Na semana passada
repercutiu amplamente as declarações de dois deputados federais
gaúchos, Luis Carlos Heinze (PP) e Alceu Moreira (PMDB), proferidas
em um encontro com produtores rurais na cidade de Vicente Dutra, no
Rio Grande do Sul, realizado em 29 de novembro de 2013.
No evento Heinze declarou
que “quilombolas, índios, gays, lésbicas” são “tudo o que
não presta” e sugeriu aos agricultores que contratassem seguranças
privados para atacar os índios quando achassem necessário. Em apoio
à proposta de Heinze, Moreira chegou a afirmar que o Conselho
Indigenista Missionário (CIMI) e os índios integram uma rede de
conspiração internacional contra os interesses do Brasil,
obstruindo a expansão das fronteiras agrícolas. [1]
http://www.youtube.com/watch?v=PjcUOQbuvXU
Tais intervenções,
abertamente reacionárias, devem, obviamente, ser condenadas no mais
alto grau por todos aqueles que desejam um mundo mais justo,
igualitário e sem preconceitos.
Mas em ano eleitoral a
hipocrisia e a demagogia não tardam a mostrar as suas faces. De olho
na eleição estadual, onde a Senadora Ana Amélia Lemos, do mesmo
partido de Heinze, pode ser a principal concorrente do governador
Tarso Genro, o PT não tardou a se apresentar como o campeão da
defesa de setores que têm padecido profundamente mesmo em suas
gestões.
Em primeiro lugar é
preciso destacar que ambos os deputados integram partidos que fazem
parte da base do Governo Dilma, sendo que o PMDB de Moreira possui a
Vice-Presidência da República. E que o partido de Heinze e Ana
Amélia, o PP, por pouco não integrou o Governo Tarso. Não foi,
portanto, acidental que Ana Amélia e o petista Walter Pinheiro
tenham trabalhado juntos no PL 728/2011, a famosa lei de terrorismo.
Em segundo lugar é
preciso lembrar que as comunidades indígenas vem sendo perseguidas e
reprimidas pelos próprios governos petistas. Dois dias após o vídeo
de Heinze e Moreira vir a público, os Tupinambás, em Olivença, na
Bahia, denunciavam ao país que o Governo Dilma havia rompido seu
compromisso com os mesmos e que havia enviado as suas forças de
repressão para garantir a integridade da sua traição:
"Ao
lembrar que nós acreditamos nas propostas e no discurso eleitoreiro
que o PT trazia para todos os excluídos, não imaginávamos que não
passava apenas de falácias, se posando de partido de esquerda, para
ludibriar os que sempre sofreram por falta de oportunidade, o MUNDO
precisa saber que o governo brasileiro, enviou o Exército, além da
Força Nacional, Polícia Militar e Civil, onde com seus vôos
rasantes de helicóptero, com câmara filmadora e armas de guerra em
punho, estão partindo para o uso sistemático do terror para oprimir
ou impor a vontade, tendo como agente o aparelho do Estado, a ainda
encontramos pessoas que acreditam que no Brasil, nunca houve guerras,
perguntamos, e o que significa isso em terras tupinambás?
(...)
Quando
a ditadura colocava essa mesma polícia no encalço da Presidenta e
do Governador Jaques Wagner,e dos seus companheiros, qual seria o
sentimento deles?
Quando
tudo poderá ser resolvido com a DEMARCAÇÃO JÁ, do nosso
território, mas faltam-lhes vontade política, respeito e
cumprimento do dever, o descaso para com as questões indígena é
vergonhoso." [2]
No ano passado, uma
operação de reintegração de posse liderada pela Polícia Federal,
acabou com a morte do índio Terena, Osiel Gabriel, no Mato Grosso do
Sul. O Cacique Kaingang Valdomiro Vergueiro, do Morro do Osso, em
Porto Alegre, não teve dúvidas quanto ao responsável pela
tragédia:
"Nós
estamos revoltados com essa ação e com a política do governo
federal que não quer demarcar terra para os índios e autoriza a
polícia a nos massacrar. Estamos cansados de tanta violência.
Estamos cansados de esperar que o governo cumpra com suas
responsabilidades." [3]
Ainda no ano passado foi
descoberto que o Movimento Xingu Vivo, que atua em Belo Monte, sofreu
a infiltração de um agente que passava informações para a Abin
[4]. Em uma das mobilizações indígenas na região o Governo Dilma
não se contentou apenas com a negativa em negociar, mas enviou a
Força Nacional, censurou jornalistas por registrar a repressão e
abriu um inquérito, via Polícia Federal, para apurar quem eram os
não indígenas que participaram do ato - uma clara tentativa de
quebrar a solidariedade de outros setores com os índios. [5]
Dados divulgados pelo
Conselho Indigenista Missionário (CIMI) evidenciam como a questão
indígena vem sendo tratada pelos governos petistas: 560 índios
foram assassinados durante suas gestões (452 nos anos Lula e 108 nos
de Dilma – por enquanto), uma média de 56 por ano, um aumento de
269% em relação aos Governos de Fernando Henrique Cardoso, quando
167 índios foram assassinados, uma média de 20,8 ao ano. [6]
Os governos petistas
também perdem para o de Fernando Henrique na homologação de terras
indígenas: 84 contra 148, conforme informado pela Fundação
Nacional do Índio (Funai). [idem 6]
Tais dados apenas
confirmam que, assim como na cidade, no campo os governos petistas
optaram por favorecer os mais fortes. O Plano Safra 2013/2014, por
exemplo, possui recursos da ordem de R$ 136 bilhões [7]. O Banco do
Brasil disponibilizou R$ 70 bilhões para o crédito rural sendo que
apenas em torno de 19% (R$ 13,2 bilhões) são para a agricultura
familiar [8], setor que produz 70% dos alimentos presentes nas mesas
dos brasileiros. [9]
A violência contra os
índios em nível nacional também se faz presente no Rio Grande do
Sul. No ano passado índios e quilombolas foram até o Palácio
Piratini e foram recebidos com bombas pela Brigada Militar do Governo
Tarso. [10]
http://www.youtube.com/watch?v=jZxMjOr4X1I
Apesar de todo esse
cenário, o governismo, apostando na falta de memória e na ocultação
dos fatos, se apresenta de forma oportunista como o campeão da
defesa dos interesses das minorias, visando unicamente a reeleição
do medíocre Governo Tarso. Passado o processo eleitoral é fartos
recursos para os latifundiários e polícia para os índios,
quilombolas e sem-terras.
O cretinismo eleitoral
fica ainda mais evidente quando se percebe que nenhuma audiência
pública ou denúncia de racismo e preconceito foi feita pelo
governismo quando, em 2011, em uma fala similar a de Heinze, o então
Presidente do Ibama, o também gaúcho Curt Trennenpohl, sem saber
que estava sendo gravado, sugeriu, para uma emissora australiana, que
os índios brasileiros seriam exterminados. [11]
_______________________________________
[1] Deputado diz que
quilombolas, índios e homossexuais são “tudo o que não presta”
e incita violência (12/02/2014):
“Quando
o governo diz: ‘nós queremos crescimento, desenvolvimento. Tem de
ter fumo, tem de ter soja, tem de ter boi, tem de ter leite, tem de
ter tudo, produção’. Ok! Financiamento. Estão cumprimentando os
produtores: R$ 150 bilhões de financiamento. Agora, eu quero dizer
para vocês: o mesmo governo, seu Gilberto Carvalho, também é
ministro da presidenta Dilma. É ali que estão aninhados
quilombolas, índios, gays, lésbicas. Tudo o que não presta ali
está aninhado.
(...)
O
que estão fazendo os produtores do Pará? No Pará, eles contrataram
segurança privada. Ninguém invade no Pará, porque a brigada
militar não lhes dá guarida lá e eles têm de fazer a defesa das
suas propriedades”, diz o parlamentar. “Por isso, pessoal, só
tem um jeito: se defendam. Façam a defesa como o Pará está
fazendo. Façam a defesa como o Mato Grosso do Sul está fazendo. Os
índios invadiram uma propriedade. Foram corridos da propriedade.
Isso aconteceu lá”. (Luis Carlos Heinze)
“Por
que será que de uma hora pra outra tem que demarcar terras de índios
e de quilombolas? O chefe dessa vigarice orquestrada está na
antessala da presidência da República e o nome dele é Gilberto
Carvalho. Por trás dessa baderna, dessa vigarice, está o Cimi, uma
organização cristã, que de cristã não tem nada. Está a serviço
da inteligência norteamericana e europeia para não permitir a
expansão das fronteiras agrícolas no Brasil.
(…)
Nós,
os parlamentares, não vamos incitar a guerra, mas lhes digo: se
fartem de guerreiros e não deixem um vigarista desses dar um passo
na sua propriedade. Nenhum! Nenhum! Usem todo o tipo de rede. Todo
mundo tem telefone. Liguem um para o outro imediatamente. Reúnam
verdadeiras multidões e expulsem do jeito que for necessário. A
própria baderna, a desordem, a guerra é melhor do que a injustiça”
(Alceu Moreira)
[2] O Exército
Brasileiro em Território Tupinambá de Olivença – O uso
sistemático do terror para oprimir ou impor a vontade. (14/02/2014):
[3] “No dia do Corpo de
Cristo, mataram nosso parente Terena Osiel Gabriel” (31/05/2013):
[4] Belo Monte: Movimento
Xingu Vivo sofre espionagem (25/02/2013):
[5] Brasil: aumenta o
entreguismo e a repressão (12/05/2013):
[6] Um recorde macabro
(09/06/2013):
[7] Plano Agrócila e
Pecuário 2013/2014. Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento. Secretaria de Política Agrícola. Brasília / DF,
2013.
Plano
Safra: total de recursos é 18% maior que o da última temporada
(04/06/2013):
[8] Estão disponíveis
os recursos de R$ 136 bilhões para o plano safra 2013/2014.
[9]
Agricultura familiar já produz 70% dos alimentos consumidos no
mercado interno do país, informa Pepe Vargas (05/06/2012):
[10]
BM faz uso de bombas contra indígenas que acampavam em frente ao
Piratini (30/08/2013):
Brigada
confronta com bombas de gás indígenas e quilombolas (02/09/2013):
[11] O real caráter da
política ambiental dos Governos Lula e Dilma (17/07/2011):
Deputado
e entidades denunciam Heinze e Moreira por racismo, homofobia e
incitação à violência (18/02/2014):
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