"A
verdade é dura: a Rede Globo apoiou a ditadura!"
(Refrão cantado seguidamente pelos manifestantes nas ruas)
As lutas
populares têm se intensificado no país, de forma cada vez mais
frequente e, por vezes, espontânea. 2014 está apenas no seu segundo
mês e diversas greves se espalham pelo país (com destaque para a
dos rodoviários de Porto Alegre), além de protestos contra o
aumento das passagens de ônibus e questionando a Copa do Mundo assim
como de comunidades que se rebelam por falta de água, luz e
assassinato de seus jovens pela polícia.
Nesse
contexto, a trágica e triste morte do cinegrafista da Bandeirantes,
Santiago Andrade, tem sido explorada de forma sórdida pelas classes
dominantes, e pelos políticos a seu serviço, com a clara intenção
de acabar com os protestos populares - fruto das consequências dos
seus próprios desmandos - e perseguir a oposição política mais
organizada. O Editorial de O Globo, de 12 de fevereiro, não
deixa a mínima dúvida quanto a isso.
Com o
título “Os inimigos da democracia” [1] a publicação da
empresa midiática que apoiou e justificou a ditadura militar com
editoriais similares [2], e que teve de fazer mea culpa por essa
posição recentemente [3], mostra que não se satisfaz apenas com a
apuração da morte do cinegrafista mas que busca uma verdadeira
caçada política e ideológica, cujo filtro não poupa nem as
universidades:
“A morte de Santiago Andrade tem de servir, ao menos, para uma
intensa e profunda reflexão sobre distorções escondidas nos
subterrâneos de militâncias expostas em perfis falsos nas redes
sociais que difamam pela internet, em sindicatos de jornalistas
aparelhados e desconectados da profissão, em universidades
transformadas em centro de doutrinação política, em funções
desvirtuadas em assessorias de partidos políticos — para citar os
pontos de intoxicação ideológica autoritária mais visíveis.”
O grupo
que já praticou manipulação de imagens para incriminar
manifestantes acusa-os agora do seu delito [4]. E, em que pese o fato
de muitos juristas apontar que a legislação brasileira já dispõe
de leis que dão conta de casos como o da morte do cinegrafista [5],
o Globo não vacila em abraçar a autoritária proposta de Beltrame:
“O secretário de Segurança do Rio de Janeiro, José Mariano
Beltrame, propõe alterações na legislação para melhor tipificar
e, portanto, punir, manifestantes delinquentes. Boa sugestão.
(...)”
O
Globo vê a morte de Santiago como uma “oportunidade” para
perseguir e caçar os setores da esquerda que participam e apóiam os
protestos e se mostra incomodada com aqueles que questionam a forma
de funcionamento de veículos de mídia como o seu:
“(...) Não se pode perder esta oportunidade, até mesmo em
homenagem a ele. Entender e expor o que se passa é a única maneira
de se começar a agir para prevenir outras tragédias. O crime jogou
luz sobre a inaceitável atuação do gabinete do deputado estadual
Marcelo Freixo (PSOL) em defesa de vândalos. Ele e partido precisam
explicar a função dupla de Thiago de Souza Melo, assessor do
deputado, pago, portanto, pelo contribuinte, e, ao mesmo tempo,
advogado de black-bloc e similares. Não pode, também, deixar de
responsabilizar a campanha, sistemática, via internet, contra os
veículos da imprensa profissional, chamados pejorativamente de
"mídia corporativa", quando é a publicidade privada que
garante a independência de fato deles, ao contrário de sites, blogs
e publicações bancados por verba pública.
(...)
Também são de praxe as declarações de pesar feitas por políticos,
inclusive Freixo, já encontrado no passado em atos típicos de quem
deseja mais "acirrar contradições" do que trabalhar pelo
apaziguamento em conflitos sociais e políticos.”
Quanta
coerência tem para falar de recebimento de verbas públicas o grupo
que mais as recebe! [6] Mas as contradições não cessam aí. A luz
dos dados divulgados pelos próprios representantes dos jornalistas,
que mostram que a maior parte das agressões sofridas pelos mesmos
partiram da polícia [7], O Globo não tem dúvida de quem são
os seus algozes:
“Criou-se um ambiente tal de hostilidade que repórteres viraram
alvo de marginais travestidos de manifestantes, até chegarmos ao
assassinato de Santiago. É óbvio que a punição tem de ser
exemplar, para sinalizar os limites que têm de existir num país
democrático em qualquer manifestação popular.”
E, por
fim, termina defendendo a caçada daqueles que não se dobram ao
status quo o qual O Globo faz parte e se beneficia:
“Agora, é preciso ir muito além do declaratório. Tem-se de
repudiar estes grupos e agir para que eles, garantidos todos os
direitos estabelecidos em lei, sejam de fato contidos e punidos.
Partidos, organizações sociais, sindicatos têm de, às claras,
mostrar de que lado estão: da violência justificada pelos fins ou a
favor do estado de direito democrático, no seu sentido mais amplo.”
A crise
institucional e de credibilidade que assola o país também atinge a
grande mídia até porque a internet fura o seu bloqueio, desmentindo
suas matérias e mostrando o que ela esconde.
Porta voz
dos interesses das classes dominantes, da qual ela própria é parte,
a grande mídia se sente incomodada com uma conjuntura em que o povo
cria cada vez mais consciência e que luta por seus direitos e contra
os descalabros do andar de cima.
Sendo
assim O Globo vê na morte de Santiago uma
“oportunidade” para conter a elevação desse nível de
consciência e acabar com as lutas populares através do
recrudescimento autoritário do regime, o que não seria novidade
para a empresa dos Marinho.
Parece
que os manifestantes terão que atualizar um certo refrão cantado
nas ruas: “A verdade é dura: a Rede Globo quer outra ditadura!”
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[1] Os
inimigos da democracia. (12/02/2014):
[2]
Ressurge a democracia. Editorial de O Globo de 2 de abril de 1964.
Publicado no Conversa Afiada de 31/03/2011.
[3]
Apoio editorial ao golpe de 64 foi um erro. O Globo, 31/08/2013.
[4]
Apenas para citar um exemplo, em 30 de junho de 2013, na final da
Copa das Confederações, a Rede Globo manipulou imagens e
informações dos protestos ocorridos no Rio de Janeiro. Foram
desmentidos pelas mídias sociais.
[5]
“Segundo o professor de Direito Constitucional da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Leonardo Vizeu, o país não
precisa criar uma lei reunindo as demais, mas aplicar as existentes.
“Já temos o crime de dano, de formação de quadrilha, de lesão
corporal e apologia ao crime. Não precisamos de uma lei de forma
casuística”, disse. Ele avalia que a proposta se aproveita da
comoção em torno da morte do cinegrafista Santiago Andrade, durante
protesto no Rio.” (Juristas condenam projeto de lei
antiterrorismo. Brasil 247, 12/02/2014)
[6]
Globo concentra verba publicitária federal (13/09/2012):
[7]
“Um levantamento realizado pela Associação Brasileia de
Jornalismo Investigativo (Abraji), mostrou que 75,5% das agressões
contra jornalistas em eventos como manifestações e protestos, no
Brasil, são de responsabilidade de agentes da Força Nacional e
policiais.” (Policiais são responsáveis por mais de 75% das
agressões a jornalistas, diz Abraji. Correio da Bahia, 12/02/2014)
“Abraji diz que maioria de agressões no país contra
jornalistas desde junho foi intencional” (14/02/2014):
No mesmo dia em que o cinegrafista da Bandeirantes foi atingido, um
repórter alemão, da Deutsche Welle, que cobria o protesto, foi
agredido pela polícia, o que gerou indignação do veículo e carta
na Embaixada do Brasil em Berlim:
“O jornalista alemão Philipp Barth cobria o protesto contra o
aumento do preço da passagem de ônibus no Rio. A manifestação,
que no início era pacífica, transformou a região da Central do
Brasil num palco de violência. O correspondente da DW recebeu golpes
de cassetete na barriga e nas costas de um policial. Alguns dos
golpes atingiram também sua câmera, que ficou danificada.”
(Deutsche Welle protesta por agressão policial a correspondente no
Rio. Deutsche Welle, 12/02/2014)
.