domingo, 28 de agosto de 2011

Dilma estaria preparando privatização de empresas elétricas

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De acordo com reportagem do jornal Valor Econômico do último dia 22 de agosto, seis distribuidoras federalizadas de energia elétrica, hoje vinculadas à Eletrobrobras e localizadas em Estados do Norte e do Nordeste, estariam na mira da privatização preparada pelo Governo Dilma.

Amazonas Energia, Boa Vista Energia, Ceal (Alagoas), Cepisa (Piauí), Ceron (Rondônia) e Eletroacre seriam as empresas a serem entregues a iniciativa privada.

O empresariado está assanhado com essa possibilidade como afirma a própria reportagem do Valor:
"Comprar empresas como a Cepisa, que atua no Piauí, sempre foi um desejo declarado, por exemplo, da Equatorial Energia, que hoje é dona da Cemar (Maranhão), vizinha à Cepisa, e que ainda não conseguiu expandir sua atuação no setor elétrico." [1]

Ainda de acordo com o jornal, a privatização das federalizadas poderia reabrir as porteiras nos Estados:
"Se a decisão for levada adiante e, principalmente, aceita politicamente, a expectativa do setor privado é de que a privatização comece a ser aceita também dentro de governos estaduais (...)" [idem 1]

Velhos argumentos para velhas medidas

O argumento descrito na matéria para a privatização das distribuidoras federalizadas é de que elas seriam deficitárias e seus serviços ineficientes. O laudo e a saída é dado por auditores privados conforme consta na matéria do Valor:
"Situação que levou os auditores privados da empresa a descreverem, pela primeira vez em suas notas de balanço, que há dúvidas sobre a continuidade operacional dessas companhias." [idem 1]

Mas se o estado dessas empresas é de tamanha gravidade, por que, mesmo assim, os empresários possuem um "desejo declarado" de assumi-lás? A pista pode ser encontrada na História das privatizações em nosso país.

Muitas empresas foram privatizadas com dinheiro público e uma vez privatizadas as companhias privadas continuaram recebendo dinheiro público para investimentos. Isso aconteceu no Governo FHC mas também no Governo Lula.

No setor elétrico, por exemplo, é notório o caso da privatização da Eletropaulo, onde a empresa estadunidense, AES, comprou a estatal com dinheiro do BNDES e nunca pagou o empréstimo. Na própria reportagem do Valor é citada a privatização, quase sem ágio, da Gerasul, arrematada pela Tractebel por U$$ 800 milhões.

E por falar na Tractebel, em 2007, o grupo Suez Energy South América Participações, braço brasileiro do grupo franco-belga Suez Tractecel, recebeu R$ 570,2 milhões do BNDES para a construção da hidrelétrica São Salvador, no rio Tocantins. O financiamento público correspondia a 67,25% do investimento total do projeto, que era de R$ 847,7 milhões. [2] Somente entre 2008 e metade de 2010 as empresas de energia do grupo GDF-Suez receberam mais de R$ 8,4 bilhões do BNDES. [3]

Em 2005 o BNDES liberou R$ 727 milhões para a Light. [4] Também entre 2008 e metade de 2010 a empresa recebeu mais de R$ 589 milhões do banco público. [idem 3] Apesar de todo este aporte de dinheiro público pode-se ver a "eficiência" dos serviços da Light com as vergonhosas explosões de bueiros ocorridas recentemente no Rio de Janeiro. Isso sem falar nos valores das tarifas cobradas pelas empresas privadas, um achaque que leva 1 bilhão a mais por ano dos consumidores. [5]

Dilma versus Lula: uma falsa contradição

A reportagem do Valor Econômico joga lenha na fogueira de uma confusão que já se faz presente no imaginário de muitos lutadores sociais honestos e pessoas com ideal de esquerda: a de que o Governo Dilma seria mais conservador em relação ao Governo Lula. Nessa linha a matéria diz:
"A pecha de 'privatização' é o maior obstáculo - por ser político - a ser superado e por isso ainda nenhum estudo formal foi solicitado. Mas se no governo de Luiz Inácio Lula da Silva qualquer discussão sobre o assunto era terminantemente proibida, desde que a presidente Dilma Rousseff apoiou e determinou o programa de concessão de aeroportos a postura entre os colaboradores da presidente no setor elétrico mudou." [idem 1]

É falso dizer que na gestão de Lula as privatizações eram "discussão proibida". Ainda no seu primeiro mandato foram privatizados os bancos federalizados do Maranhão e do Ceará, além de terem sido aprovadas medidas privatizantes como as Parcerias-Público-Privadas (PPPs) e a Lei de Gestão das Florestas Públicas (que permite a privatização de terras na Amazônia), isso sem falar da Reforma da Previdência de 2003 que privatizou parte da previdência pública. [6]

No segundo mandato Lula jogou peso na privatização da infra-estrutura do país: estradas (3260 quilômetros de rodovias federais, quase o quadruplo do que privatizou Fernando Henrique), hidrelétricas, ferrovias e portos além de ter deixado engatilhado a privatização dos aeroportos. E apesar do discurso governista na última eleição a verdade é que nem o petróleo escapou: dos dez leilões de bacias petrolíferas realizados pelo governo brasileiro nos últimos 16 anos, seis foram feitos pelo Governo Lula. [idem 6]

Iguais aos tucanos

Nesta semana o deputado estadual gaúcho, Nelson Marchezan Júnior, do PSDB, disse, em um encontro municipal do seu partido no interior do Rio Grande do Sul, que o "PT roubou o programa" dos tucanos. A possível privatização de empresas de energia elétrica, assim como outras privatizações realizadas pelos governos petistas, confirma esta assertiva finalmente reconhecida pelos tucanos, que posam de "oposição" ao governo federal.

Mas não apenas a privatização em si seria igual a dos tucanos. Os métodos são similares. As empresas, alvo da privatização, estão a mais de 10 anos sob controle da Eletrobras, sendo 8 de administração petista. Privatizar agora alegando ineficiência dos serviços e déficits é atestar que o governo sucateou as empresas para entregá-las. Isso, porém, não seria novidade: com os aeroportos ocorreu a mesma coisa. E como na época dos tucanos, após a "inevitável" privatização surgem rios de dinheiro do BNDES para os consórcios privados investir e lucrar.

Como se percebe, não só não há uma contradição entre as gestões de Dilma e Lula, como temos uma convergência de suas gestões com a de Fernando Henrique Cardoso. PT e PSDB são, como reconheceu o próprio Marchezan Júnior, farinhas do mesmo saco!


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[1] Governo discute privatização de federalizadas. Valor Econômico, 22/08/2011, p. B8.

[2] BNDES libera R$ 570,2 milhões para hidrelétrica do grupo Suez Tractebel (21/03/2007):
http://oglobo.globo.com/economia/mat/2007/03/21/295025168.asp

[3] Veja quanto receberam os grupos mais favorecidos pelo BNDES (08/08/2010):
http://www1.folha.uol.com.br/mercado/779517-veja-quanto-receberam-os-grupos-mais-favorecidos-pelo-bndes.shtml

[4] BNDES libera R$ 727 milhões para a Light (29/06/2005):
http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u97750.shtml

[5] Brasileiro paga a mais por luz há 7 anos; consumidores perdem R$ 1 bi por ano (18/10/2009):
http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u639643.shtml

[6] Lula: ruptura ou continuidade de FHC? (27/11/2010):
http://blogdomonjn.blogspot.com/2010/11/lula-ruptura-ou-continuidade-de-fhc.html
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segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Quando David Cameron partia vitrines

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Quando David Cameron partia vitrinas

Marco D'Eramo


Numa cidade inglesa um bando de jovens parte uma vitrina, foge na noite e dirige-se a correr para o jardim botânico. A polícia segue-os, apanha alguns com seus telemóveis e põe-nos no calabouço.

O problema é que não se trata de um episódio ocorrido nestes dias. E que os jovens detidos não são desordeiros sub-proletários. Não, o episódio verificou-se há 24 anos em Oxford e os 10 jovens eram todos membros do Bullington Club, uma associação estudantil oxfordiana com 150 anos de idade, famosa pelas suas travessuras estudantis, suas bebedeiras e por considerar a vandalização de lojas e restaurantes como a melhor das distracções. Os problemas com donos de restaurantes, comerciantes e de denúncias à polícia são resolvidos com algumas indemnizações generosas vindas das gordas carteiras paternais. Algumas horas antes, os dez bravos jovens fizeram-se retratar nos degraus de uma grande escada, todos em uniforme do clube, roupa de recepção a 1000 libras esterlinas (1150 euros) cada uma. Dentre eles destaca-se um jovem David Cameron e um, também imberbe, Boris Johnson.

Acontece que hoje Cameron é o primeiro-ministro conservador e Johnson é presidente conservador da Grande Londres. E que tanto um como outro trovejam contra os vândalos que destroem as propriedades privadas. Tanto um como outro defendem a linha dura, a mão de ferro. Cameron quer recorrer ao exército e censurar as redes sociais; Johnson quer aumentar os efectivos da polícia. Sem sequer a menor compreensão por quem não faz outra coisa, no fundo, senão emular os seus gestos de outrora.

Mas, evidentemente, é característico da mentalidade de um filho do papá considerar que os outros não podem – e não devem – permitir-se aquilo que lhes foi permitido, a eles, por direito de nascimento e de extracção social.

David Cameron nasceu em 1966, filho de um pai agente da bolsa e de uma mãe filha de um baronete: o actual primeiro-ministro gosta de divulgar que é o descendente ilegítimo do rei Guilherme IV e da sua amante Dorotéia, e portanto que é um parente longínquo da rainha Elisabeth II. Snob típico, Cameron foi enviado aos sete anos para Heatherdown, escola elementar frequentada também pelos príncipes Andrew e Edward, escola cuja atitude de classe era sem equívocos: nos dias de excursão, as toilettes portáveis eram designadas por "Ladies", "Gentlemen" e "Chauffeurs". E quando Margaret Thatcher foi eleita primeira-ministra, a escola celebra isso com uma partida de cricket improvisada de alunos contra professores. No liceu, Cameron foi enviado à mais prestigiosa escola privada da Inglaterra, Eton (despesas anuais de escolaridade: 27 mil libras esterlinas, cerca de 31 mil euros), o cadinho da classe dominante (Boris Johnson também foi seu colega de classe em Eton): é divertido que na Grã-Bretanha as escolas privadas sejam chamadas de escolas públicas (public schools). Ali o jovem Cameron foi surpreendido em vias de colar e, como punição, teve de copiar 500 linhas de latim. Depois de Eton seguiu-se, naturalmente, a Universidade de Oxford e seu clube, o Bullington. Como perfeito snob, Cameron casou-se depois com Samantha Gwendoline Sheffield, cujo pai é um baronete proprietário de terras e cujo padrinho é visconde. Samantha Gwendolina trabalha na célebre casa de produtos de luxo Smyrne, da Bond Street, e recebeu o prémio de Melhor Desenhadora de Acessórios concedido pelo British Glamour Magazine.

Quando se recuperam das suas asneiras estudantis, os filhos do papá geralmente fazem uma bela carreira: Boris Johnson tornou-se director do Spectator (ainda que a sua carreira cambaleie com as suas aventuras de mulherengo inveterado, apesar de casado). Cameron tornou-se director de Assuntos Corporativos na Carlton Communication, uma sociedade de media absorvida a seguir pela Granada plc para constituir a ITV plc.

Em 2006, quando Cameron vence o congresso Tory e torna-se líder do partido conservador, tem apenas 38 anos. E é muito naturalmente que, no governo sombra que forma (o primeiro-ministro na época era Tony Blair), três dos membros são antigos alunos de Eton (Old Etonians). Mas no grupo dos seus colaboradores mais próximos, pelo menos 15 são Old Etonians. E passa-se o mesmo quando, em Maio de 2010, Cameron ganha (pela metade) as eleições e torna-se primeiro-ministro à testa de uma coligação com os neoliberais dirigidos por Nick Clegg: também aqui o núcleo duro do governo é constituído por aristocratas, etonianos ou oxfordianos, como o actual o ministro da Economia George Gideon Osborne, também ele nobre, herdeiro do baronato Osborne, também ele diplomado em Oxford, e também ele, é claro, antigo membro do Club Bullington.

Como se dizia outrora: o bom sangue não mente. A classe (social) tão pouco.

Extraído de:
http://resistir.info/gb/david_parte_vitrinas.html

O original encontra-se em:
www.ilmanifesto.it/...
a versão em francês em

http://www.legrandsoir.info/quand-david-cassait-les-vitrines-il-manifesto.html
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domingo, 14 de agosto de 2011

Às suas ordens, dotô Mercado!

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Paulo Kliass [*]

O mercado “pensa”, o mercado “avalia”, o mercado “propõe”, o mercado “desconfia”, o mercado “sugere”, o mercado “reage”. E aí sim, de vez em quando, o tom de voz sobe e o mercado “exige”!! E, aos poucos, o que era antes um sujeito, o indivíduo “mercado” também vai ganhando ares de divindade.


Uma das inúmeras lições que a atual crise econômica tem a nos oferecer é a possibilidade de compreender um pouco melhor os mecanismos de funcionamento da economia capitalista em sua fase de tão ampla e profunda internacionalização financeira. Depois de baixada a poeira e dado o devido distanciamento temporal, imagino a quantidade de teses que serão desenvolvidas para tentar entender e explicar aquilo que estamos vivendo a quente pelos quatro cantos do planeta.

As alternativas de enfoque são muitas. A relação conflituosa entre os interesses do capital produtivo e os do capital financeiro stricto sensu. A autonomia – na verdade, uma quase independência – do circuito monetário em relação ao chamado lado “real” da economia. A contradição entre o discurso liberal ortodoxo patrocinado pelos dirigentes dos países mais ricos até anteontem e a prática atual de medidas protecionistas de seus próprios interesses nacionais. A postura inequívoca e amplamente expandida de defesa das vontades das grandes instituições financeiras em primeiro lugar, sempre às custas de cortes nos gastos orçamentários na área social voltados à maioria da população de seus países. A dita solidez das estruturas do mercado financeiro, agora tão confiável quanto a de um castelo de cartas. A perda completa de credibilidade das instituições financeiras, a exemplo das chamadas agências de rating, que passam a escancarar a sua relação incestuosa com setores econômicos. O fim do mito da chamada “independência” dos Bancos Centrais, cujas políticas monetárias estariam sendo implementadas de forma neutra e isenta, uma vez que baseadas em critérios técnicos e científicos (sic...) do conhecimento econômico acumulado. A falência das correntes que se apegavam às teorias chamadas da “racionalidade dos agentes” para buscar assegurar que não haveria o que temer com o funcionamento das livres forças de mercado, pois o equilíbrio entre oferta e demanda sempre apontaria a solução mais racional possível. E por aí vai. A lista é quase infindável.

Mas um elemento, em especial, chama a atenção em meio a essa enormidade de aspectos. E trata-se de algo importante, pois diz respeito à tentativa de legitimação de toda e qualquer ação dos poderes públicos na busca da saída para a crise econômica. Com isso procura-se fugir da conseqüência mais próxima em caso de fracasso: colocar em risco a sua própria legitimidade política. Ainda que nos momentos de maior tensão seja perceptível uma contradição entre os desejos dos representantes do capital financeiro e as possibilidades oferecidas pelos agentes do governo, no final quase tudo acaba se resolvendo no conluio entre o público e o privado. Nos bastidores do poder, a ação do Estado é ditada, via de regra, pelos interesses do capital.

Mas nas conjunturas de crise profunda, como a atual, passa a operar também a chamada opinião pública. Os temas de economia e de finanças, antes restritos às páginas dos jornais especializados, ganham as manchetes de capa e se convertem em preocupação de amplos setores da sociedade. A população se assusta, exige mais explicações, quer entender melhor! Porém, não se consegue tornar tão claros os mecanismos de funcionamento da dinâmica econômica em tão pouco tempo e em tão poucas linhas. E nesse momento ganham importância os interlocutores chamados a explicar: os economistas dos grandes bancos, os analistas das instituições financeiras, os responsáveis pelas empresas de consultoria, enfim os chamados “especialistas”. Cabe a eles a tarefa de convencimento do grande público de que a crise é causada por este ou aquele fator, ou então de que as medidas anunciadas há pouco por um determinado ministro da Economia são ou não adequadas para resolver os problemas a que se propõem.

E aqui entra em campo um elemento essencial na dinâmica do discurso. Uma entidade que passa a ser reverenciada em ampla escala, coisa que era antes reduzida a uma platéia restrita. Trata-se do famoso “mercado” – muito prazer! Um dos grandes enigmas da história da humanidade, tanto estudado e ainda tão pouco desvendado em seus aspectos essenciais, passa a ser tratado como um ser humanizado, um quase indivíduo. Isso porque para justificar a necessidade das decisões duras e difíceis a serem tomadas - sempre às custas de muitos e para favorecer uns bem poucos – recorre-se às opiniões de “alguém” que conheça, que assegure que não há realmente outra solução. Tem-se a impressão de que o mercado vira gente, um dos nossos!

As matérias dos grandes jornais, as páginas das revistas de maior circulação, os sítios da internet, os programas na televisão e no rádio, enfim, por todos os meios de comunicação passamos a conhecer aquilo que nos é vendido como sendo a opinião dessa entidade, dessa quase pessoa. As frases e os estilos podem variar, mas no fundo, lá no fundo, tudo é sempre mais do mesmo. Recorrer a um mecanismo que beira a abstração para justificar as medidas mais do que concretas. Fazer um chamamento a uma entidade externa, com ares de messianismo e divindade, para convencer de que as proposições - expostas numa linguagem e numa lógica incompreensíveis para a maioria - são realmente necessárias. Sim, sim, é preciso também ter fé! Pois em caso contrário, aquilo que nos espera é ainda pior do que o péssimo do vivido agora. Será o caos!

É o que tem acontecido na atual crise da dívida norte-americana ou na seqüência dos diversos capítulos da crise dos países da União Européia. O mercado “pensa”, o mercado “avalia”, o mercado “propõe”, o mercado “desconfia”, o mercado “sugere”, o mercado “reage”. E aí sim, de vez em quando, o tom de voz sobe e o mercado “exige”! E depois o mercado “ameaça”. O mercado “cai”, o mercado “sobe”, o mercado “se recompõe”. O mercado “se sente inseguro”, o mercado “fica satisfeito”, o mercado “comemora”. O mercado “não aceita” tal medida, o mercado “se rebela” contra tal decisão.

E assim, à força de repetir à exaustão essa fórmula aparentemente tão simples, o que se busca, na verdade, é fazer um movimento de aproximação. Tornar a convivência com um ser que conhece de forma tão profunda a dinâmica da economia um ato quase amical e familiar para cada um de nós. Mas o “mercado” - sujeito de tantos verbos de ação e de percepção - não tem nome! Ele não pode ser achado, pois o mercado não tem endereço. Ele não pode ser entrevistado, pois o mercado nunca comparece fisicamente nos compromissos. Ele tampouco pode ser fotografado, pois o mercado não tem rosto. O que há, de fato, são uns poucos indivíduos que fazem a transmissão de suas idéias, de seus pensamentos, de seus sentimentos. São verdadeiros profetas, que têm o poder de fazer a interlocução entre o “mercado” e o povo. Pois, não obstante a tentativa de torná-la íntima de todos nós, essa entidade não se revela para qualquer um.

Ele escolhe uns poucos iluminados para representá-lo aqui entre nós. Como se, estes sim, tivessem a procuração sagrada para falar em seu nome e representar aqui seus interesses. E aos poucos o que era antes um sujeito, o indivíduo “mercado” também vai ganhando ares de divindade. Tudo se passa como se ele se manifestasse exclusivamente por meio de seus oráculos, os únicos capazes de captar e interpretar o desejo do deus mercado. Pois ele pensa, fala, acha, opina, mas não se apresenta para um aperto de mão, ou mesmo para uma prosinha que seja, para confirmar o que andam falando e fazendo em seu nome aqui pelos nossos lados.

Mas, apesar de toda evidente fragilidade da cena construída, não há como contestá-la. O mercado é legitimado por quem tem poder de legitimar. O discurso dos que não acreditam e dos que desconfiam não chega à maioria. Sim, pois aqui tampouco pode haver espaço para a dúvida. Nenhuma chance para o ato irresponsável que seria dar o espaço para o contraditório. A única certeza é de que o mercado sempre tem razão. E ponto final. Assim, todos passam horas na angústia e na agonia para saber como o mercado “reagirá” na abertura das bolsas de valores na manhã seguinte ou para tentar antecipar como o mercado “avaliará” hipotéticas medidas anunciadas para as transações de câmbio na noite da véspera.

O resultado de toda essa construção simbólica pode ser sintetizado na tentativa do convencimento político e ideológico dos caminhos escolhidos para a solução da crise. O mercado “alertou”, o mercado “ponderou”, o mercado “pressionou”, o mercado “exigiu”. E, finalmente, o mercado “conseguiu”. Por todo e qualquer lado que se procure, tentam nos convencer que não havia realmente outra forma possível de evitar o pior dos mundos. Como somos todos mesmo ignorantes em matéria de funcionamento dessa coisa tão complexa como a economia, somos chamados a delegar também as formas de solução para a crise. E, como sempre acontece em nossa tradição, estamos às suas ordens, Dotô Mercado...


[*] Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.

Extraído de:
http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5156
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sábado, 13 de agosto de 2011

É preciso desatar as mãos das costas!

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Em todo o mundo, e também no Brasil, assiste-se a partidos com origem e base nas classes subalternas governar para as classes dominantes.

Por terem a confiança das classes subalternas, tais partidos conseguem desferir ataques à direitos históricos e aprofundar os privilégios das classes dominantes de uma forma que os partidos tradicionais já não conseguiam, oxigenando à ordem.

O filósofo húngaro, István Mészáros, consegue, na frase abaixo, além de resumir, ainda apontar a única saída possível para as classes dominadas diante de tal situação:


“Considerando a situação atual, o trabalho, como antagonista do capital, é obrigado a defender os seus interesses não com uma, mas com as duas mãos atadas às costas. Uma delas presa pelas forças abertamente hostis ao trabalho e a outra, pelo seu próprio partido reformista e sua liderança sindical, que cumprem a função especial das personificações do capital no interior do próprio movimento do trabalho a serviço da acomodação total, e de fato da capitulação, aos imperativos materiais “realistas” do sistema. (…) Sob tais condições, cabe ao movimento dos trabalhadores decidir entre resignar-se a tais limites ou dar os passos necessários para desatar as próprias mãos, por mais difícil que seja esta última linha de ação." (p.178-179)

"A questão é saber se a classe trabalhadora vai aceitar ser tratada como “o bobo” do 1º de abril e por quanto tempo a estratégia de capitulação ao grande empresariado poderá ser seguida depois da próxima vitória eleitoral de Pirro." (p.180)



- MÉSZÁROS, István. Atualidade histórica da ofensiva socialista: uma alternativa radical ao sistema parlamentar. São Paulo: Boitempo, 2010.


Na Europa, vários trabalhadores, em especial na Espanha, não estão mais aceitando ser os "bobos do 1° de abril" e estão buscando "desatar as mãos das costas" organizando-se politicamente de forma distinta.
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domingo, 7 de agosto de 2011

EUA: valor do resgate dos ricos teria sido similar à dívida pública

Entre dezembro de 2007 e julho de 2010, FED teria repassado mais de 16 trilhões às empresas em apuros.

Auditoria realizada pelo Government Accountability Office (Gabinete Governamental de Prestação de Contas - entidade ligada ao Congresso estadunidense e que lhe presta assessoramento) e divulgada no último dia 21 de julho teria constatado que entre 1° de dezembro de 2007 e 21 de julho de 2010, o Federal Reserve (FED), banco central estadunidense, teria repassado mais de 16 trilhões dólares para os capitalistas em apuros. O valor é superior ao PIB do país, que em 2010 foi de pouco mais de 14,5 trilhões e similar à dívida pública, cujo teto foi elevado recentemente para 16 trilhões.

O resultado da auditoria, a primeira realizada desde que o FED foi criado em 1913, passou "despercebido" pela grande mídia global que anda empenhada em convencer as classes subalternas a aceitar como "inevitáveis" os profundos cortes nas áreas sociais para supostamente "salvar" a economia mundial.

Abaixo segue uma lista com as principais corporações beneficiadas pelos obscuros repasses do FED:

- Citigroup: 2,5 trilhões

- Morgan Stanley: 2,04 trilhões

- Merrill Lynch: 1,949 trilhões

- Bank of America: 1.344 trilhões

- Barclays PLC (Reino Unido): 868 bilhões

- Bear Sterns: 853 bilhões

- Goldman Sachs: 814 bilhões

- Royal Bank of Scotland (UK): 541 bilhões

- JP Morgan Chase: 391 bilhões

- Deutsche Bank (Alemanha): 354 bilhões

- UBS (Suíça): 287 bilhões

- Credit Suisse (Suíça): 262 bilhões

- Lehman Brothers: 183 bilhões

- Bank of Scotland (Reino Unido): 181 bilhões

- BNP Paribas (França): 175 bilhões

- Wells Fargo & Co. 159 bilhões

- Dexia SA (Bélgica): 159 bilhões

- Wachovia Corporation: 142 bilhões

- Dresdner Bank AG (Alemanha): 135 bilhões

- Societé Generale SA (França): 124 bilhões

- Todos os demais: 2,6 trilhões

TOTAL: 16,115 trilhões [1]


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[1] Lista extraída de:
http://www.rosa-blindada.info/?p=744

Links originais

Relatório do Government Accountability Office:
http://www.gao.gov/new.items/d11696.pdf

Federal Reserve System: Opportunities Exist to Strengthen Policies and Processes for Managing Emergency Assistance (GAO-11-696 July 21, 2011)
http://www.gao.gov/products/GAO-11-696

The Fed Audit (21/07/2011):
http://sanders.senate.gov/newsroom/news/?id=9e2a4ea8-6e73-4be2-a753-62060dcbb3c3
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