domingo, 23 de fevereiro de 2014

Os reacionários e os oportunistas

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Na semana passada repercutiu amplamente as declarações de dois deputados federais gaúchos, Luis Carlos Heinze (PP) e Alceu Moreira (PMDB), proferidas em um encontro com produtores rurais na cidade de Vicente Dutra, no Rio Grande do Sul, realizado em 29 de novembro de 2013.

No evento Heinze declarou que “quilombolas, índios, gays, lésbicas” são “tudo o que não presta” e sugeriu aos agricultores que contratassem seguranças privados para atacar os índios quando achassem necessário. Em apoio à proposta de Heinze, Moreira chegou a afirmar que o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e os índios integram uma rede de conspiração internacional contra os interesses do Brasil, obstruindo a expansão das fronteiras agrícolas. [1]


http://www.youtube.com/watch?v=PjcUOQbuvXU


Tais intervenções, abertamente reacionárias, devem, obviamente, ser condenadas no mais alto grau por todos aqueles que desejam um mundo mais justo, igualitário e sem preconceitos.

Mas em ano eleitoral a hipocrisia e a demagogia não tardam a mostrar as suas faces. De olho na eleição estadual, onde a Senadora Ana Amélia Lemos, do mesmo partido de Heinze, pode ser a principal concorrente do governador Tarso Genro, o PT não tardou a se apresentar como o campeão da defesa de setores que têm padecido profundamente mesmo em suas gestões.

Em primeiro lugar é preciso destacar que ambos os deputados integram partidos que fazem parte da base do Governo Dilma, sendo que o PMDB de Moreira possui a Vice-Presidência da República. E que o partido de Heinze e Ana Amélia, o PP, por pouco não integrou o Governo Tarso. Não foi, portanto, acidental que Ana Amélia e o petista Walter Pinheiro tenham trabalhado juntos no PL 728/2011, a famosa lei de terrorismo.

Em segundo lugar é preciso lembrar que as comunidades indígenas vem sendo perseguidas e reprimidas pelos próprios governos petistas. Dois dias após o vídeo de Heinze e Moreira vir a público, os Tupinambás, em Olivença, na Bahia, denunciavam ao país que o Governo Dilma havia rompido seu compromisso com os mesmos e que havia enviado as suas forças de repressão para garantir a integridade da sua traição:

"Ao lembrar que nós acreditamos nas propostas e no discurso eleitoreiro que o PT trazia para todos os excluídos, não imaginávamos que não passava apenas de falácias, se posando de partido de esquerda, para ludibriar os que sempre sofreram por falta de oportunidade, o MUNDO precisa saber que o governo brasileiro, enviou o Exército, além da Força Nacional, Polícia Militar e Civil, onde com seus vôos rasantes de helicóptero, com câmara filmadora e armas de guerra em punho, estão partindo para o uso sistemático do terror para oprimir ou impor a vontade, tendo como agente o aparelho do Estado, a ainda encontramos pessoas que acreditam que no Brasil, nunca houve guerras, perguntamos, e o que significa isso em terras tupinambás?

(...)

Quando a ditadura colocava essa mesma polícia no encalço da Presidenta e do Governador Jaques Wagner,e dos seus companheiros, qual seria o sentimento deles?

Quando tudo poderá ser resolvido com a DEMARCAÇÃO JÁ, do nosso território, mas faltam-lhes vontade política, respeito e cumprimento do dever, o descaso para com as questões indígena é vergonhoso." [2]

No ano passado, uma operação de reintegração de posse liderada pela Polícia Federal, acabou com a morte do índio Terena, Osiel Gabriel, no Mato Grosso do Sul. O Cacique Kaingang Valdomiro Vergueiro, do Morro do Osso, em Porto Alegre, não teve dúvidas quanto ao responsável pela tragédia:

"Nós estamos revoltados com essa ação e com a política do governo federal que não quer demarcar terra para os índios e autoriza a polícia a nos massacrar. Estamos cansados de tanta violência. Estamos cansados de esperar que o governo cumpra com suas responsabilidades." [3]

Ainda no ano passado foi descoberto que o Movimento Xingu Vivo, que atua em Belo Monte, sofreu a infiltração de um agente que passava informações para a Abin [4]. Em uma das mobilizações indígenas na região o Governo Dilma não se contentou apenas com a negativa em negociar, mas enviou a Força Nacional, censurou jornalistas por registrar a repressão e abriu um inquérito, via Polícia Federal, para apurar quem eram os não indígenas que participaram do ato - uma clara tentativa de quebrar a solidariedade de outros setores com os índios. [5]

Dados divulgados pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI) evidenciam como a questão indígena vem sendo tratada pelos governos petistas: 560 índios foram assassinados durante suas gestões (452 nos anos Lula e 108 nos de Dilma – por enquanto), uma média de 56 por ano, um aumento de 269% em relação aos Governos de Fernando Henrique Cardoso, quando 167 índios foram assassinados, uma média de 20,8 ao ano. [6]

Os governos petistas também perdem para o de Fernando Henrique na homologação de terras indígenas: 84 contra 148, conforme informado pela Fundação Nacional do Índio (Funai). [idem 6]

Tais dados apenas confirmam que, assim como na cidade, no campo os governos petistas optaram por favorecer os mais fortes. O Plano Safra 2013/2014, por exemplo, possui recursos da ordem de R$ 136 bilhões [7]. O Banco do Brasil disponibilizou R$ 70 bilhões para o crédito rural sendo que apenas em torno de 19% (R$ 13,2 bilhões) são para a agricultura familiar [8], setor que produz 70% dos alimentos presentes nas mesas dos brasileiros. [9]

A violência contra os índios em nível nacional também se faz presente no Rio Grande do Sul. No ano passado índios e quilombolas foram até o Palácio Piratini e foram recebidos com bombas pela Brigada Militar do Governo Tarso. [10]

http://www.youtube.com/watch?v=jZxMjOr4X1I


Apesar de todo esse cenário, o governismo, apostando na falta de memória e na ocultação dos fatos, se apresenta de forma oportunista como o campeão da defesa dos interesses das minorias, visando unicamente a reeleição do medíocre Governo Tarso. Passado o processo eleitoral é fartos recursos para os latifundiários e polícia para os índios, quilombolas e sem-terras.

O cretinismo eleitoral fica ainda mais evidente quando se percebe que nenhuma audiência pública ou denúncia de racismo e preconceito foi feita pelo governismo quando, em 2011, em uma fala similar a de Heinze, o então Presidente do Ibama, o também gaúcho Curt Trennenpohl, sem saber que estava sendo gravado, sugeriu, para uma emissora australiana, que os índios brasileiros seriam exterminados. [11]

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[1] Deputado diz que quilombolas, índios e homossexuais são “tudo o que não presta” e incita violência (12/02/2014):

“Quando o governo diz: ‘nós queremos crescimento, desenvolvimento. Tem de ter fumo, tem de ter soja, tem de ter boi, tem de ter leite, tem de ter tudo, produção’. Ok! Financiamento. Estão cumprimentando os produtores: R$ 150 bilhões de financiamento. Agora, eu quero dizer para vocês: o mesmo governo, seu Gilberto Carvalho, também é ministro da presidenta Dilma. É ali que estão aninhados quilombolas, índios, gays, lésbicas. Tudo o que não presta ali está aninhado.

(...)

O que estão fazendo os produtores do Pará? No Pará, eles contrataram segurança privada. Ninguém invade no Pará, porque a brigada militar não lhes dá guarida lá e eles têm de fazer a defesa das suas propriedades”, diz o parlamentar. “Por isso, pessoal, só tem um jeito: se defendam. Façam a defesa como o Pará está fazendo. Façam a defesa como o Mato Grosso do Sul está fazendo. Os índios invadiram uma propriedade. Foram corridos da propriedade. Isso aconteceu lá”. (Luis Carlos Heinze)

“Por que será que de uma hora pra outra tem que demarcar terras de índios e de quilombolas? O chefe dessa vigarice orquestrada está na antessala da presidência da República e o nome dele é Gilberto Carvalho. Por trás dessa baderna, dessa vigarice, está o Cimi, uma organização cristã, que de cristã não tem nada. Está a serviço da inteligência norteamericana e europeia para não permitir a expansão das fronteiras agrícolas no Brasil.

(…)

Nós, os parlamentares, não vamos incitar a guerra, mas lhes digo: se fartem de guerreiros e não deixem um vigarista desses dar um passo na sua propriedade. Nenhum! Nenhum! Usem todo o tipo de rede. Todo mundo tem telefone. Liguem um para o outro imediatamente. Reúnam verdadeiras multidões e expulsem do jeito que for necessário. A própria baderna, a desordem, a guerra é melhor do que a injustiça” (Alceu Moreira)

[2] O Exército Brasileiro em Território Tupinambá de Olivença – O uso sistemático do terror para oprimir ou impor a vontade. (14/02/2014):

[3] “No dia do Corpo de Cristo, mataram nosso parente Terena Osiel Gabriel” (31/05/2013):

[4] Belo Monte: Movimento Xingu Vivo sofre espionagem (25/02/2013):

[5] Brasil: aumenta o entreguismo e a repressão (12/05/2013):

[6] Um recorde macabro (09/06/2013):

[7] Plano Agrócila e Pecuário 2013/2014. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Secretaria de Política Agrícola. Brasília / DF, 2013.

Plano Safra: total de recursos é 18% maior que o da última temporada (04/06/2013):

[8] Estão disponíveis os recursos de R$ 136 bilhões para o plano safra 2013/2014.

[9] Agricultura familiar já produz 70% dos alimentos consumidos no mercado interno do país, informa Pepe Vargas (05/06/2012):

[10] BM faz uso de bombas contra indígenas que acampavam em frente ao Piratini (30/08/2013):

Brigada confronta com bombas de gás indígenas e quilombolas (02/09/2013):

[11] O real caráter da política ambiental dos Governos Lula e Dilma (17/07/2011):

Deputado e entidades denunciam Heinze e Moreira por racismo, homofobia e incitação à violência (18/02/2014):


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sábado, 22 de fevereiro de 2014

Mortos e feridos em protestos no Brasil

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O levantamento a seguir foi feito pelo internauta Matt Boni e publicado no Centro de Mídia Independente – Brasil (CMI Brasil). São dados parciais, como lembra o próprio autor ao final da listagem.

Em um momento em que os governos e as classes dominantes brasileiras, questionadas fortemente nas ruas, buscam fechar o regime se aproveitando da morte do jornalista Santiago Andrade, tais informações se mostram relevantes e reveladoras, uma vez que muitas das mortes e agressões descritas abaixo foram resultantes da ação das polícias dirigidas e comandadas pelos mesmos que pedem e preparam leis de exceção para acabar com os protestos, mas que nos referidos episódios não se empenharam em buscar a apuração e a condenação dos responsáveis.



Mortos e feridos em protestos – ATUALIZADO



Por Matt Boni 12/02/2014 às 09:12



Como estou vendo muita desatenção por aí, não custa chamar a atenção - ATUALIZADO:



Uma pessoa morreu atingida por tiros disparados de uma moto. Um homem também foi ferido.




DOUGLAS HENRIQUE DE OLIVEIRA - BH

MORTO ao cair de viaduto fugindo da violência da PM - 27/06/2013.




LUIZ FELIPE ANICETO DE ALMEIDA - BH

MORTO ao cair de viaduto fugindo da violência da PM - 13/07/2013.




FERNANDO CÂNDIDO - RJ

MORTO pelas consequências da inalação de gases tóxicos jogados pela PM - 02/08/2013




CLEONICE VIEIRA - PA

MORTA por gases tóxicos lançados pela PM - 21/06/2013




FABRÍCIO PROTEUS CHAVES, gravemente ferido por três disparos de PMs durante protesto em SP-Capital.




homem de 81 anos foi morto com um tiro na cabeça durante um protesto de moradores do Arará/Mandela, parte do complexo de favelas de Manguinhos, na zona norte do Rio de Janeiro, em dezembro de 2013:




Duas mulheres foram atropeladas durante uma manifestação na rodovia BR-251, em Cristalina (GO), na manhã desta segunda-feira (24/06/2013).




Marcos Delefrate, 18, morreu ao ser atropelado durante uma manifestação em Ribeirão Preto em 20/06/2013:







05 mortos e 27 feridos em protestos de caminhoneiros:




"3 mortos e 2 feridos em São Paulo, capital - Policiais da Rota mataram três pessoas, na madrugada de ontem, em tiroteio ocorrido na Favela Funerária, na Vila Maria, zona norte de São Paulo. Segundo informações da Polícia Militar, os PMs foram recebidos com tiros de fuzil. Eles cercaram a área depois que um sargento da PM foi ferido com estilhaços de bala, durante patrulhamento realizado por causa de uma manifestação na Via Dutra, altura do Viaduto Curuçá."  



11 mortos, 9 feridos em Rio de Janeiro, capital (massacre de Maré)
ou 



Tasnan Accioly, atropelado por um ônibus ao fugir dos tiros e bombas disparados pela PM (...):  



Idoso morto pela PM com tiro no rosto em manifestação:




250 presos e 100 feridos pela polícia em manifestação:  



SÉRGIO SILVA - SP

CEGO PELA PM - 14/06/2013




GIULIANA VALLONE - SP

ATINGIDA GRAVEMENTE NO OLHO PELA PM - 14/06/2013




ERIC PEDROSA - RJ

ATINGIDO NO OLHO PELA PM - 20/06/2013




RENATA - RJ

CEGA POR ESTILHAÇOS DE BOMBA LANÇADA PELA PM - 08/08/2013.




VITOR ARAÚJO - SP

CEGO PELA PM - 07/09/2013




PEDRO RIBEIRO NOGUEIRA - RJ

ESPANCADO PELA PM - 13/06/2013




FÁBIO BRAGA - DF

FERIDO POR ATAQUE DE CÃES DA PM - 07/09/2013




UESLEI MARCELINO - DF

FERIDO POR ATAQUE DE CÃES DA PM - 07/09/2013




MANIFESTANTE [quem tiver referências sobre nome da pessoa, avise, por favor!] - RJ

DEDO QUEBRADO PELA PM - 07/09/2013




RANI MESSIAS CASTRO - RJ

ESPANCADA PELA PM - 27/08/2013




MANIFESTANTE [quem tiver referências sobre nome da pessoa, avise, por favor!] - RJ

FERIDO NO BRAÇO COM ARMA LETAL PELA PM - 20/07/2013




MANIFESTANTE [quem tiver referências sobre nome da pessoa, avise, por favor!] - CE

FERIDO NA PERNA COM ARMA LETAL PELA PM - 23/06/2013




MANIFESTANTE [quem tiver referências sobre nome da pessoa, avise, por favor!] - RJ

FERIDO NA PERNA COM MUNIÇÃO LETAL PELA PM - 17/06/2013




MANIFESTANTE [quem tiver referências sobre nome da pessoa, avise, por favor!] - SP

ESPANCADA PELA PM - 03/07/2013




YASUYOSHI CHIBA - RJ

Atingido na cabeça com cacete pela PM - 22/06/2013




TÉRCIO TEIXEIRA - SP

Ferido por tiro de munição letal disparado pela PM




LEONARDO MARTINS - BH

Espancado e torturado pela PM - 07/11/2013




LAISE LEAL - BA

Atingida com cacetete pela PM - 07/11/2013

(segundo Laise, a menina que estava a seu lado recebeu 2 socos no rosto de outro PM)




MANIFESTANTES [quem tiver referências sobre nomes das pessoas, avise, por favor!] - DF

Espancados pela PM após rendição.




MARIA CECÍLIA DE SOUSA hospitalizada por causa de ferimento no joelho provado pela PM em Vitória/ES, 15/07/2013.




Detido arbitrariamente e espancado pela PM:




Senhor é atropelado por viatura da PM:




Protesto contra leilão do pré-sal tem ao menos 7 feridos




SP: sindicato contabiliza 2 jornalistas presos e 12 feridos em protestos até 14 de junho de 2013. 



Dois adolescentes que participavam de manifestação são TORTURADOS pela PM do Ceará: 



Polícia sequestra e tortura manifestantes em Pernambuco:






Ps: Além das mortes em manifestações, temos ainda manifestações que respondem a mortes. Tivemos várias revoltas populares contra a brutalidade policial nas periferias urbanas. Estamos listando aqui um levantamento muito parcial e fragmentado. Há também conflitos agrários, onde são assassinados sem-tetos, índios, quilombolas, ecologistas e defensores dos direitos humanos. O levantamento da Comissão Pastoral da Terra, por exemplo, aponta pelo menos 1500 mortes relacionadas a conflitos agrários. Estudo do sociólogo Michel Misse constatou 10 mil mortes cometidas por policiais em serviço no Estado do Rio de Janeiro, entre 2001 e 2010, sem contar a ação de grupos criminosos com participação de policiais. As polícias estaduais de São Paulo mataram 2600 pessoas entre 1991 e 1992, levantamento do jornalista Caco Barcelos constatou 3-4 mil mortes cometidas pela ROTA/PM-SP entre nos anos 1970 e 1980.


Extraído de:


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Os intelectuais do “governismo-bloc” e a criminalização dos protestos


  

Rejane Carolina Hoeveler - 21/02/2014

Em artigo publicado sexta-feira 14, no blog “Conversa Afiada”, do jornalista Paulo Henrique Amorim, o renomado cientista político Wanderley Guilherme dos Santos dá sua contribuição à atual ofensiva conservadora contra aqueles que protestam contra as injustiças sociais nas condições da limitada democracia vigente no Brasil, dirigido já há mais de dez anos por um governo, segundo ele, “dos trabalhadores”. Propagando o ódio a estes supostos “propagadores de ódio”, o professor Wanderley Guilherme praticamente acusa os intelectuais que se opõem ao atual estado de coisas no Brasil de serem “mentores do assassinato”, referindo-se implicitamente à morte do cinegrafista da Band – um caso, como se sabe, repleto de, digamos, “curiosidades” jurídicas, políticas e midiáticas.

Intitulado “Os whiteblocs são os assassinos intelectuais”, seu artigo, no melhor estilo “Veja governista”, se dirige a “vetustos blogueiros, artistas sagrados como marqueteiros crônicos, jovens colunistas em busca da fama que o talento não assegura, políticos periféricos ao circuito essencial da democracia, teóricos sem obra conhecida e de gogó mafioso, estes são os mentores da violência pela violência, anárquica, mas não acéfala”; intelectuais que abençoariam “um suposto legítimo ódio visceral contra as instituições, expresso em lamentável, mas compreensível linguagem da violência, segundo estimam, busca seduzir literariamente os desavisados”.[i]

Caracterizando o período que vivemos como uma “era de violência”, uma violência por sinal injustificável contra nossas “democráticas instituições”, o autor parece esquecer que a política moderna é entendida como marcada pela “violência” pelo menos desde Maquiavel, e que em nenhum período da história contemporânea houve qualquer momento em que não estivesse presente. Não precisamos nem recorrer à análise marxista do Estado, para a qual todo regime de dominação de classe é intrinsecamente violento contra os de baixo, mesmo nos períodos de aparente tranqüilidade política. O artigo de Wanderley consegue a proeza de estar à direita daqueles que como José Murilo de Carvalho  brilhante em seu liberalismo bastante conservador, fazem no mínimo questionar a ação desproporcional das polícias militares nos protestos, algo hoje destacado em toda imprensa internacional e que o nosso governismo bloc procura esquecer, ou não tratar como “violência”.[ii]

Evidentemente a posição política do petista não se refere apenas ao Black-bloc, e não se trata absolutamente de divergência tática ou estratégica com seja lá o que signifique politicamente o Black Bloc. Não. A posição do professor, e de todo o governismo bloc, que tem desesperadamente tentado impedir protestos neste ano eleitoral, além de garantir a estabilidade política para defender os grandes interesses privados envolvidos nos mega-evento, se dirige a todo o conjunto da esquerda e dos lutadores que se negam a sair das ruas, mesmo com todas as balas de borracha e gases venenosos, prisões e manipulações da mídia corporativa (cujos interesses, nesse sentido, estão intimamente ligados ao do governo).

Está cada vez mais patente o avanço dos defensores da ordem, governistas ou não, em criminalizar toda a esquerda que não se vendeu e os movimentos sociais não enquadrados na atual ordem política. Até mesmo movimentos muito mais tradicionais e enraizados como o MST não têm escapado do recrudescimento repressivo, como demonstra o caso da marcha em Brasília ocorrida na última quarta-feira, 12, que deixou 32 feridos pelos desmandos da polícia de um governo petista, enquanto, aliás, a presidenta Dilma festejava com Kátia Abreu e Blairo Maggi. Já é sabido, por exemplo, que no Rio de Janeiro o sanguinolento governo de Sérgio Cabral, junto com o governismo bloc, se empenha agora em difundir a tese de que não há nada de errado no Brasil, e que os protestos seriam o resultado não de insatisfações generalizadas, mas de uma grande e obscura conspiração de partidos de esquerda que pagariam manifestantes para “promover o quebra-quebra”. Em São Paulo as forças repressivas do governo do tucanato não ficam para trás, como ficou mais uma vez claro no episódio em que um jovem trabalhador foi sem mais nem menos baleado pela PM nos arredores da Avenida Paulista durante uma manifestação contra os efeitos da Copa, cujo grande legado, claro está, consiste num conjunto de medidas draconianas e cerceadoras de direitos.

O governo do PT, tão diferente daqueles dos tucanos, fechou os olhos para este e outros inúmeros dramáticos episódios de violência política, ao mesmo tempo em que autorizava colocar o Exército para reprimir as manifestações durante a Copa. A lógica retórica utilizada para justificar coisas assim é sempre algo como “porque senão, a direita vai voltar e todos sabemos como era ruim na ditadura” – quando qualquer pessoa podia ser baleada numa manifestação ou ser presa sem acusação… Muito coerente! Só que não.

Os intelectuais governistas preferem assim fazer coro com “The Globe”, que em sintomático editorial desta semana, intitulado “Inimigos da democracia”, retoma seu passado “glorioso” de apoio ao golpe de 1964 e à toda a ditadura, em nome da democracia, deixando claro que sua “auto-crítica” do ano passado nada mais foi do que um “limpar a ficha” para sujar de novo. [iii]

Não. O alvo do renomado professor não é nem a mídia conservadora (o famoso PIG), nem as polícias truculentas ou a legislação draconiana de restrição aos direitos democráticos em curso; seus inimigos são os supostos “mentores” da violência política, que seriam “professores universitários do Rio de Janeiro, de São Paulo e outras universidades”, que “falam do governo dos trabalhadores (sic) como se fosse o governo do ditador Médici, embora durante aquele período não abrissem o bico”.

Curioso que Wanderley mencione isto, já que ele sim, “abriu o bico” exatamente durante o governo Médici, e não foi tanto para denunciar o terrorismo de Estado daquele que foi o período mais tenebroso de todo o regime ditatorial, como faziam professores como Florestan Fernandes. Não. Preocupado estava com a garantia de uma transição “tranqüila” e “estável” para uma democracia que viria das mãos dos militares, sua atuação à época foi de colaborar com aquele nefasto regime em sua estratégia para uma transição que mudasse tudo para não mudar nada. Senão, vejamos.


Colaboracionismo, ontem e hoje

Poucos conhecem essa faceta da obra do renomado cientista político, lembrado por sua participação tanto no antigo ISEB, junto aos intelectuais comunistas e nacionalistas, quanto por sua simpatia ao PT, que na década de 1980 foi o ator político que mais denunciou a transição pactuada da ditadura. Mas é bom recordar, ainda mais num ano de efemérides relacionadas aos 50 anos do golpe empresarial-militar de 1964.

O fato é que o então diretor do Departamento de Ciência Política da Faculdade Candido Mendes e professor visitante da Universidade da Califórnia, participou, em 20 de setembro de 1973, de conferência organizada pelo Instituto de Pesquisas, Estudos e Assessoria do Congresso Nacional (IPEAC), então presidido pelo senador José Sarney (ARENA/MA), intitulada “Seminário Problemas Brasileiros”.  A iniciativa do IPEAC de Sarney contou com a participação, nada mais nada menos, de figuras que dispensam maiores apresentações, como Roberto Campos, Octavio Gouvêa de Bulhões, Mário Henrique Simonsen e Carlos Langoni, todos figuras de peso da ditadura. Segundo noticiou a própria imprensa à época,[iv] a conferência mais marcante foi sem dúvida a de Wanderley Guilherme dos Santos,[v] e o principal motivo disto era justamente o fato de que se tratava não de uma figura, como as demais, comprometidas com o regime até a medula, mas justamente de uma voz da oposição. Isso afinal dava muito mais legitimidade ao debate que à época se fazia sobre a chamada “institucionalização da revolução”. Sua atuação revela o caráter da oposição consentida ao regime, expressa por exemplo nas posições políticas da “ala moderada” do MDB.

Em seu paper, Wanderley Guilherme dos Santos apresentou a caracterização de que havia uma “crise institucional” em curso, presumindo um acordo sobre a necessidade de superá-la, porém desacordo sobre como fazê-lo. Definindo por crise institucional “não a instabilidade das instituições (…), mas a não institucionalização da estabilidade”, o autor já apresenta, logo de entrada, o problema da institucionalização política, preocupação comum de outros intelectuais, estes organicamente vinculados à ditadura, como o conhecido cientista político norte-americano Samuel Huntington, que escreve em 1973, sob encomenda do governo Médici, um documento chamado “Abordagens da descompressão política”, que guarda inúmeras semelhanças com o paper do professor brasileiro.[vi] O objetivo do autor era apresentar uma contribuição própria para a solução desta crise institucional, colaborando para a elaboração de uma “estratégia não-revolucionária”[vii] (leia-se: conservadora) de substituição do sistema político autoritário para outro, mais estável porque institucionalizado.

Segundo o paper do professor Wanderley, em primeiro lugar, a política de descompressão deveria ser “uma política incrementalista”, controlada a partir de cima, e cuja “gradualidade” da introdução de medidas garantiria assim o máximo de previsibilidade política (para o regime, evidentemente). A recomendação do cientista político era para que se evitasse “a simultaneidade das pressões”, ficando excluída da política de descompressão “a discussão de modelos globais, onde a decisão se estrutura em função de distintos ‘pacotes’ de medidas”.

Coerente com sua proposta de descompressão controlada, o professor Wanderley não apenas justificava como imprescindível a repressão ao que fosse considerado (pelo governo) como um “abuso da liberdade concedida”, mas também a criação de mecanismos de coação “suficientemente fortes e de rápida aplicação”.[viii] Garantida a coerção organizada, o outro passo, segundo o autor, seria “garantir processos compensatórios”, pois a estabilidade política dependeria de tal balanceamento. Assim, o equilíbrio da nova ordem política decorreria tanto da “disseminação de lealdade pela persuasão” e da “imobilidade pela coação”, afinal, segundo o autor, “o poder público não pode apenas abrir mão de sua capacidade genérica de coagir sem paralelamente aumentar a distribuição da lealdade ao sistema”.

Segundo o autor, a lealdade ao sistema (sic) seria criada tanto pelo que o sistema faz (positiva), quanto pelo que o sistema impede que os outros façam (negativa). A participação dos “atores políticos” poderia assumir diversas modalidades, na “geração de alternativas de decisão”, na “discussão das alternativas”, sendo a decisão propriamente dita (por exemplo, eleições diretas) apenas uma dessas “modalidades” possíveis.

Como se vê, tratava-se de um receituário com premissas políticas bem explícitas, no essencial muito análogas às orientações de Samuel Huntington e de outras figuras que estavam pensando em como garantir o fim da ditadura sem o fim de suas instituições (entre eles o próprio Roberto Campos); ou seja, nada mais que uma democracia restrita e controlada como a que temos hoje.
Nada mais coerente que quem colaborou com uma transição conservadora de uma ditadura, colabore hoje com a criminalização dos movimentos sociais fora da ordem. A conjuntura é muito distinta, mas a lógica é a mesma: construir “instituições fortes”, estáveis, ficando em segundo plano a que custo político. A democracia se resume a um conjunto de procedimentos e instituições que devem ser preservadas mesmo contra o povo.

Viva o governo! Viva o regime e suas instituições! Viva o Estado!, é o que gritam os mentores dos “revoltados a favor”. Mas ao contrário do que afirma nosso cientista político, são eles que não vão vencer no grito, pois, por mais que se esforcem, não podem abafar o grito das ruas.







[iv] Ver por exemplo Folha de São Paulo, 20 de setembro de 1973, p.3; Folha de São Paulo, 30 de setembro de 1973, p.3, ou Folha de São Paulo, 30 de agosto de 1974, , onde a intervenção de Wanderley Guilherme é comparada á de Samuel Huntington, como também em Folha de São Paulo, 08 de agosto de 1975. Consultar também Anais do Senado, sessão ordinária de 1º de novembro de 1973, p.57/58, onde um senador da Arena elogiava as elaborações do professor. Lembrar também que até um moderado como Ulisses Guimarães era à época crítico das proposições gradualistas, como aparece explicitamente em declaração sua publicada na Folha de São Paulo, em 19 de setembro de 1973, sob o título “MDB pode apoiar Geisel”.

[v] A Conferência foi publicada pelo próprio IPEAC em 1973, e também republicada em 1978 em conjunto com outros ensaios do autor. SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Poder & política. Crônica do autoritarismo brasileiro. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1978.

[vi] HUNTINGTON, Samuel. Abordagens da descompressão política. (mimeo). Disponível em: http://cpdoc.fgv.br/acervo/arquivospessoais. Para uma análise do mesmo, ver HOEVELER, Rejane. “Ditadura e democracia restrita: a elaboração do projeto de descompressão controlada no Brasil”. Monografia de conclusão de curso. Rio de Janeiro: IH/UFRJ, 2012. (disponível em: https://www.academia.edu/3563103/Ditadura_e_democracia_restrita_a_elaboracao_do_projeto_de_descompressao_controlada_no_Brasil_1972-1973.)

[vii] SANTOS, Op. Cit., p. 146.

[viii] “A política de descompressão, ao renunciar aos instrumentos genéricos de coação (atos, cassações, censura, etc), precisa substituí-los por instrumentos específicos de coerção, que obriguem as áreas liberadas a não,extravasarem os limites da descompressão planejada, e isto com a mesma agilidade e velocidade com que o extravasamento tende a ocorrer.” SANTOS, Op. Cit., p.154.


Extraído de:
http://blogconvergencia.org/blogconvergencia/?p=2063


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domingo, 16 de fevereiro de 2014

Brasil: por que querem fechar o regime?

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O Brasil pode mergulhar de vez no obscurantismo nos próximos dias caso a lei de terrorismo, ou a lei da “desordem” de Beltrame ou outra similar seja aprovada. Seria o ápice de um processo de recrudescimento do regime que já está em pleno andamento nos últimos anos.

É um equívoco creditar esse processo apenas à Copa do Mundo da FIFA, ainda que as exigências dessa entidade contribuam para o cenário mencionado. O contexto de crise econômica do capitalismo exige a ampliação das taxas de exploração para a manutenção da reprodução e acumulação do capital. E isso só pode se sustentar com o fechamento cada vez maior do regime democrático formal, o que tem ocorrido em vários países, aprofundando a crise de representação e de credibilidade da democracia burguesa.

A crise, obviamente, apresenta-se de formas distintas em diferentes países nos diferentes períodos. Em 2008, quando ela estoura, o Brasil se vê obrigado a mudar a sua política de priorizar o mercado externo e passar a vender no mercado inteiro. Como a renda do brasileiro é baixa o consumo passou a ser estimulado através do crédito. Mas, conforme já tinha demonstrado a experiência externa, tal medida, chamada erroneamente de anticrise, possui limites e eles estão sendo atingidos.

Ocorre que as classes dominantes não possuem um programa econômico alternativo. E para aprofundar o existente será preciso, como já foi dito, fechar cada vez mais o regime. Assim a triste e lamentável morte do cinegrafista da Bandeirantes, Santiago Andrade, caiu como uma luva para os planos do andar de cima. Por isso ela tem sido explorada largamente pela grande mídia, que já teve outros profissionais vitimizados fatalmente sem o mesmo destaque. Se ela não tivesse ocorrido outra desculpa seria arranjada.


O crescente recrudescimento do regime

Foi mencionado que o processo de endurecimento do regime no Brasil transcende a questão da Copa do Mundo da FIFA. Alguns fatos deixam isso muito claro:

- Em 2011, operários da Usina Hidrelétrica de Jirau, em Rondônia, fizeram uma grande greve denunciando as condições degradantes de trabalho. O Governo Dilma enviou a Força Nacional para reprimir os trabalhadores e avalizou a demissão de 6 mil operários, alegando que o problema era o excesso de trabalhadores no canteiro de obras. No ano seguinte os operários voltaram a reclamar das condições de trabalho, em uma nova greve, receberam o rótulo de "vândalos" e "bandidos" do Ministro-Chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, a Força Nacional foi enviada, mais de 20 trabalhadores foram presos, dos quais 12 simplesmente desapareceram! [1]

- Na Usina de Belo Monte, no Pará, a repressão transcende o movimento operário. Se a Força Nacional é acionada quando estes se levantam contra as degradantes condições de trabalho (como no ano passado onde a própria FN recolheu os crachás de 450 trabalhadores que acabaram demitidos), esta também é utlizada para reprimir as comunidades indígenas, como ocorrido no ano passado. No referido episódio chegou-se a multar um jornalista por ter gravado a ação policial e a Polícia Federal foi acionada para apurar quem eram os não índios que participaram do movimento. Some-se a isso a descoberta de um espião do governo no Movimento Xingú Vivo, o tráfico de pessoas e a exploração sexual praticados ao lado do canteiro de obras e as amesças de expropriação dos pequenos agricultores. O carro da Polícia Civil do Pará com o logotipo da Norte Energia evidencia quais interesses são protegidos pelos governos na referida obra. [2]

- Mostrando que o modos operandi é o mesmo em todas as grandes obras do PAC, no ano passado 16 trabalhadores da Hidrelétrica Ferreira Gomes, no Amapá, foram presos após uma greve que denunciava as condições precárias de trabalho. [3]

- Também no ano passado foi descoberta a espionagem do movimento sindical do Porto de Suape, em Pernambuco, pela Abin, medida defendida e justificada por Gilberto Carvalho. [4]

- A truculenta desocupação do Pinheirinho, em São José dos Campos, promovida pelo Governo Alckmin (PSDB) em 2012. Na mesma época, no Distrito Federal, o petista Agnelo Queiroz também promovia uma desocupação truculenta onde 29 pessoas foram presas. [5]

- No ano passado o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) publicou dados que mostravam que a média de índios assassinados nos governos de Lula e Dilma era superior ao do governo FHC. De acordo com a Funai em dez anos os governos petistas homologaram apenas 84 áreas indígenas contra 148 de FHC. No presente momento o Governo Dilma enviou o Exército para reprimir os Tupinambás, em Olivença, na Bahia, após enganá-los com a homologação das terras. A intervenção militar está amparada pela Portaria Normativa 3.461, da qual falaremos mais adiante. [6]

- No leilão de Libra foram mobilizados o Exército, a Marinha, a Força Nacional, a Polícia Federal, a Polícia Militar, a Polícia Civil e a Guarda Municipal. Houve dura repressão aos manifestantes. [7]

Há outros casos mas achamos suficientes os já citados. Vejamos agora as medidas buscadas e/ou aprovadas nos últimos anos:

- Em julho de 2012, a Presidente Dilma aprovou o "PROTEGER", sistema que visaria proteger os setores estratégicos do país - mais de 13.300 locais entre hidrelétricas, termelétricas, refinarias, estradas, telecomunicações, portos, aeroportos, etc. O referido sistema prevê a militarização das lutas sociais, ou seja, o uso do Exército contra os movimentos sociais e sindicais. Tal medida foi celebrada por jornalistas da grande mídia. [8]

- Em setembro do ano passado a Ambev e o Itaú, ambos patrocinadores da Copa, se reuniram com a Presidente Dilma, pedindo medidas contra os protestos. A partir daí o projeto de lei de terrorismo passou a andar dentro do Congresso e em janeiro o Senador Romero Jucá (PMDB) mencionou a necessidade de votar o quanto antes a matéria. [9]

- Há pouco tempo o Ministério da Defesa publicou a Portaria Normativa 3.461 de 19 de dezembro de 2013. O documento de 70 páginas usa o conceito de "Guerra de Massa" para justificar o uso das Forças Armadas contra os manifestantes, classificados como "Forças Oponentes", prevê a infiltração de agentes do governo e uma estratégia para ganhar o apoio da opinião pública para a repressão:
"Por se tratar de um tipo de operação que visa a garantir ou restaurar a lei e a ordem, será de capital importância que a população deposite confiança na tropa que realizará a operação. Esta confiança é conquistada, entre outros itens, pelo estabelecimento de orientações voltadas para o respeito à população e a sua correta compreensão e execução darão segurança aos executantes, constituindo-se em um fatorpositivo para sua atuação." [10]

Esse item corrobora o que fora assinalado antes: se não houvesse ocorrido a morte de Santiago outro motivo seria buscado ou produzido, isso se a própria morte do cinegrafista não foi produzida para o fechamento do regime, afinal a atuação do advogado dos suspeitos, Jonas Tadeu, é bastante estranha. [11]

E há forma mais eficaz de ganhar a população para reprimir manifestantes cuja pauta lhe é simpática senão tornando os mesmos diabólicos, horrendos e terroristas aos olhos do grande público?


O papel da grande mídia

Como se pode perceber conforme as medidas “anticrise” vão entrando em esgotamento crescem as contradições sociais, o andar de baixo se dispõe a lutar cada vez mais e o de cima reprime com mais frequência e intensidade.

A grande mídia não é apenas porta-voz dos interesses dominantes, ela própria é parte das classes dominantes. Por isso se opõe de forma decidida às greves, às lutas dos índios, dos sem-terras, dos sem-tetos e às manifestações de rua. Busca criminalizar todas essas lutas e caluniar os atores políticos das classes populares.

Quando as jornadas de junho começaram ela não vacilou em pedir pela repressão dos manifestantes. Foram atendidas, seus próprios trabalhadores foram espancados e gravemente feridos, sem que se exigisse e acompanhasse punição aos responsáveis - no caso a PM de São Paulo. [12]

A repressão indignou a população, que engrossou os protestos, fazendo com que jornalistas como José Datena e Arnaldo Jabor se retratassem publicamente. A grande mídia buscou então se relocalizar nos protestos tentando dizer qual seria a forma correta de ativismo sem, no entanto, deixar de manipular para criminalizar, quando era possível, como fez a Rede Globo na final da Copa das Confederações. [13]

A chama de junho não foi apagada até agora e as tentativas de manipulação midiática seguiram como no caso do molotov jogado por um P2 e a posterior tentativa de incriminar o ativista Bruno Ferreira Telles, durante a visita do Papa ao Rio, versão difundida pela grande mídia e desmentida pelas redes sociais. [14]

O ano de 2014 começou com uma série de greves, atos contra aumento das passagens, protestos que questionam a Copa do Mundo e comunidades se rebelando contra a falta de água, luz e a morte de seus jovens pela polícia. Cresce o nível de consciência da população em uma ponta e o medo dos poderosos na outra.

Em todos esses eventos a grande mídia busca deslegitimar de alguma forma o movimento dos de baixo. Na greve dos rodoviários de Porto Alegre, o jornalista Paulo Sant'Ana, do jornal Zero Hora-RBS-Globo, pediu pela prisão dos trabalhadores, desde o primeiro dia. O jornal Zero Hora buscou a todo o momento jogar a população contra os grevistas, o que não surtiu efeito dada a proximidade dos rodoviários com as comunidades e ao avanço no nível de consciência da população. [15]

A morte do cinegrafista Santiago Andrade surgiu como uma “oportunidade”, como disse O Globo, não só de tentar conter e fazer regredir esse nível de consciência mas de promover uma verdadeira caçada política e ideológica - inclusive nas universidades - com o intuito de remover os protestos. O Editorial de O Globo de 12 de fevereiro de 2014 não deixa nada a desejar ao seu Editorial de 2 de abril de 1964 que celebrou o golpe militar [16]. Assim fica completamente desmoralizada a tese do governismo de que as manifestações em curso beneficiariam a direita.


O reacionarismo governista

Em um momento em que a grande mídia clama abertamente pelo golpismo chama atenção o fato do governismo, que tanto gosta de chamá-la de PIG (Partido da Imprensa Golpista), guardar um silêncio no mínimo cúmplice.

Com algumas poucas exceções, a maior parte da blogosfera governista tem se mantido no mais absoluto imobilismo diante das absurdas calúnias difundidas pela grande mídia contra o PSOL, o PSTU e o conjunto dos manifestantes em versões frágeis criadas por um advogado suspeito.

Essa postura não é inocente. Assim como as classes dominantes e a grande mídia o governismo também se sente incomodado com os protestos, até porque muitos deles se dirigem aos seus próprios governos. Não foi por acaso que os senadores petistas Jorge Viana e Paulo Paim tenham se apressado a pedir pela aprovação da lei de terrorismo [17].

Como vimos anteriormente o recrudescimento do regime é protagonizado pelo próprio PT com repressões de movimentos sindicais e sociais e aprovação de medidas autoritárias.

Mas o PT não é apenas o principal fiador do atual sistema sócio-político ele é parte integrante dos que se beneficiam dele. Alguns de seus quadros se tornaram empresários, consultores e gestores de fundos de pensão. São sócios de grandes empresas nacionais e estrangeiras. Ganham com a especulação, com as privatizações e com os cortes de direitos dos trabalhadores.

Esses quadros integram outro setor social, com interesses não apenas distintos mas antagônicos aos do conjunto do andar de baixo. É, portanto, mais do que simples colaboração de classes. Por isso o movimento dos de baixo tem sido combatido pelo governismo tanto quanto o é pela Rede Globo e por articulistas direitistas como Reinaldo Azevedo.

Embora juristas apontem ser desnecessário a criação de novas leis [idem 16], a repercussão negativa da lei de terrorismo pode fazer com que as classes dominantes e a classe política elaborem e aprovem outra lei com a mesma essência. O Ministro da Justiça do Governo Dilma, José Eduardo Cardozo, andou falando em “regulamentar” as manifestações [18]. Não se pode deixar enganar pelo jogo de palavras. É muito comum se fazer uma coisa negando-a. Não se aumenta a jornada de trabalho, se cria um banco de horas. Não se acaba com as leis trabalhistas, flexibiliza-as. Não se acaba com o direito de greve, se exige 70% da força de trabalho.

Seja como for a tentativa de acabar com as lutas dos de baixo pode fracassar, como fracassaram manipulações anteriores, até porque com o esgotamento das medidas “anticrise” e o aprofundamento da crise capitalista, os ataques aos direitos dos de baixo serão cada vez maiores não os deixando outra alternativa que não seja se organizar e lutar. O sonho das classes dominantes de lucrar, explorar e roubar sossegadamente, às custas do andar de baixo e escudadas em uma lei de exceção [19], pode ter o efeito contrário e se transformar no seu mais terrível pesadelo.


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[1] As rebeliões nas obras do PAC (27/03/2011):

Para o capital, mais benesses; para o povo, o Exército (12/08/2012):

Ministro de Dilma chama trabalhadores de vândalos e bandidos (07/04/2012):

Jirau: operários presos, torturados, humilhados e desaparecidos. Ano X, nº 91, 1ª quinzena de julho de 2012.

Operários de Jirau presos e torturados no Presídio Urso Branco, sem atendimento médico e correndo risco de morte (16/05/2012):

Greves operárias nos canteiros das usinas do Pac no Rio Madeira, Pecém, Suape e São Domingos. Ano IX, nº 76, abril de 2011.

[2] Brasil: aumenta o entreguismo e a repressão (12/05/2013):

Belo Monte: Movimento Xingu Vivo sofre espionagem (25/02/2013):

Operário torturado em Jirau, de novo preso e sujeito a julgamento (25/01/2013):

[3] Liberdade para os operários do PAC presos no Amapá! (12/02/2013):

[4] Carvalho: Abin monitorou Suape por razões econômicas (10/04/2013):

[5] Desocupação no DF mostra que PT não se diferencia do PSDB (12/02/2012):

[6] “Somente no Governo Lula 452 índios foram assassinados. No Governo Dilma foram 108 até o momento. Juntando as duas gestões petistas tem-se uma média de 56 índios mortos por ano contra 20,8 de FHC. Um aumento de 269%!” (Um recorde macabro. 09/06/2013):

O Exército Brasileiro em Território Tupinambá de Olivença – O uso sistemático do terror para oprimir ou impor a vontade (14/02/2014):

[7] Leilão de Libra: entreguismo, mentiras, repressão e contradições (29/10/2013):

[8] Para o capital, mais benesses; para o povo, o Exército (12/08/2012):

[9] Temendo protestos na Copa, patrocinadores já apelam a Dilma (26/09/2013):

Congresso aprova projeto de lei que tipifica crime de terrorismo no Brasil (27/11/2013):

Nós temos que ter prioridade com esta questão. Não podemos ficar em descoberto, sem ter uma punição dura e forte contra qualquer ação terrorista e, portanto, é importante que essa lei possa ser votada rapidamente” (Romero Jucá. Congresso pode aprovar até março lei que define crime de terrorismo. 06/01/2014):

[10] Dilma se rende à Lei e Ordem: a ditadura da burguesia mostra a sua cara (22/01/2014):

[11] O Jogo dos “7 erros” do advogado do chefe da milícia (15/02/2014):

[12] O povo pede passagem (17/06/2014):

[13] Manipulação Global (04/07/2013):

[14] “A violência que ocorre contra as manifestações é também semeada pela mídia. Quem se lembra, por exemplo, quando em julho de 2013, por ocasião da visita do papa ao Rio de Janeiro, a Rede Globo de Televisão editou imagens e acusou, de modo leviano e irresponsável, o ativista Bruno Ferreira Telles de ter atirado um "coquetel molotov" contra a polícia? Em seguida, no entanto, foram levantados fatos e convincentes indícios, por iniciativa exclusiva dos demais manifestantes, de que: a) o artefato havia sido atirado por um policial infiltrado (P2), fato jamais esclarecido pelo Estado ou pela referida rede de televisão; b) que toda a edição de imagens da Rede Globo era falsa, quando não abertamente mentirosa e, por isso mesmo, criminosa; c) que as acusações faziam parte de uma estratégia da empresa de comunicação em parceria com o governo do Estado para criminalizar e desacreditar o movimento. Mais ainda: quem se lembra da atuação do Promotor Público em entrevista à referida emissora, condenando sem provas e totalmente fora de seu campo de atuação um manifestante por “tentativa de homicídio”? Ainda aguardamos os pedidos de desculpas da emissora da família Marinho e do agente público em questão pela exploração leviana e vil desses episódios.” (Nota Pública Sobre os Acontecimentos na Central do Brasil. Publicado em 15/02/2014 no Centro de Mídia Independente):

[15] Greve dos Rodoviários de Porto Alegre: uma autêntica rebelião de base (02/02/2014):

[16] As revelações de um editorial (15/02/2014):

[17] “O senador Paulo Paim (PT-RS) também defendeu a aprovação rápida do projeto. Ele tinha apresentado um requerimento solicitando que a matéria fosse analisada na Comissão de Direitos Humanos do Senado, o que atrasaria a análise em plenário, mas decidiu retirar o pedido. “Em vez de nós debatermos lá na Comissão de Direitos Humanos, eu renuncio ao meu requerimento e nós votamos a matéria aqui, em um amplo debate, de forma tal que aqueles que cometem crimes – e esse é o fato real de um crime – possam ser punidos com o rigor da lei, exemplarmente”, disse o senador.” (Senadores querem aprovação de lei antiterrorismo depois da morte de cinegrafista. 11/02/2014):

[18] José Eduardo Cardozo: "Chega. É hora de dar um basta" (15/02/2014):

[19] EMPRESAS REDOBRAM PRESSÃO POR SEGURANÇA. Patrocinadoras estreitam contatos com secretarias de segurança pública e pressionam governo federal (10/02/2014):


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