.
Osvaldo
Coggiola
Na
greve do funcionalismo público federal (Andes, Fasubra, Sinasefe,
principalmente) se concentram todas as contradições da política
brasileira. Em inícios de agosto, até os servidores (funcionários)
da Polícia Federal votaram sua entrada em greve. A oferta de
“reajustes” salariais do governo Dilma não cobre sequer as
perdas dos anos em que os salários permaneceram congelados, sem
falar na destruição da carreira funcional. Uma vez descontada a
inflação, mesmo usando índices modestos e otimistas, os reajustes
médios propostos pelo governo até 2015 variam entre 0,36% e 5,52%
negativos. A “economia de caixa” que o governo pretende com o
arrocho salarial federal está a serviço de uma política de
subsídios ao grande capital. Não se trata apenas do pagamento da
dívida pública, que compromete cerca de 50% do orçamento da União,
mas também, entre outras coisas, da utilização do endividamento
público para repasse direto de recursos a empresas privadas,
subsidiadas pelo BNDES (que acaba de comemorar o destino do montante
de R$ 342 milhões a um dos maiores conglomerados industriais do
mundo - a Volkswagen).
Benefícios
Sem Resultados
Desde
2008, o governo (então Lula) abriu mão de R$ 26 bilhões em
impostos para a indústria automotiva: cada carteira assinada pelos
monopólios do automóvel custou um milhão de reais ao país. O
resultado? A remessa, por essas empresas, de quase R$ 15 bilhões ao
exterior, na forma de lucros e dividendos, para cobrir os buracos de
caixa das matrizes “em casa” (EUA, Europa, Japão) e a onda de
demissões que ora se desenvolve no setor automobilístico. A crise
mundial não perdoou o Brasil, como irresponsavelmente Lula insistiu
em dizer ao longo de anos. A produção industrial recuou por três
meses consecutivos, e o investimento por três trimestres
consecutivos, em que pese os generosos créditos ao capital do BNDES
com taxas subsidiadas, configurando um panorama de recessão. Isto em
que pese o pacote de estímulos industriais, que perfaz a soma de R$
60 bilhões (desoneração fiscal, ampliação e barateamento do
crédito, redução de 30% do IPI, subsídios para as tarifas
elétricas, etc.). Em energia, houve 10% de redução para as grandes
empresas; os grandes empresários já pagam por uma energia
subsidiada, mas continuam pressionando o governo para uma redução
da carga tributária. Não bastasse todos os incentivos já
oferecidos, como as reduções tributárias para estimular a venda de
veículos e reduzir o estoque das montadoras nos pátios, agora o
BNDES também oferece recursos para elas brincarem de “inovação
tecnológica”.
A
crise mundial bate diretamente à porta do país: o saldo comercial
favorável de US$ 31,3 bilhões de novembro de 2011 (quando as
exportações brasileiras bateram recordes históricos) recuou para
US$ 23,9 bilhões em junho deste ano. A desaceleração do PIB já
bate as previsões mais pessimistas. A taxa de juros de longo prazo
foi reduzida de 6% para 5,5%, e o governo anunciou compras (máquinas,
caminhões, ônibus) por valor de R$ 6,6 bilhões. O resultado? Menos
de 1% de investimento no PIB, que não alcança para compensar nem
metade da queda do investimento durante o primeiro trimestre de 2012.
E novas demissões no setor automotivo, começando pela GM de São
José dos Campos, que anunciou 1.500 demissões e um plano de
delocalizações (o processo de demissões também vem afetando
outras montadoras: Volkswagen, Mercedes, Volvo).
A
Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2013 prioriza o superávit
primário e não assegura reajuste para o funcionalismo público além
do que for negociado até 31 de agosto, proporcionando a garantia do
superávit primário para remuneração dos parasitas financeiros (em
2012 a parcela do Orçamento Geral da União destinada aos juros e
amortizações da dívida já supera os 47%) e criando todo tipo de
obstáculo para a recuperação das perdas salariais dos servidores
públicos. Desde o Plano Real (1994), enquanto os gastos
governamentais ficaram congelados, a LDO garantiu atualização da
dívida de forma automática, mensalmente, e por índices calculados
por uma instituição privada, índices que tiveram variação muito
superior ao índice oficial de inflação, o IPCA. Sobre essa robusta
atualização ainda incidem elevados juros reais (a Lei de
Responsabilidade Fiscal limita gastos e investimentos sociais, mas
não estabelece limite algum para o custo da política monetária),
por isso a dívida brasileira é a mais cara do mundo, uma política
que foi acentuada pelos governos do PT. A dívida federal tem sido
atualizada automaticamente, mensalmente, pelo IGP-M. A dívida dos
estados (com a União) tem sido atualizada automaticamente,
mensalmente pelo IGP-DI. Ambos são calculados pela FGV e suas
variações no período foram muito superiores ao IPCA.
A
dívida pública brasileira já supera R$ 3,2 trilhões (em valores
de novembro de 2011), ou 78% do PIB, e consome quase metade dos
recursos da Federação. Tudo é bom para pagá-la, até o imposto de
renda das pessoas físicas, modificado sob a justificativa de
simplificação: diversas deduções foram abolidas, e o trabalhador
está cada vez mais onerado; enquanto desde 1996 as “pessoas
jurídicas” (empresas) podem deduzir juros calculados sobre o
capital próprio, despesa não efetivamente paga, fictícia, que
beneficia empresas altamente capitalizadas, como os bancos. Houve
fechamento de postos de trabalho em grandes bancos, principalmente
Itaú e Banco do Brasil. A rotatividade de mão de obra continua alta
nas instituições financeiras e é utilizada para reduzir a massa
salarial. O salário médio dos trabalhadores contratados, em número
menor às demissões, foi 38,2% inferior ao dos desligados.
Ataque
Histórico
O
arrocho salarial público e privado é, nesse quadro, o primeiro
patamar para um ataque histórico com vistas a que “os
trabalhadores paguem pela crise”. O corte de salário dos grevistas
das universidades, por exemplo, é uma medida inconstitucional, pois
desrespeita o preceito pétreo da autonomia universitária. A
resposta do funcionalismo (especialmente docentes e funcionários
educacionais) não se fez esperar: em tempo recorde foram paralisadas
58 das 59 universidades federais, e foram organizadas massivas
marchas e jornadas de luta em Brasília. Isto pese à forte atuação
de um pseudo sindicalismo pelêgo (Proifes) favorecido e subsidiado
pelo governo (e a CUT) nas universidades. Os auditores fiscais
empreenderam medidas de luta em todo o país, por um reajuste
salarial de 30%, que chegaram a paralisar o polo industrial de
Manaus. Os professores estaduais da Bahia já completaram quatro
meses de greve com assembleias multitudinárias. Nos servidores do
Ministério da Saúde (ex-INAMPS) e do MTE a proposta de greve por
tempo indeterminado não foi aprovada, mas está se realizando um dia
de paralisação por semana.
E
os trabalhadores do setor privado também começaram a reagir, com o
corte da Via Dutra pelos trabalhadores da GM, contra as demissões e
o “banco de horas” (flexibilização trabalhista); em São José
há um processo de reação dos metalúrgicos, com uma passeata com
2.500 trabalhadores e duas paralisações de duas horas (foi votado o
“estado de greve”), além de outras greves, por enquanto
localizadas. E teremos agora a entrada em cena de categorias
fundamentais como correios, petroleiros, bancários e metalúrgicos
com suas campanhas salariais no segundo semestre. Fundamental, após
mais de vinte anos sem realizar greve, os trabalhadores
eletricitários das empresas do grupo Eletrobrás – Furnas, Chesf,
Eletronorte, Eletrosul e outras 10 empresas – paralisaram a partir
de 16 de julho. A decisão pela greve foi tomada em assembleias
realizadas em todo país. Os trabalhadores não aceitaram a
contraproposta da empresa referente ao reajuste salarial,
reivindicando 10,73% (a Eletrobrás ofereceu apenas 5,1%). A
categoria tem cerca de 30 mil trabalhadores; a greve atinge 14
empresas, sendo oito são geradoras de energia. Os petroleiros (FUP)
também discutem a possibilidade de greve.
Revolta
dos Trabalhadores
A
revolta crescente dos trabalhadores é a revolta das forças
produtivas contra a decomposição do capital e a submissão
nacional. A postura do governo Dilma frente à greve nacional dos
docentes e, mais recentemente, dos técnicos e administrativos das
universidades federais não é uma simples “contenda trabalhista”,
embora a greve possua pauta precisa e objetiva: carreira, malha
salarial e condições de trabalho (mais concursos e recursos para as
instituições). Em 13 de julho, quando a greve dos professores das
universidades federais já estava a ponto de completar dois meses, o
governo finalmente ofereceu à categoria uma proposta, rejeitada
pelas assembleias de base da categoria. A partir dos dados do
ICV/Dieese e de uma projeção futura, o Andes estimou o reajuste
necessário em, pelo menos, 35%. Para a maior parte dos docentes, a
proposta do governo significará, em 2015, um salário real menor que
o recebido em 2000. A tendência é a greve continuar: na rodada
nacional de assembleias gerais, entre os dias 16 e 20 de julho, para
avaliar a proposta apresentada pelo governo, os professores
rejeitaram a proposta de modo categórico; as 58 AGs realizadas
rejeitaram a proposta, a maioria por unanimidade.
Depois
de agradar o capital (financeiro, industrial, comercial e agrário)
com todo tipo de “bondades”, ao longo da última década,
acentuadas no governo de Dilma Roussef, garantindo o total apoio
político daquele, o governo define agora a agenda de um ataque
histórico ao trabalho, mediante as “novas regras do INSS”
(destruição da previdência social pública e fator 85/95:
concessão de aposentadoria quando a soma da idade e do tempo de
contribuição for de 85 anos para as mulheres e de 95 anos para os
homens; sem falar que desde a implantação do “fator
previdenciário”, o governo “economizou” R$ 21 bilhões,
dinheiro roubado dos trabalhadores) e a “flexibilização do
mercado de trabalho” (adequação de legislação trabalhista às
necessidades do capital em crise): “Reforma da previdência,
flexibilização das leis trabalhistas e privatizações são temas
da velha Agenda Perdida, elaborada por economistas quando da primeira
eleição de Lula, em 2002”, de acordo com um comentarista do
capital, com vistas a “desobstruir os investimentos produtivos e
cuidar do crescimento da economia pelo lado da oferta”. O que quer
dizer este enigmático enunciado?
Reformas
Após Eleições
Segundo
Valor Econômico, “a presidente Dilma Rousseff prepara para depois
das eleições municipais a negociação com o Congresso de duas
reformas: a da previdência do INSS, em troca do fim do fator
previdenciário, e a que flexibiliza a legislação trabalhista, cujo
anteprojeto está na Casa Civil e que deverá dar primazia ao que for
negociado entre as partes sobre o legislado, ampliando a autonomia de
empresas e sindicatos”. Seriam tomadas “medidas de concessão do
serviço público ao setor privado, redução dos encargos da conta
de energia elétrica, reforma do PIS/Cofins e incorporação de mais
setores na desoneração da folha de salários”. Dilma realizaria o
“trabalho sujo” que o governo Lula deixou pendente.
Porque
agora? Pelo impacto da crise (mundial): só no Estado de São Paulo,
nas plantas de São José dos Campos e São Caetano do Sul, a GM já
demitiu em quinze meses mais de dois mil operários, 1.400 só em São
José dos Campos. Entre outras coisas, a idade mínima de
aposentadoria seria elevada (acabando com a aposentadoria por
contribuição e instituindo a idade mínima de 65 anos para homens e
60 anos para as mulheres) e a desoneração da folha salarial, já
implementada, seria acrescida da facilitação para demitir e
contratar precariamente, ou “Contrato Coletivo Especial”. O
governo propõe o “Acordo Coletivo de Trabalho com Propósito
Específico” (ACE), que regulamentaria a criação de Comitês
Sindicais de Empresa (CSE), ignorando a legislação trabalhista e os
próprios sindicatos por categoria. É um ataque histórico às
conquistas dos trabalhadores.
E
há um recrudescimento do processo de criminalização das lutas e
organizações dos trabalhadores e da violência contra os pobres que
se manifesta nos assassinatos de dezenas de jovens pobres e negros
pela polícia na periferia de São Paulo; violenta repressão às
greves dos operários da construção civil (há operários presos
até hoje em Rondônia, devido à greve que ocorreu de Jirau, em
abril); a violência da desocupação do Pinheirinho; ameaças de
morte a dirigentes e ativistas de movimentos populares da cidade e do
campo. Diante disso também há um crescimento das lutas populares,
tanto no campo quanto na cidade, como se expressou na resistência do
Pinheirinho, em diversas outras ocupações urbanas, na luta
quilombola (como no Quilombo do Rio dos Macacos, na Bahia).
Reação
A
reação operária e sindical provocou que, surpreendentemente, “a
Central Única dos Trabalhadores (CUT) repudia(e) veementemente a
publicação do decreto governamental 7777 que prevê a substituição
dos servidores públicos federais em greve por servidores estaduais e
municipais” (isto sem falar no corte de ponto do funcionalismo
ordenado por Dilma) e até uma fração do PT, até aqui
caracterizada pela obsequencia, manifestasse que “no governo Dilma
os salários foram congelados no primeiro ano de governo e as
reposições inflacionárias passaram a ser promessas, feitas de
forma parcelada e após o período de apuração”, o que é menos
do que uma parte da verdade (os salários foram congelados bem
antes). Ora, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (CUT) encaminhou ao
governo e ao Congresso Nacional um Anteprojeto de Lei que modifica a
CLT e cria o Acordo Coletivo Especial, cujo conteúdo essencial é
“fazer prevalecer o negociado sobre o legislado” nas relações
de trabalho. Certamente, a CUT nada faz para unificar as lutas, e
menos ainda para organizar um plano de lutas de toda a classe
trabalhadora, mas essas manifestações públicas anunciam uma crise
na base política histórica do governo petista.
Está
colocada, portanto, a luta por uma frente sindical e política pela
defesa da classe trabalhadora, pela unificação das greves e das
lutas do setor público e privado, e pela independência de classe.
Depois de uma década, a base política do governo está rachando:
sobre a base da mobilização, e das plenárias de base estaduais e
nacionais, devemos propor a frente única das organizações
operárias e populares, por um Plano Unificado de Lutas para fazer
com que os capitalistas, não os trabalhadores e a nação, paguem
pela crise.
Extraído
de:
http://carosamigos.terra.com.br/index/index.php/artigos-e-debates/2357-classe-trabalhadora-reage-a-um-ataque-historico
.