), discriminando por categoria de credor (conforme detalhado abaixo), o valor dos títulos detidos por cada pessoa física ou jurídica, no dia 30 de junho de 2012, discriminando-se os detentores nacionais e estrangeiros de cada uma das categorias abaixo: a. Bancos b. Fundos de Investimento c. Fundos de Pensão ou Entidades de Previdência (Fechada e Aberta) d. Outras instituições Financeiras e. Pessoas Jurídicas Não Financeiras f. Pessoas Físicas g. Pessoas Físicas ou Jurídicas não residentes no Brasil h. Outros credores 2. Lista de todas as pessoas físicas e jurídicas credoras finais da dívida interna pública federal em títulos, assim constituídas mediante fundos de investimento, operações compromissadas nos mercados primário e secundário, além de outras aplicações bancárias, discriminando por categoria de credor (conforme detalhado abaixo), o valor dos títulos detidos por cada pessoa física ou jurídica, no dia 30 de junho de 2012, discriminando-se os detentores nacionais e estrangeiros de cada uma das categorias abaixo: a. Bancos b. Fundos de Investimento c. Fundos de Pensão ou Entidades de Previdência (Fechada e Aberta) d. Outras instituições Financeiras e. Pessoas Jurídicas Não Financeiras f. Pessoas Físicas g. Pessoas Físicas ou Jurídicas não residentes no Brasil h. Outros credores Se necessário, o Ministério da Fazenda pode solicitar auxílio à Comissão de Valores Mobiliários, vinculada a este Ministério, e que é responsável pela fiscalização dos Fundos de Investimento e outras aplicações bancárias.


Resposta
Prezado Sr. Rodrigo Vieira de Ávila, em atenção ao requerimento formulado à Secretaria do Tesouro Nacional, cumpre-nos informar que:“Por força da Lei Complementar nº 105, de 10.Jan.2001 (Lei do Sigilo Bancário), a STN ou mesmo o MF não possuem acesso aos dados (nome/razão social, CPF/CNPJ) dos detentores de títulos públicos federais. Em decorrência da mencionada Lei do Sigilo bancário, o Sistema Especial de Liquidação e Custódia (SELIC), administrado pelo Banco Central do Brasil, possui uma estrutura de contas que permite tão somente segmentar os detentores por categorias, que são disponibilizadas mensalmente através do seguinte endereço: http://www.tesouro.gov.br/hp/relatorios_divida_publica.asp Acessando o endereço acima, o cidadão poderá escolher o relatório do mês desejado e verificar as informações no item 2.2 do Relatório. Desejando uma série histórica, basta consultar o Anexo 2.7 do item “Tabelas”, no mês de sua preferência.”Conforme o art. 19, do Decreto nº 7724/2012, o requerente poderá interpor recurso no prazo de 10 dias a contar da ciência da resposta, por meio do Sistema e-Sic (www.acessoainformacao/sistema) ou no Protocolo SIC do Ministério da Fazenda localizado no Edifício Órgãos Centrais – SAS Quadra 6, Bloco O – Brasília/DF. O recurso será encaminhado para a autoridade competente para o seu julgamento, no caso, ao Subsecretário da Dívida Pública do Tesouro Nacional.


Extraído de:
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sábado, 25 de agosto de 2012

“Por que defendemos o Wikileaks e Assange”


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Por Michael Moore e Oliver Stone | Tradução: Daniela Frabasile


Passamos nossas carreiras de cineastas sustentando que a mídia norte-americana é frequentemente incapaz de informar os cidadãos sobre as piores ações de nosso governo. Portanto, ficamos profundamente gratos pelas realizações do WikiLeaks, e aplaudimos a decisão do Equador de garantir asilo diplomático a seu fundador, Julian Assange – que agora vive na embaixada equatoriana em Londres.

O Equador agiu de acordo com importantes princípios dos direitos humanos internacionais. E nada poderia demonstrar quão apropriada foi sua ação quanto a ameaça do governo britânico, de violar um princípio sagrado das relações diplomáticas e invadir a embaixada para prender Assange.

Desde sua fundação, o WikiLeaks revelou documentos como o filme “Assassinato Colateral”, que mostra a matança aparentemente indiscriminada de civis de Bagdá por um helicóptero Apache, dos Estados Unidos; além de detalhes minuciosos sobre a face verdadeira das guerras contra o Iraque e Afeganistão; a conspiração entre os Estados Unidos e a ditadura do Yemen, para esconder nossa responsabilidade sobre os bombardeios no país; a pressão do governo Obama para que outras nações não processem, por tortura, oficiais da era-Bush; e muito mais.

Como era de prever, foi feroz a resposta daqueles que preferem que os norte-americanos não saibam dessas coisas. Líderes dos dois partidos chamaram Assange de “terrorista tecnológico”. E a senadora Dianne Feinstein, democrata da Califórnia que lidera o Comite do Senado sobre Inteligência, exigiu que ele fosse processado pela Lei de Espionagem. A maioria dos norte-americanos, britânicos e suecos não sabe que a Suécia não acusou formalmente Assange por nenhum crime. Ao invés disso, emitiu um mandado de prisão para interrogá-lo sobre as acusações de agressão sexual em 2010.

Todas essas acusações devem ser cuidadosamente investigadas antes que Assange vá para um país que o tire do alcance do sistema judiciário sueco. Mas são os governos britânico e sueco que atrapalham a investigação, não Assange.

Autoridades suecas sempre viajaram para outros países para fazer interrogatórios quando necessário, e o fundador do WikiLeaks deixou clara sua disposição de ser interrogado em Londres. Além disso, o governo equatoriano fez uma oferta direta à Suécia, permitindo que Assange seja interrogado dentro de sua embaixada em Londres. Estocolmo recusou as duas propostas.

Assange também comprometeu-se a viajar para a Suécia imediatamente, caso o governo sueco garanta que não irá extraditá-lo para os Estados Unidos. Autoridades suecas não mostraram interesse em explorar essa proposta, e o ministro de Relações Exteriores, Carl Bildt, declarou inequivocamente a um consultor jurídico de Assange e do WikiLeaks que a Suécia não vai oferecer essa garantia. O governo britânico também teria, de acordo com tratados internacionais, o direito de prevenir a reextradição de Assange da Suécia para os Estados Unidos, mas recusou-se igualmente a garantir que usaria esse poder. As tentativas do Equador para facilitar esse acordo entre os dois governos foram rejeitadas.

Em conjunto, as ações dos governos britânico e sueco sugerem que sua agenda real é levar Assange à Suécia. Por conta de tratados e outras considerações, ele provavelmente poderia ser mais facilmente extraditado de lá para os Estados Unidos. Assange tem todas as razões para temer esses desdobramentos. O Departamento de Justiça recentemente confirmou que continua a investigar o WikiLeaks, e os documentos do governo australiano de fevereiro passado, recém-divulgados afirmam que “a investigação dos Estados Unidos sobre a possível conduta criminal de Assange está em curso há mais de um ano”. O próprio WikiLeaks publicou emails da Stratfor, uma corporação privada de inteligência, segundo os quais um júri já ouviu uma acusação sigilosa contra Assange. E a história indica que a Suécia iria ceder a qualquer pressão dos Estados Unidos para entregar Assange. Em 2001, o governo sueco entregou à CIA dois egípcios que pediam asilo. A agência norte-americana entregou-os ao regime de Mubarak, que os torturou.

Se Assange for extraditado para os Estados Unidos, as consequência repercutirão por anos, em todo o mundo. Assange não é cidadão estadunidense, e nenhuma de suas ações aconteceu em solo norte-americano. Se Washington puder processar um jornalista nessas circunstâncias, os governos da Rússia ou da China poderão, pela mesma lógica, exigir que repórteres estrangeiros em qualquer lugar do mundo sejam extraditados por violar suas leis. Criar esse precedente deveria preocupar profundamente a todos, admiradores do WikiLeaks ou não.

Conclamamos os povos britânico e sueco a exigir que seus governos respondam algumas questões básicas. Por que as autoridades suecas recusam-se a interrogar Assange em Londres? E por que nenhum dos dois governos pode prometer que Assange não será extraditado para os Estados Unidos? Os cidadãos britânicos e suecos têm uma rara oportunidade de tomar uma posição pela liberdade de expressão, em nome de todo o mundo.



http://www.youtube.com/watch?v=5dgKAxPbJ0w


Extraído de:
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Galeão: governo, antes de privatizar, doa mais R$ 153 milhões de 'brinde' ao futuro dono privado!


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Paulo Schueler


No Brasil sob comando petista, a farra viaja de supersônico e o capital navega "em velocidade de cruzeiro". Após o governo anunciar a mega operação de entrega de nossa logística ao capital privado, com subsídios do BNDES e a redução de direitos trabalhistas, a novidade é que a Infraero iniciou nova etapa de obras no Aeroporto do Galeão, ao custo estimado de R$ 153 milhões, para torná-lo mais "atraente" em sua próxima privatização.

Portanto, teremos a derrama dessa milionária quantia para que os futuros donos das instalações não precisem fazer tal investimento. Agindo como um Robbin Wood às avessas, o PT mais uma vez retira recursos de um Estado que não oferece condições dignas de educação e saúde para fazer mimos absurdos à grande burguesia. Surpreende ainda mais que tal operação seja feita em um momento de greve generalizada do funcionalismo público, em mais uma prova de que o governo está, no bom português, "pouco se lixando" para os trabalhadores.

Esses R$ 153 milhões, entretanto, não dão a dimensão integral da derrama generosa de dinheiro público ao capital: desde 2008, quando as melhorias começaram a ser feitas no aeroporto; até 2014, o total de recursos públicos gastos com obras no Galeão será da ordem de R$ 650 milhões - oriundos tanto do orçamento da Infraero quanto diretamente dos cofres da União.

O futuro controlador privado agradece, com a alegria nas nuvens, até porque, ao final das obras, a capacidade de passageiros do aeroporto vai saltar dos atuais 17,4 milhões por ano para 44 milhões. Se antes o Galeão operava com ociosidade, hoje é o segundo maior aeroporto brasileiro (1,6 milhão de passageiros por mês, atrás apenas de Guarulhos e à frente de Brasília e Congonhas, ambos com 1,3 milhão).

Já o terminal de cargas, uma de suas principais fontes de receita, está sendo remodelado e receberá equipamentos mais modernos, para transporte automatizado de produtos. Em 2011, por lá passaram 41,1 mil toneladas de produtos para exportação e 46,7 mil toneladas em importação. Por fim, a pista de pouso e decolagem será alargada para receber aviões do modelo A380, a maior aeronave de passageiros existente no mundo.

Mais gente circulando, mais cargas transportadas, capacidade para receber todo e qualquer avião comercial. Enfim, aumento da receita - que será entregue à iniciativa privada com R$ 650 milhões de "presente" do PT.

Em tempos de crise econômica mundial, com os "mercados" numa "fria", é inevitável pensar que muito burguês deve estar esfregando as mãos de ansiedade, ao som de Chico Buarque:

"Vai meu irmão

Pegue esse avião

Você tem razão

De correr assim

Desse frio, mas beija

O meu Rio de Janeiro

Antes que um aventureiro

Lance mão...'


Extraído de:
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quinta-feira, 23 de agosto de 2012

A indignação não é garantia de uma crítica radical


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Rall


Escrever sobre a crise tem se tornado algo enfadonho e repetitivo. Mas, a revelação de alguns fatos, mesmo que não seja nenhuma novidade para forma como o capitalismo nos tempos atuais busca resistir ao ocaso, e as interpretações precipitadas desses fatos quando rapidamente descobre-se o “eixo do mal”, incita-nos a refletir mesmo consciente dos riscos do autoengano que pode nos levar um mundo incerto. Estou referindo-me como em geral se reagiu à manipulação da taxa Libor pelos grandes bancos, as notícias de lavagem de dinheiro inclusive do narcotráfico, e as afirmações de que a crise global se resume à bandalheira do sistema financeiro, sobre os quais não se tem mais controle.

É simplificar demais os fatos que brotam incessantemente de uma realidade complexa e instável, que resistem a intepretações precipitadas e a remendos superficiais costurados com muito dinheiro pelos governos e bancos centrais. Propala-se que o mal é a ganância sem limites dos bancos que sangra a economia real e o trabalho suado e honesto. Que o cassino financeiro onde se gera dinheiro e crédito do nada, entre outras coisas, vai nos levar ao desastre senão enfrentado com determinação pela mão pesada do Leviatã ou a mão invisível do mercado. Muitos analistas, à esquerda ou à direita, não acreditando que o Estado possa regular o funcionamento desses serviços, radicalizam suas posições e saem em defesa de se deixar os bancos à deriva, sujeitos as leis do mercado e a falência, mesmo que todos venham a quebrar numa reação em cadeia. No entanto, apesar das posições aparentemente pró-mercado, defendem que os governos deveriam dar garantias ao correntista e ao poupador.

Os que só veem no crescimento descontrolado das finanças e seus efeitos colaterais destruidores o problema principal, não são capazes de entender que a exponencial expansão desse setor, surgiu como uma necessidade de suprir as deficiências de acumulação real da economia dos meados dos anos 70 para cá. Foi essa imensa máquina de geração de dinheiro sem substância (capital fictício), organizada em rede ao redor do mundo utilizando as novas tecnologias de informação, e suas imbricadas relações simbióticas com os Estados e empresas, que serviu e continua servindo como pulmão artificial que faz a economia moribunda respirar em bolhas efêmeras. Esse discurso simplificado de “são os bancos os culpados”, assumido por todos os matizes políticas e ideológicas, desvia o foco da questão central de que a crise financeira é a manifestação da impossibilidade do capitalismo resolver os limites de expansão da acumulação real através da criação de capital fictício.

As frequentes quebras das regras no jogo de “fazer dinheiro” extraindo-se mais-valia, que se acentuam agora em tempos difíceis, não é só privilégio de bancos e outros serviços financeiros, mas das indústrias quando vendem leite misturado a mijo de vaca(1) e outros venenos para turbinar os lucros, dos Estados que imprimem dinheiro para salvar esses mesmos bancos e indústria em dificuldades, ou seja, do capital como um todo. O que se observa é um esgarçamento do tecido social em todos os níveis da sociedade, num salve-se quem poder, onde tudo é permissível para garantir o dinheiro no bolso ou nos bancos, mesmo que falso. Isso não deixa de ser um sintoma de uma profunda crise onde tudo relacionado com o valor e com o patriarcalismo apodrece e degenera em corrupção generalizada que age sem limites, contaminando corpos e almas em busca da salvação, por mais puros que se vejam.

A visão maniqueísta, que busca os males do mundo num setor isolado mais exposto pela forma como a crise terminal do capitalismo se apresenta, sabota a discussão. Não estamos falando de saídas para crise que se espera serem apontadas por um movimento social vigoroso, que se ainda não despontou dá sinais que pode emergir, mas da crítica radical da sociedade da mercadoria e do esclarecimento das situações diversas que brotam dessa totalidade complexa que ameaça desmoronar sobre nossas cabeças. A crítica não pode se deixar contaminar e se curvar aos apelos às fáceis soluções, mesmo quando a indignação é universal.

(1) O leite mijo de vaca e a lógica do capital

21.08.2012


Extraído de:
http://rumoresdacrise.blogspot.com.br/2012/08/a-indignacao-nao-e-garantia-de-uma.html
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domingo, 19 de agosto de 2012

Pacote privatista de Dilma faz a felicidade dos empresários

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“Tenham certeza de que nunca, jamais me verão tomando decisões ou assumindo posições que signifiquem a entrega das riquezas nacionais a quem quer que seja” [1]
- Dilma Rousseff, 2010.


Na última quarta-feira (15/08) o governo petista anunciou um amplo programa de privatizações da infra-estrutura do país. Batizado de “Programa de Investimentos em Logística” ou “PAC das Concessões” o pacote entregará à iniciativa privada 7,5 mil quilômetros de rodovias, 10 mil quilômetros de ferrovias, mais portos, aeroportos, hidrovias, além de R$ 133 bilhões para investimentos.

O plano fez a alegria dos demotucanos e do empresariado. Eike Batista chamou o pacote de “kit felicidade[2], enquanto que o presidente nacional do PSDB, Sérgio Guerra, publicou uma nota onde “cumprimenta a presidente Dilma por ter aderido ao programa de privatizações, há anos desenvolvido pelo partido, como um dos caminhos para acelerar os investimentos em infraestrutura.[3]

Ignorando que as gestões petistas privatizam desde o primeiro mandato de Lula [4] (incluindo a própria infra-estrutura), Guerra lamentou o “atraso” da iniciativa. Por outro lado, a Presidente Dilma, ciente da contradição do pacote anunciado com o seu discurso eleitoral, tentou negar o caráter privatista da sua medida:

“Esta é uma questão absolutamente falsa. Eu, hoje, estou tentando consertar em ferrovias alguns equívocos cometidos na privatização das ferrovias. Hoje, eu estou estruturando um modelo no qual nós vamos ter o direito de passagem de todos quanto precisarem transportar sua carga. Na verdade, é o resgate da participação do investimento privado em ferrovias, mas é também o fortalecimento das estruturas de planejamento e de regulação. Por que o que um operador independente vai fazer? Ele vai transportar a carga que ele achar necessária. Ninguém que é dono de uma carga pode controlar uma ferrovia. A ferrovia é de todos os que querem passar carga – isso é o princípio de quem tem rede” [5]

Na própria negativa fica claro tratar-se sim de privatização! Dessa vez foram poucos os blogueiros mais comprometidos com o governismo que tiveram o desplante de inundar a internet com artigos explorando uma falsa dicotomia “privatização x concessão”, como ocorreu no caso dos aeroportos.

Na cerimônia em que anunciou o “kit felicidade” dos empresários, a Presidente erigiu os mesmos argumentos dos demotucanos para justificar o entreguismo:

“O nosso propósito com este programa e os que anunciaremos na seqüência para aeroportos e para portos é nos unirmos aos concessionários para obter o melhor que a iniciativa privada pode oferecer em eficiência, e o melhor que o Estado pode e deve oferecer em planejamento e gestão de recursos públicos” [6]

Apesar da atual crise financeira estar mostrando exaustivamente que a “eficiência” da iniciativa privada tem sido recorrer ao “ineficiente” Estado para não falir, Dilma retoma essa velha e falsa dicotomia. O seu próprio plano deixa evidente que o Estado brasileiro estará por trás dessa celebrada “eficiência”:

“As parcerias que estamos propondo em rodovias, concessões e ferrovias PPP são muito atraentes em termos de rentabilidade, de risco e de financiamento. Meu governo reconhece as parcerias com o setor privado como essenciais à continuidade e aceleração do crescimento. Essas parcerias nos permitirão oferecer bens e serviços públicos mais adequados e eficientes à população” [idem 6]

As “parcerias” via PPPs preveêm que o Estado aporte até mais de 70% dos recursos investidos e que remunere o percentual do lucro desejado pelo adminstrador privado. No caso do pacote anunciado por Dilma o BNDES poderá aportar de 65% a 85% dos recursos dos projetos [7] e pagar a diferença da demanda não efetivada. Realmente é muito atraente!

Privatizações envolvendo farto dinheiro público tem sido a regra no Brasil. Foi assim nas gestões de Fernando Henrique Cardoso, nas de Lula e agora na de Dilma. A explicação didática de Wagner Bittencourt, Ministro da Secretaria de Aviação Civil, durante as privatizações dos aeroportos é reveladora de como opera esse processo:

“Funciona assim: de cada R$ 100 investidos, R$ 70 virão do BNDES e de outras fontes de financiamento e R$ 30 dos sócios. Dos R$ 30, R$ 14,7 virão da Infraero, muito menos que os R$ 100 gastos hoje, mas ela vai ter metade do retorno do negócio, quase 50% dos dividendos” (…) “É o melhor negócio do mundo.” [8]
Como a Infraero é estatal, dos R$ 100 investidos, os sócios privados desembolsam apenas R$ 15,3 para abocanhar a maior parte do lucro. É muito atraente mesmo!


Crise e posição de classe

Com o aprofundamento da crise financeira no mundo e no Brasil e o esgotamento dos efeitos das medidas “anticrise” implementadas pelo governo federal desde 2008 e, por ter optado por administrar o capitalismo, a gestão petista não encontra outra alternativa que não seja buscar manter e elevar as taxas de lucros dos bancos e das grandes empresas, tentando retroalimentar o sistema de acumulação e reprodução do capital em crise.

Nesse contexto o caráter privatista do seu governo e seu enfrentamento com a classe trabalhadora se aprofundarão. Ficará cada vez mais evidente aos olhos do grande público o caráter neoliberal e de classe da gestão petista, algo que nem os discursos dissimuladores de seus dirigentes conseguirão ocultar.

No andar de cima da pirâmide já há ampla celebração. Até a Revista Veja publicou uma edição cuja capa comemora “O choque de capitalismo de Dilma”. [9]

Como em uma sociedade de classes não há “choque” em uma ponta que não seja sentida em outra, para realizar privatizações e promover isenções e subsídios ao grande capital, a classe trabalhadora brasileira deve ser sacrificada. Já está sendo assim com a atual greve dos servidores públicos e com as demissões nas montadoras.

Os ex-presidentes, Fernando Henrique Cardoso e Lula, saíram em defesa da intransigência de Dilma diante das greves dos servidores. Se o tucano apelou para a “dificuldade financeira fiscal[10], embora seu partido defenda a privatização com recursos públicos, o petista, evocando a mesma limitação de recursos, deixou claro a máxima da sociedade de classes dos interesses antagônicos e conflitantes, e qual classe deve ser atendida:

“O governo tem de trabalhar com o dinheiro disponível. As pessoas, de vez em quando, precisam compreender que o governo não tem todo o dinheiro que a gente quando está fora pensa que tem. O dinheiro é limitado”

“Penso que a Dilma tem vontade de atender as pessoas, mas ela tem limitações orçamentárias, ela tem outras coisas para fazer: ela tem investimento em infraestrutura, que é importante para melhorar a vida do povo.” [11]

Ou seja, para Lula, os servidores devem compreender que devem aceitar o arrocho salarial porque os recursos da União devem ser drenados para os lucros do empresariado que abocanhará a infra-estrutura que será privatizada! O mesmo orçamento que não suporta R$ 92 bilhões para os servidores [12] admite R$ 133 bilhões para os empresários!

O aval do ex-presidente petista a essa política de Dilma mostra que é ilusória a ideia daqueles que, diante do recrudescimento dos ataques do atual governo, acham que com Lula seria diferente. Ele também privatizou, atacou greves e direitos dos trabalhadores. Dilma é a continuidade da sua gestão.

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[1] Aeroportos: mais uma privataria petista (11/02/2012):

[2] “É um kit felicidade para o Brasil”, diz Eike Batista (15/08/2012):

[3] Presidente do PSDB cumprimenta Dilma por adesão às privatizações, mas lamenta atraso (15/08/2012):

[4] Lula: ruptura ou continuidade de FHC? (27/11/2010):

[5] Para Dilma, programa de concessões vai saldar dívida de décadas de atraso em investimentos em logística (15/08/2012):

[6] O Brasil finalmente terá uma infraestrutura compatível com o seu tamanho, afirma Dilma (15/08/2012):

[7] Governo anuncia concessão de ferrovias e de estradas. Empresas investirão R$ 133 bilhões (16/08/2012):

[8] A farra da privatização dos aeroportos (23/10/2011):

[9] Dilma dá uma guinada radical em relação à orientação de Lula e quer um choque de capitalismo (17/08/2012):

[10] Jornal: FHC apoia firmeza de Dilma em relação às greves (15/08/2012):

[11] Lula defende posição de Dilma em greve de servidores (15/08/2012):

[12] R$ 92 bilhões é o gasto estimado pelo governo caso atendesse às reivindicações salariais de todas as categorias do serviço público em greve.
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sábado, 18 de agosto de 2012

Operários em greve são assassinados na África do Sul

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Massacre na África do Sul traz à tona memórias do Apartheid


16.08.2012


José Antonio Lima. Carta Capital



Policiais sul-africanos cercam corpos de mineiros mortos em Marikana. A cena fez lembrar o Apartheid. Foto: AFP

A cena era muito comum nos anos em que a África do Sul era dominada pelo regime segregacionista do Apartheid. De armas na mão, policiais observam os corpos de manifestantes no chão, ensanguentados, após o protesto ser “contido” pelas autoridades. Nos anos 1990, os policiais eram brancos e, os mortos, todos negros lutando por igualdade. Hoje, os corpos continuam sendo de negros, mas muitos policiais também são. O conflito não é racial, mas trabalhista. É a África do Sul de 2012, livre do atroz regime da supremacia branca, mas ainda flagelado pela desigualdade e por um mercado de trabalho cruel.
A chacina de quinta-feira 16 ocorreu nas minas de Marikana (a 40 quilômetros de Johannesburgo), onde a empresa britânica Lonmin obtém 96% da platina que exporta para todo o mundo. As cenas jogaram os sul-africanos mais de uma década para trás. Em trajes de choque e fortemente armados, os policiais montavam barricadas com arame farpado quando foram flanqueados por grupos de trabalhadores, muitos deles armados com machetes, lanças e outras armas improvisadas. A polícia, então, abriu fogo contra os manifestantes. Após a salva de tiros, pelo menos sete corpos ficaram no chão. A agência Reuters afirmou que até 18 pessoas podem ter sido assassinadas.
Nesta sexta-feira 17, as notícias mostraram que o massacre foi ainda maior. Pelo 34 pessoas morreram e outras 78 ficaram feridas e foram levadas aos hospitais de Rustemburgo e Johannesburgo, duas das maiores cidades da região. Imediatamente após o massacre, a polícia sul-africana não se manifestou. Nesta sexta, foi inevitável. E as declarações não servem para explicar o banho de sangue. “A polícia teve que usar a força para se proteger do grupo que estava atacando”, disse Riah Phiyega, um ex-executivo de bancos que é o comandante da polícia sul-africana desde junho.
Horas depois das mortes, o presidente da África do Sul, Jacob Zuma, emitiu um comunicado lamentando o episódio e prometendo levar os culpados à Justiça. Segundo Zuma, há na África do Sul “espaço suficiente na ordem democrática para que qualquer disputa seja resolvida por meio do diálogo sem rompimentos da lei ou violência”.
A fala de Zuma não encontra ecos na sociedade sul-africana. Segundo a agência Reuters, o jornal Sowetan questionou em editorial nesta sexta-feira o que havia mudado no país desde 1994, quando o Apartheid chegou ao fim. Para a publicação, os negros pobres continuam sendo tratados como objetos pelo governo. Instituições ligadas aos direitos humanos condenaram o massacre, também assemelhando o ato policial ao tipo de comportamento que as autoridades tinham durante o auge do regime racista.


Armados, mineiros ocupam monte perto da mina de Marikana, nesta quinta-feira 16, antes do confronto com a polícia. Foto: AFP

O massacre em Marikana é o ponto culminante de seis dias de violência. Desde 10 de agosto, quando a paralisação teve início, trabalhadores que tentaram furar a greve foram atacados e pelo menos dez pessoas morreram, entre elas dois policiais. Há relatos de que a violência é resultado da rivalidade de oito meses provocada por uma disputa de poder entre dois sindicatos de mineiros, um existente há mais de 20 anos e outro recém-aberto. Um líder grevista afirmou ao jornal sul-africano The Star que os 3 mil mineiros estavam ali em nome próprio, após décadas de “negociações infrutíferas” dos sindicatos. Os trabalhadores tinham, segundo este líder, duas reivindicações. Serem recebidos por diretores da Lonmim e um aumento salarial dos atuais 5000 rands (equivalente a 1200 reais) para 12000 (cerca de 2900 reais).
Barnard Mokwena, vice-presidente-executivo da mineradora, afirmou que a empresa estava interessada em negociar por meio de “estruturas reconhecidas” (leia-se os sindicatos) e que não pretendia dar aumento salarial. A grande preocupação da Lonmim é com a queda de mais de 6% de suas ações na Bolsa de Londres e com o fato de ter deixado de produzir cerca de 15 mil onças (425 quilos) de platina nos últimos seis dias. A diretoria da Lonmim se recusou a comentar o massacre em suas minas. A empresa se limitou a dizer, à agência Associated Press, que se tratava de uma “operação policial”.


O vídeo abaixo, da rede de tevê Al-Jazeera (em inglês), do Catar, mostra imagens do massacre (cenas fortes):

http://www.youtube.com/watch?v=meqSjgMKv-I&feature=player_embedded

Extraído de:
http://www.cartacapital.com.br/internacional/massacre-na-africa-do-sul-traz-a-tona-memorias-do-apartheid/
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domingo, 12 de agosto de 2012

Para o capital, mais benesses; para o povo, o Exército


Conforme se acirra a crise econômica no mundo e no Brasil vai ficando cada vez mais evidente o caráter de classe da gestão petista.

A realidade concreta aponta que, ao contrário dos discursos, suas medidas “anticrise” visam unicamente proteger as taxas de lucros dos bancos e das grandes empresas, mantendo assim o processo de acumulação e reprodução do capital no país, e não os trabalhadores.

Na tentativa de ocultar sua política pautada na privatização dos lucros e socialização dos prejuízos, o Governo Dilma apela para a velha estratégia militar do “dividir para conquistar”, tentando jogar os trabalhadores do setor privado contra os do setor público. As voltas com uma onda de greves de servidores públicos de inúmeras categorias, Dilma disse, para não atender suas reivindicações, que a prioridade da sua gestão é proteger os trabalhadores privados, que não possuem estabilidade. [1]

Em uma reprise do que fez o “neocompanheiro” Fernando Collor de Mello em sua gestão, essa divisão intraclasse, fomentada pelo governo petista, visa consolidar a conquista do terreno pelo capital, pois este tem demitido tranquilamente seus trabalhadores sem importunação alguma por parte do governo petista. [2]

A luta dos trabalhadores contra as intenções demissionais da General Motors (GM) em São José dos Campos, obrigou a Presidente Dilma a dar declarações “indignadas” e até fazer “ameaças” ao setor automotivo. Puro jogo de cena! Na última terça-feira (07/08) o Senado aprovou duas Medidas Provisórias (MP) do Executivo onde as montadoras foram “punidas” com mais benesses, incluindo a continuidade do IPI reduzido, inclusive para fabricação de carros no exterior. A medida se torna ainda mais impressionante quando se verifica que a redução do IPI pode acabar em outros ramos da economia. [3]

As M.Ps aprovadas pelo Senado (563 e 564/12), e que já haviam passado pela Câmara dos Deputados, estenderam para 15 os setores que terão desoneração da folha de pagamentos. É uma medida que impacta diretamente na arrecadação da previdência, prejudicando os trabalhadores.
Elas também ampliaram o leque de empresas a serem socorridas pelo Estado, via BNDES, além de destinar mais R$ 45 bilhões do Tesouro para o BNDES subsidiar o capital, o que acarreta em elevação do endividamento público.
Ainda foi incluído um projeto de lei para acabar com a multa adicional de 10% sobre o Fundo de Garantia pelo Tempo de Serviço (FGTS) em caso de demissão sem justa causa.

Como se tudo isso não bastasse ainda foi noticiado que o Governo Dilma prepara, para após as eleições municipais, uma contra-reforma na previdência e outra na legislação trabalhista. [4]


Militarização das lutas sociais

Em uma sociedade de classes não há contradição em uma ponta que não impacte em outra. A ampliação das benesses despejadas para o capital já afetam negativamente a classe trabalhadora brasileira que cada vez mais se joga nas lutas.

É no contexto do aprofundamento da crise econômica e das medidas antipovo do governo petista que deve ser compreendida a onda de greves de servidores públicos que varre o país e não com teorias conspiratórias como a levantada pela colunista da Folha de São Paulo, Eliane Cantanhêde. [5]

É essa conjuntura que explica a crescente rebelião nas bases sindicais, a qual a Central Única dos Trabalhadores (CUT) não tem conseguido represar, criando uma falsa sensação de “confronto” dessa central, abertamente governista, com o governo petista. Não se pode esquecer que o projeto de reforma trabalhista que está na Casa Civil, e que coloca a primazia do negociado sobre o legislado, é de autoria do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista, filiado à CUT.

Como as lutas tendem a se multiplicar e a atuação de seus agentes no movimento social carece cada vez mais de eficácia, o Governo Dilma resolveu apelar à força bruta e autorizou a utilização do Exército nas lutas sociais. É isso mesmo: o partido que nasceu das greves operárias e que lutou contra a ditadura militar, não só criou uma Comissão da Verdade que não pune os torturadores, como ainda reabilita a ação dos militares na repressão das lutas do povo.

O sistema repressor aprovado por Dilma tem o irônico nome “PROTEGER” e foi apresentado a ela pelo General Enzo Peri. [6] Celebrado pela colunista da Folha como “uma boa lembrança” à “elite do funcionalismo” [idem 5] seu alcance vai além dos trabalhadores públicos e inclui além dos trabalhadores privados, os setores excluídos que resistem:

“O Brasil terá um sistema completo de proteção das instalações estratégicas do País, que será capaz de evitar invasões como a que ocorreu na usina hidrelétrica de Tucuruí, no Pará, em fevereiro de 2008 (...), quando integrantes do movimento dos atingidos por barragens chegaram à sala de operações e ameaçaram parar a distribuição de energia em grande parte do País.” [idem 6]

O sistema “protegerá” mais de 13.300 locais entre hidrelétricas, termelétricas, refinarias, estradas, telecomunicações, portos, aeroportos e o que mais for considerado “estratégico”. Grande parte desses setores estão em mãos privadas e são palcos frequentes de conflitos sociais, como é o caso das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Atualmente, por exemplo, os 44 mil trabalhadores da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, encontram-se em greve após rebelarem-se contra a burocracia e o peleguismo da direção do sindicato da categoria – alguns dirigentes chegaram a ser apedrejados.

São mais do que conhecidas também as greves dos operários na hidrelétrica de Jirau, em Rondônia, onde denunciam as precárias condições de trabalho nos canteiros de obra, que em alguns casos resultaram em tragédia.

A obra é tocada com farto dinheiro público mas o consórcio é controlado pela belgo-francesa GDF Suez. Em 2011 o Governo Dilma enviou a Força Nacional para reprimir os operários. No mesmo episódio, o governo que diz proteger os trabalhadores não estáveis, avalizou a demissão de 6 mil operários pois para ele o problema eram as “contratações além do adequado”, ou seja, haveriam trabalhadores demais na obra. Quando em 2012 os operários fizeram outra revolta pelos mesmos motivos o governo petista tachou-os de “vândalos” e “bandidos”. [7]

O sistema “PROTEGER”, aprovado por Dilma, visa unicamente proteger os interesses do capital e para isso ampliará o número de “vândalos” e “bandidos” em todo o país. Assim serão qualificados todos aqueles que, direta ou indiretamente, se mostrar um estorvo para a acumulação, a reprodução e o salvamento do capital.

Esse amplo sistema de militarização evidencia que a “marolinha” chegou com força e que o próximo período será duro para o povo brasileiro, que não terá outra escolha senão se organizar e se mobilizar.


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[1] Dilma diz que prioridade é manter emprego dos que não têm estabilidade (10/08/2012):

[2] Setor automotivo mostra que trabalhadores pagam pela crise no Brasil (05/08/2012):

[3] Senado aprova medidas provisórias que ampliam incentivos para a indústria (07/08/2012):

Benefícios tributários podem acabar (10/08/2012):

10/8/2012 - Senado Federal aprova MPs do novo regime automotivo

[4] GOVERNO PREPARA REFORMAS E VAI 'FATIAR' PACOTE ANTICRISE (03/08/2012):

[5] Diz Eliane em seu artigo que:
Os servidores engoliram sapos e ficaram quietos na era Lula (como CUT, UNE, MST) e resolveram devolver agora com Dilma. Não vão recuar tão cedo.”
Chama o Exército! (09/08/2012):

[6] PROTEGER - Governo terá plano de proteção de R$ 9,6 bi (29/07/2012):

[7] Ministro de Dilma chama trabalhadores de vândalos e bandidos (07/04/2012):
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sábado, 11 de agosto de 2012

Classe trabalhadora reage a um ataque histórico


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Osvaldo Coggiola


Na greve do funcionalismo público federal (Andes, Fasubra, Sinasefe, principalmente) se concentram todas as contradições da política brasileira. Em inícios de agosto, até os servidores (funcionários) da Polícia Federal votaram sua entrada em greve. A oferta de “reajustes” salariais do governo Dilma não cobre sequer as perdas dos anos em que os salários permaneceram congelados, sem falar na destruição da carreira funcional. Uma vez descontada a inflação, mesmo usando índices modestos e otimistas, os reajustes médios propostos pelo governo até 2015 variam entre 0,36% e 5,52% negativos. A “economia de caixa” que o governo pretende com o arrocho salarial federal está a serviço de uma política de subsídios ao grande capital. Não se trata apenas do pagamento da dívida pública, que compromete cerca de 50% do orçamento da União, mas também, entre outras coisas, da utilização do endividamento público para repasse direto de recursos a empresas privadas, subsidiadas pelo BNDES (que acaba de comemorar o destino do montante de R$ 342 milhões a um dos maiores conglomerados industriais do mundo - a Volkswagen).

Benefícios Sem Resultados

Desde 2008, o governo (então Lula) abriu mão de R$ 26 bilhões em impostos para a indústria automotiva: cada carteira assinada pelos monopólios do automóvel custou um milhão de reais ao país. O resultado? A remessa, por essas empresas, de quase R$ 15 bilhões ao exterior, na forma de lucros e dividendos, para cobrir os buracos de caixa das matrizes “em casa” (EUA, Europa, Japão) e a onda de demissões que ora se desenvolve no setor automobilístico. A crise mundial não perdoou o Brasil, como irresponsavelmente Lula insistiu em dizer ao longo de anos. A produção industrial recuou por três meses consecutivos, e o investimento por três trimestres consecutivos, em que pese os generosos créditos ao capital do BNDES com taxas subsidiadas, configurando um panorama de recessão. Isto em que pese o pacote de estímulos industriais, que perfaz a soma de R$ 60 bilhões (desoneração fiscal, ampliação e barateamento do crédito, redução de 30% do IPI, subsídios para as tarifas elétricas, etc.). Em energia, houve 10% de redução para as grandes empresas; os grandes empresários já pagam por uma energia subsidiada, mas continuam pressionando o governo para uma redução da carga tributária. Não bastasse todos os incentivos já oferecidos, como as reduções tributárias para estimular a venda de veículos e reduzir o estoque das montadoras nos pátios, agora o BNDES também oferece recursos para elas brincarem de “inovação tecnológica”.

A crise mundial bate diretamente à porta do país: o saldo comercial favorável de US$ 31,3 bilhões de novembro de 2011 (quando as exportações brasileiras bateram recordes históricos) recuou para US$ 23,9 bilhões em junho deste ano. A desaceleração do PIB já bate as previsões mais pessimistas. A taxa de juros de longo prazo foi reduzida de 6% para 5,5%, e o governo anunciou compras (máquinas, caminhões, ônibus) por valor de R$ 6,6 bilhões. O resultado? Menos de 1% de investimento no PIB, que não alcança para compensar nem metade da queda do investimento durante o primeiro trimestre de 2012. E novas demissões no setor automotivo, começando pela GM de São José dos Campos, que anunciou 1.500 demissões e um plano de delocalizações (o processo de demissões também vem afetando outras montadoras: Volkswagen, Mercedes, Volvo).

A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2013 prioriza o superávit primário e não assegura reajuste para o funcionalismo público além do que for negociado até 31 de agosto, proporcionando a garantia do superávit primário para remuneração dos parasitas financeiros (em 2012 a parcela do Orçamento Geral da União destinada aos juros e amortizações da dívida já supera os 47%) e criando todo tipo de obstáculo para a recuperação das perdas salariais dos servidores públicos. Desde o Plano Real (1994), enquanto os gastos governamentais ficaram congelados, a LDO garantiu atualização da dívida de forma automática, mensalmente, e por índices calculados por uma instituição privada, índices que tiveram variação muito superior ao índice oficial de inflação, o IPCA. Sobre essa robusta atualização ainda incidem elevados juros reais (a Lei de Responsabilidade Fiscal limita gastos e investimentos sociais, mas não estabelece limite algum para o custo da política monetária), por isso a dívida brasileira é a mais cara do mundo, uma política que foi acentuada pelos governos do PT. A dívida federal tem sido atualizada automaticamente, mensalmente, pelo IGP-M. A dívida dos estados (com a União) tem sido atualizada automaticamente, mensalmente pelo IGP-DI. Ambos são calculados pela FGV e suas variações no período foram muito superiores ao IPCA.
A dívida pública brasileira já supera R$ 3,2 trilhões (em valores de novembro de 2011), ou 78% do PIB, e consome quase metade dos recursos da Federação. Tudo é bom para pagá-la, até o imposto de renda das pessoas físicas, modificado sob a justificativa de simplificação: diversas deduções foram abolidas, e o trabalhador está cada vez mais onerado; enquanto desde 1996 as “pessoas jurídicas” (empresas) podem deduzir juros calculados sobre o capital próprio, despesa não efetivamente paga, fictícia, que beneficia empresas altamente capitalizadas, como os bancos. Houve fechamento de postos de trabalho em grandes bancos, principalmente Itaú e Banco do Brasil. A rotatividade de mão de obra continua alta nas instituições financeiras e é utilizada para reduzir a massa salarial. O salário médio dos trabalhadores contratados, em número menor às demissões, foi 38,2% inferior ao dos desligados.

Ataque Histórico

O arrocho salarial público e privado é, nesse quadro, o primeiro patamar para um ataque histórico com vistas a que “os trabalhadores paguem pela crise”. O corte de salário dos grevistas das universidades, por exemplo, é uma medida inconstitucional, pois desrespeita o preceito pétreo da autonomia universitária. A resposta do funcionalismo (especialmente docentes e funcionários educacionais) não se fez esperar: em tempo recorde foram paralisadas 58 das 59 universidades federais, e foram organizadas massivas marchas e jornadas de luta em Brasília. Isto pese à forte atuação de um pseudo sindicalismo pelêgo (Proifes) favorecido e subsidiado pelo governo (e a CUT) nas universidades. Os auditores fiscais empreenderam medidas de luta em todo o país, por um reajuste salarial de 30%, que chegaram a paralisar o polo industrial de Manaus. Os professores estaduais da Bahia já completaram quatro meses de greve com assembleias multitudinárias. Nos servidores do Ministério da Saúde (ex-INAMPS) e do MTE a proposta de greve por tempo indeterminado não foi aprovada, mas está se realizando um dia de paralisação por semana.

E os trabalhadores do setor privado também começaram a reagir, com o corte da Via Dutra pelos trabalhadores da GM, contra as demissões e o “banco de horas” (flexibilização trabalhista); em São José há um processo de reação dos metalúrgicos, com uma passeata com 2.500 trabalhadores e duas paralisações de duas horas (foi votado o “estado de greve”), além de outras greves, por enquanto localizadas. E teremos agora a entrada em cena de categorias fundamentais como correios, petroleiros, bancários e metalúrgicos com suas campanhas salariais no segundo semestre. Fundamental, após mais de vinte anos sem realizar greve, os trabalhadores eletricitários das empresas do grupo Eletrobrás – Furnas, Chesf, Eletronorte, Eletrosul e outras 10 empresas – paralisaram a partir de 16 de julho. A decisão pela greve foi tomada em assembleias realizadas em todo país. Os trabalhadores não aceitaram a contraproposta da empresa referente ao reajuste salarial, reivindicando 10,73% (a Eletrobrás ofereceu apenas 5,1%). A categoria tem cerca de 30 mil trabalhadores; a greve atinge 14 empresas, sendo oito são geradoras de energia. Os petroleiros (FUP) também discutem a possibilidade de greve.

Revolta dos Trabalhadores

A revolta crescente dos trabalhadores é a revolta das forças produtivas contra a decomposição do capital e a submissão nacional. A postura do governo Dilma frente à greve nacional dos docentes e, mais recentemente, dos técnicos e administrativos das universidades federais não é uma simples “contenda trabalhista”, embora a greve possua pauta precisa e objetiva: carreira, malha salarial e condições de trabalho (mais concursos e recursos para as instituições). Em 13 de julho, quando a greve dos professores das universidades federais já estava a ponto de completar dois meses, o governo finalmente ofereceu à categoria uma proposta, rejeitada pelas assembleias de base da categoria. A partir dos dados do ICV/Dieese e de uma projeção futura, o Andes estimou o reajuste necessário em, pelo menos, 35%. Para a maior parte dos docentes, a proposta do governo significará, em 2015, um salário real menor que o recebido em 2000. A tendência é a greve continuar: na rodada nacional de assembleias gerais, entre os dias 16 e 20 de julho, para avaliar a proposta apresentada pelo governo, os professores rejeitaram a proposta de modo categórico; as 58 AGs realizadas rejeitaram a proposta, a maioria por unanimidade.
Depois de agradar o capital (financeiro, industrial, comercial e agrário) com todo tipo de “bondades”, ao longo da última década, acentuadas no governo de Dilma Roussef, garantindo o total apoio político daquele, o governo define agora a agenda de um ataque histórico ao trabalho, mediante as “novas regras do INSS” (destruição da previdência social pública e fator 85/95: concessão de aposentadoria quando a soma da idade e do tempo de contribuição for de 85 anos para as mulheres e de 95 anos para os homens; sem falar que desde a implantação do “fator previdenciário”, o governo “economizou” R$ 21 bilhões, dinheiro roubado dos trabalhadores) e a “flexibilização do mercado de trabalho” (adequação de legislação trabalhista às necessidades do capital em crise): “Reforma da previdência, flexibilização das leis trabalhistas e privatizações são temas da velha Agenda Perdida, elaborada por economistas quando da primeira eleição de Lula, em 2002”, de acordo com um comentarista do capital, com vistas a “desobstruir os investimentos produtivos e cuidar do crescimento da economia pelo lado da oferta”. O que quer dizer este enigmático enunciado?

Reformas Após Eleições

Segundo Valor Econômico, “a presidente Dilma Rousseff prepara para depois das eleições municipais a negociação com o Congresso de duas reformas: a da previdência do INSS, em troca do fim do fator previdenciário, e a que flexibiliza a legislação trabalhista, cujo anteprojeto está na Casa Civil e que deverá dar primazia ao que for negociado entre as partes sobre o legislado, ampliando a autonomia de empresas e sindicatos”. Seriam tomadas “medidas de concessão do serviço público ao setor privado, redução dos encargos da conta de energia elétrica, reforma do PIS/Cofins e incorporação de mais setores na desoneração da folha de salários”. Dilma realizaria o “trabalho sujo” que o governo Lula deixou pendente.

Porque agora? Pelo impacto da crise (mundial): só no Estado de São Paulo, nas plantas de São José dos Campos e São Caetano do Sul, a GM já demitiu em quinze meses mais de dois mil operários, 1.400 só em São José dos Campos. Entre outras coisas, a idade mínima de aposentadoria seria elevada (acabando com a aposentadoria por contribuição e instituindo a idade mínima de 65 anos para homens e 60 anos para as mulheres) e a desoneração da folha salarial, já implementada, seria acrescida da facilitação para demitir e contratar precariamente, ou “Contrato Coletivo Especial”. O governo propõe o “Acordo Coletivo de Trabalho com Propósito Específico” (ACE), que regulamentaria a criação de Comitês Sindicais de Empresa (CSE), ignorando a legislação trabalhista e os próprios sindicatos por categoria. É um ataque histórico às conquistas dos trabalhadores.

E há um recrudescimento do processo de criminalização das lutas e organizações dos trabalhadores e da violência contra os pobres que se manifesta nos assassinatos de dezenas de jovens pobres e negros pela polícia na periferia de São Paulo; violenta repressão às greves dos operários da construção civil (há operários presos até hoje em Rondônia, devido à greve que ocorreu de Jirau, em abril); a violência da desocupação do Pinheirinho; ameaças de morte a dirigentes e ativistas de movimentos populares da cidade e do campo. Diante disso também há um crescimento das lutas populares, tanto no campo quanto na cidade, como se expressou na resistência do Pinheirinho, em diversas outras ocupações urbanas, na luta quilombola (como no Quilombo do Rio dos Macacos, na Bahia).

Reação

A reação operária e sindical provocou que, surpreendentemente, “a Central Única dos Trabalhadores (CUT) repudia(e) veementemente a publicação do decreto governamental 7777 que prevê a substituição dos servidores públicos federais em greve por servidores estaduais e municipais” (isto sem falar no corte de ponto do funcionalismo ordenado por Dilma) e até uma fração do PT, até aqui caracterizada pela obsequencia, manifestasse que “no governo Dilma os salários foram congelados no primeiro ano de governo e as reposições inflacionárias passaram a ser promessas, feitas de forma parcelada e após o período de apuração”, o que é menos do que uma parte da verdade (os salários foram congelados bem antes). Ora, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (CUT) encaminhou ao governo e ao Congresso Nacional um Anteprojeto de Lei que modifica a CLT e cria o Acordo Coletivo Especial, cujo conteúdo essencial é “fazer prevalecer o negociado sobre o legislado” nas relações de trabalho. Certamente, a CUT nada faz para unificar as lutas, e menos ainda para organizar um plano de lutas de toda a classe trabalhadora, mas essas manifestações públicas anunciam uma crise na base política histórica do governo petista.
Está colocada, portanto, a luta por uma frente sindical e política pela defesa da classe trabalhadora, pela unificação das greves e das lutas do setor público e privado, e pela independência de classe. Depois de uma década, a base política do governo está rachando: sobre a base da mobilização, e das plenárias de base estaduais e nacionais, devemos propor a frente única das organizações operárias e populares, por um Plano Unificado de Lutas para fazer com que os capitalistas, não os trabalhadores e a nação, paguem pela crise.


Extraído de:
http://carosamigos.terra.com.br/index/index.php/artigos-e-debates/2357-classe-trabalhadora-reage-a-um-ataque-historico
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As greves dos servidores públicos federais em perspectiva histórica: a necessária retomada da disputa entre projetos societários


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Observatório do Caos - Agosto 2, 2012


Entre março de 1984 e o mesmo mês do ano seguinte, os mineiros de diversas regiões do Reino Unido sustentaram uma das mais duras greves do século XX contra o projeto do governo de Margaret Thatcher de fechar 20 minas de carvão, ceifando 20 mil empregos. O episódio, que à primeira vista poderia ser compreendido como apenas mais uma luta de comunidades de trabalhadores pela manutenção de suas fontes principais de sustento, adquire um significado bastante distinto quando posto em perspectiva histórica. Para isso, será necessário recuar alguns anos.

Em meados da década de 1970, a porção capitalista do mundo enfrentava uma grave crise econômica, que punha fim aos seus “30 anos gloriosos” iniciados após a II Guerra Mundial. As taxas de lucro caiam vertiginosamente, o capital se sobreacumulava, milhares de empregos eram extintos e muitas empresas faliam. Nesse contexto, dois dos principais países capitalistas elegeram governos truculentos que, munidos de um projeto comum de reorganização da economia e reforma do Estado, atuaram de forma a estancar os efeitos da crise. Para tal, Ronald Reagan (1981-1989) nos EUA e Thatcher (1979-1990) no Reino Unido detonaram uma onda de privatizações de serviços e empresas públicas, reduziram a rede de proteção social e desregulamentaram a atividade econômica, em especial, o setor financeiro.

Nesse esforço de desmonte do Estado de Bem-Estar Social erigido nas décadas anteriores, o ataque aos mineiros ocupava posição estratégica. Não apenas os mineiros constituíam uma das categorias mais organizadas da classe trabalhadora britânica, como as minas nacionalizadas em 1947 simbolizavam o projeto político do Partido Trabalhista, além de terem sido responsáveis diretos pela queda do gabinete do Partido Conservador chefiado por Edward Heath através de sua greve de 1974. Assim, a derrota dos mineiros em 1985, após dezenas de violentíssimos embates entre grevistas e forças policiais, representou a queda da última barreira, no Reino Unido, à implementação do programa neoliberal, que, a partir dali, avançaria cada vez mais até mundializar-se.

Hoje, a economia capitalista mundial novamente vê-se à beira do abismo consubstanciado na crise econômica. Não por acaso, a atual retração surgiu precisamente pelo esgotamento das soluções elaboradas para enfrentar a derrocada dos anos 1970. Embora os Estados Unidos e, principalmente, a Europa estejam, por ora, enfrentando suas manifestações mais sérias, a crise começa a ter, cada vez mais, seus impactos sentidos também aqui no Brasil, a despeito da retórica governamental. Redução do ritmo da produção industrial, desaceleração da geração de empregos formais, demissões em determinados ramos da produção, queda vertiginosa das previsões de crescimento econômico e aumento das taxas de inadimplência são apenas alguns de seus sintomas mais visíveis.

Nesse cenário, o governo federal, capitaneado por Dilma Rousseff e pela aliança PT-PMDB atua como enfermeiro das corporações que enfrentam maiores dificuldades. Como se não bastasse o fato de a remuneração dos rentistas proprietários de títulos da dívida pública consumir a maior parcela do orçamento federal (mais de 47% em 2012), desde o início do atual governo, em 2011, mais de 100 bilhões de reais já foram destinados, quase sempre por meio de renúncia fiscal, a diversos ramos da produção, garantindo a manutenção das taxas de lucro em patamares satisfatórios. O conjunto dessas medidas, por sua vez, elimina quaisquer dúvidas a respeito da opção classista do atual governo federal, que se mantém fielmente ao lado dos empresários. Eis, portanto, a razão primordial para a propalada falta de recursos públicos para o atendimento das reivindicações salariais e outras dos servidores públicos em greve (INCRA, IBGE, FUNAI, FUNASA, INMETRO, DNIT, Arquivo Nacional, agências reguladoras, educação básica e superior, Ministérios da Saúde, Previdência, Transportes, Desenvolvimento Agrário, dentre outros).

Essa opção, no entanto, precisa ser apresentada sob outra roupagem, para que se torne palatável para parcelas mais amplas da população brasileira. É com esse intuito que o governo Dilma passou a propalar a falácia de que essa maciça transferência de recursos públicos – oriundos de impostos pagos pela maioria da população – para mãos privadas teria o objetivo de garantir os empregos dos trabalhadores da iniciativa privada, que não desfrutam da estabilidade dos servidores públicos. Felizmente, como qualquer mentira, essa também tem pernas curtas e não foi muito longe, na medida em que o discurso oficial foi rapidamente deixado de lado quando o governo precisou aceitar e justificar a demissão, ao longo do último ano, de mais de mil trabalhadores da General Motors de São José dos Campos, justamente em um dos setores mais beneficiados pela redução do IPI no mesmo período.

Sendo esse um exemplo particularmente eloquente dentre outros, é preciso encarar a falácia governamental como o que de fato é: uma tentativa de dividir a classe trabalhadora, jogando os empregados da iniciativa privada contra os supostos privilégios dos servidores públicos, ao mesmo tempo em que o empresariado se apropria de parcelas cada vez maiores da riqueza nacional. Trata-se de uma ação emergencial, visando à minimização dos impactos da crise mundial no capital investido no Brasil, enquanto se busca um redesenho da dinâmica econômica capitalista mundial capaz de retomar, a nível global, a trajetória ascendente das taxas de lucro, replicando o feito alcançado pelo neoliberalismo a partir dos anos 1980.

Assim como coube aos mineiros levantar uma importante barreira àquele esforço de reestruturação capitalista, as atuais greves dos servidores públicos federais devem ser encaradas sob a mesma perspectiva. Distintamente do que ocorreu com os mineiros do Reino Unido em 1984-5, no Brasil hoje temos a oportunidade de levantar essa barreira enquanto não alcançamos o ponto mais baixo da curva econômica e antes que o projeto de rearticulação capitalista ganhe contornos mais definidos, o que amplia as possibilidades de resistência a essa ofensiva. Por outro lado, esperar mais para levantar as barreiras pode significar enfrentar, no curto prazo, um cenário muito próximo ao que vivenciam os trabalhadores de Portugal, Espanha e Grécia, em que a demora no estabelecimento de uma mobilização unificada efetiva permitiu o avanço de forças conservadoras e de sucessivos ataques aos direitos trabalhistas e sociais. É preciso, portanto, que as greves funcionem, como o fizeram em outros momentos históricos, como movimentos de construção explícita de projetos amplos de transformação social, e não como meras portadoras de reivindicações imediatas, ainda que as duas dimensões estejam intimamente articuladas.

Em parte, esse papel vem sendo cumprido com louvor. A denúncia da transfusão de verbas públicas – que poderiam ser empregadas na melhoria dos serviços oferecidos pelo Estado ao conjunto da classe trabalhadora, como saúde e educação – para bolsos particulares já traz, evidentemente, embutida a concepção de que a riqueza socialmente produzida deve ser socializada, e não apropriada por alguns poucos. Trata-se de uma bandeira fundamental para iniciarmos esse processo, mas para que ele se aprofunde, será necessário que as múltiplas greves concomitantes sejam transformadas no embrião de futuras greves gerais, pela consolidação de ferramentas organizativas que apontem para a unificação das ações do conjunto dos trabalhadores dos setores público e privado. Nesse sentido, a estabilidade não deve ser encarada como um privilégio, o que só redundará em divisionismo, mas como um importante instrumento de dinamização da mobilização da classe trabalhadora como um todo, uma vez que garante melhores condições de luta para um segmento da classe, cuja ação combativa poderá criar as condições para levantes das demais categorias.

A potencialidade política desse processo de unificação não passa despercebida pelo governo federal, que atua diuturnamente para fragmentar as categorias em luta. No caso das greves de trabalhadores da educação federal, essa tática se expressa claramente no esforço de desgastar os docentes pela apresentação dos mesmos como radicais, que deveriam aceitar o plano de carreira proposto pelo governo, deixando os técnicos-administrativos isolados em seu movimento paredista, sem que nenhuma proposta tenha sido apresentada para esses últimos. É precisamente nesse momento que se faz mais necessária uma ação de sentido oposto, capaz de fazer avançar a unificação das categorias em greve. Nesse processo, parcela considerável de responsabilidade recai sobre os ombros dos sindicatos mais combativos, como o ANDES e o SINASEFE, bem como dos demais organismos que atuam de acordo com a perspectiva da construção de um projeto político socialista comum a toda a classe trabalhadora, como a CSP- CONLUTAS. Igualmente importante será a superação, em favor da atuação conjunta, dos equívocos que marcaram ambos os blocos de grupos organizados da esquerda socialista no CONCLAT de 2010, o qual deveria ter iniciado o salto qualitativo na unificação da classe trabalhadora. Deixar, uma vez mais, de avançar na construção da necessária unidade poderá ter consequências políticas das mais graves já a curto prazo, mas principalmente numa temporalidade mais dilatada.

Diante dessas considerações, acredito que colocar em perspectiva histórica as greves dos servidores federais ora em curso significa, acima de tudo, enxergar essas greves como greves políticas. Não se trata, no entanto, de restringir seu caráter político às possíveis consequências que poderão acarretar para o desenrolar dos processos eleitorais municipais que ocorrerão em outubro desse ano. Fazer isso significaria jogar o jogo dos blocos de poder que atualmente disputam a primazia na gestão do projeto hegemônico das classes dominantes brasileiras, capitaneados por PT-PMDB e PSDB-DEM. Entender as greves como políticas em seu sentido radical significa, antes de tudo, apostar em seu potencial para funcionar como passo inicial da reunificação da classe trabalhadora em torno de um projeto societário contrário ao caráter inevitavelmente opressor e explorador dos trabalhadores e ambientalmente devastador do capitalismo. Mais concretamente, significa também compreender que uma derrota dessas greves hoje pode implicar na abertura para uma derrota de longo prazo, capaz de estender por décadas a ofensiva contra os direitos de todos os trabalhadores atualmente em curso. Afinal, quanto mais se aprofundarem as condições geradoras da crise econômica mundial e quanto mais forem retirados os direitos duramente conquistados pelos trabalhadores ao longo de décadas de lutas, mais difícil se tornará reverter o processo de recomposição capitalista ensaiado pelas classes dominantes e seus guardiães à frente da máquina estatal. Significa, por fim, entender que a batalha perdida em 1985 pode ser ganha em 2012 e além; que é possível construir uma sociedade em que nenhum trabalhador tenha que passar quase um ano sem receber seu salário por acreditar na justeza de sua luta política, tal como ocorreu com os mineiros.

Obs.: Agradeço a Adriano Zão, Demian Melo, Fábio Frizzo, Felipe Demier, Juliana Lessa, Luana Sidi e Rafael Maul pela discussão das ideias apresentadas nesse texto, as quais são de minha inteira responsabilidade.

Extraído de:
http://observatoriodocaos.wordpress.com/2012/08/02/as-greves-dos-servidores-publicos-federais-em-perspectiva-historica-a-necessaria-retomada-da-disputa-entre-projetos-societarios/
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