domingo, 2 de dezembro de 2012

Por uma luta consequente!

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A chegada do PT ao poder central e os efeitos de sua administração têm impactado tanto à direita quanto à esquerda. A direita política carece de argumentos para se opor ao governo pelo fato dele ter se apropriado do seu programa político, econômico e de reformas. A esquerda, que aparentemente estaria em uma condição mais favorável para se opor ao governo, também tem sido afetada pelas contradições desse processo - o que de certa forma é natural.

Em geral, a grande maioria da esquerda brasileira não têm conseguido opor um programa com consistência ou mesmo cravar uma oposição consequente ao petismo. Se impressionam com a popularidade de seus governos, se omitem de denunciar o real caráter dos programas assistencialistas [1] e chegam até a chamar voto em suas candidaturas alegando mal menor, entre outras confusões.

Ainda há tempo - não muito - para corrigir esses deslizes. A crise capitalista que está mais evidente nos Estados Unidos e na Europa deverá se aprofundar no próximo período. No Velho Mundo as massas têm rompido com a socialdemocracia e, em alguns casos, questionado a ordem política e econômica. O Brasil não passará incólume por isso. A crise também se aprofundará por aqui e os ataques aos trabalhadores devem iniciar a ruptura das massas com as lideranças carismáticas petistas. Nesse contexto somente um programa e uma oposição consequentes serão capazes de desvendar a farsa e apresentar uma proposta alternativa ao povo brasileiro.


A transformação e adaptação do PT

A maioria da esquerda brasileira tem uma caracterização correta do processo que levou à transformação do PT em um partido da ordem. Mas compreender esse processo é importante não apenas para não repetir a História mas para fazer uma oposição consequente aos seus governos.

De forma resumida pode-se dizer que há elementos objetivos e subjetivos que contribuíram para a adaptação do PT à ordem e que inclusive há uma interação dialética entre eles.

Nascido em meio às lutas contra a ditadura militar e as grandes greves operárias o PT nunca foi um partido antisistema strictu sensu. Mesmo em sua fase mais radical nunca passou de um partido majoritariamente reformista. Esse elemento subjetivo, aparentemente inofensivo em uma olhada apressada, possibilitou a eclosão do elemento objetivo acomodação. Afinal, se a reforma do existente é o horizonte qual seria o problema de se inserir na ordem? Logo os companheiros foram se tornando consultores de empresas, empresários, gestores de fundos de pensão, etc.

Percebe-se que o processo de adaptação é mais longo e complexo não se limitando ao simples "tocar o poder". Obviamente não se pode excluir desse processo o impacto da queda dos regimes do chamado socialismo real, outro elemento objetivo que afetou diretamente o subjetivo, pois reforçou ainda mais as posições reformistas no interior do partido.

Mas há outro elemento objetivo fundamental a ser considerado: as mudanças no interior do sistema capitalista nas últimas décadas que tornaram as reformas em seu interior inviáveis.

Foram as mudanças na base produtiva do sistema que levaram à adoção da gestão neoliberal do capitalismo em detrimento da vertente keynesiana com a consequente financerização da economia, ampliação da forma mercadoria e rebaixamento e exclusão dos direitos sociais.

Logo, quando o PT chegou ao poder central nem ele e nem o capitalismo eram mais os mesmos. Seus dirigentes já estavam acomodados e com interesses comuns com o sistema, além de encontrarem-se enredados em sua complexa teia de relações sócio-econômicas. O capitalismo não era mais reformável e as lideranças petistas não estavam mais dispostas ao reformismo, uma vez que isso significava enfrentar a si próprios. Essa combinação ajuda a compreender a aparente mudança meteórica de posição de seus quadros políticos.


Mais do que colaboração de classes

Conforme os "companheiros" foram galgando postos na hierarquia foram não apenas se descolando das bases e se aproximando das classes dominantes como desenvolvendo interesses próprios de outro setor social.

Convertidos em consultores, empresários, gestores de fundos de pensão, etc, passaram a ganhar com a especulação, com a dívida pública e até com as privatizações - onde são sócios das grandes corporações. Isso ajuda a entender porque a direção da CUT tem apoiado contra-reformas na previdência, flexibilização dos direitos trabalhistas e privatizações.

Esses setores já estão do outro lado da trincheira e como tais têm feito - e farão - de tudo para manter e ampliar seus privilégios. Não é por acaso que os governos petistas reprimam as greves de trabalhadores e que os chamem de "vândalos" como fizeram em Jirau. Não é por acaso que tenham aderido e ressuscitado todo o palavreado da ordem que já estava desgastado como a proclamação da eficiência privada, a demonização dos servidores e do serviço público, o mito do déficit da previdência, entre outros.

A mudança material de muitos dos principais quadros do PT e as inevitáveis medidas tomadas para defender suas novas posições sociais, via seus governos, os tornam inimigos de classe e como tais devem ser encarados e combatidos!

Infelizmente, apesar de visualizar essa realidade na teoria, a maior parte da esquerda brasileira escorrega na prática. As consequências, que não têm sido das melhores no presente, poderão se tornar trágicas em um futuro não muito distante.

Algumas lutas sociais têm demonstrado o caráter vacilante dessa escorregada prática, mesmo que tática. Palavras de ordem como "Dilma veta" e "Dilma desapropria" criam no imaginário da base a falsa ilusão de que o seu governo é amigo e aliado ou de que é vítima de um Congresso Nacional no qual possui a maioria parlamentar. Se não se diz "Serra veta" ou "Alckmin desapropria" não há o porque desse rebaixamento diante dos governos petistas. Ou o "Dilma desapropria" resolveu alguma coisa para o povo do Pinheirinho?

Essa tática, que tem levado a derrotas da classe, acaba desarmando o movimento para as lutas e retrocedendo ainda mais o nível de consciência. Em vez de "Dilma veta" deve-se denunciar a sua política de vale tudo e de alianças espúrias que não serve aos trabalhadores como dizem os governistas. Na verdade essa política de alianças amplas é uma necessidade material dos "companheiros" que adquiriram novos interesses a partir de sua nova posição social. O discurso de governabilidade não passa de manobra retórica para ludibriar a base.

Em vez de "Dilma desapropria" deve-se denunciar a sua política de incentivo a especulação imobiliária que acarreta na desapropriação e expulsão dos mais pobres, política que apenas é replicada nos Estados e Municípios por governos demotucanos.


Um programa para as massas

O tipo de vacilo referido anteriormente não é isento de bases. Uma delas é a popularidade das lideranças carismáticas petistas que acaba impressionando de forma demasiada alguns setores da esquerda, o que influencia na sua prática política.

Esses setores não teriam a mesma postura se em vez de Lula, fosse Alckmin ou Serra que despontassem com grandes índices de popularidade. Porém, o método da independência política e de classe deveria valer para todos.

Os que desejam mudanças sociais profundas não devem se deixar abalar pelo prestígio da adversidade, ou pelo menos não deveriam. Um governo que é celebrado pelo imperialismo, pela burguesia mundial e nacional, por arrivistas do movimento social tem tudo para ter índices elevados de aprovação. Ainda mais se os que estão à esquerda dele também dão sua cota de contribuição com vacilos políticos.

Guardando relação com o anterior, o medo do sectarismo e do isolamento político é outro aspecto observado. A consequência disso é que até voto nas candidaturas petistas são defendidos sob a alegação do mal menor.

Na realidade concreta essa tática não só tem ajudado na confusão no seio da classe e inflado o apoio ao PT como ainda tem fomentado o mal maior, já que a coalizão que apóia e celebra o projeto petista cria uma ferramenta política com poderes sem precedentes para atacar os direitos da classe trabalhadora e ampliar os privilégios ao capital. Como disse o próprio Lula, os ricos nunca ganharam tanto dinheiro quanto na sua gestão. Parafraseando o ex-presidente, podemos afirmar que "nunca antes na História desse país" a CLT correu tanto risco!

Os ensinamentos de Marx e Engels nos mostraram que a independência política e de classe é o método correto. Descrevendo uma tática política para a Liga dos Comunistas, em 1850, os pais do socialismo científico se posicionaram da seguinte maneira diante da pressão pelo suposto mal menor:

"Por toda a parte, ao lado dos candidatos democráticos burgueses, sejam propostos candidatos operários, na medida do possível de entre os membros da Liga e para cuja eleição se devem accionar todos os meios possíveis. Mesmo onde não existe esperança de sucesso, devem os operários apresentar os seus próprios candidatos, para manterem a sua democracia, para manterem a sua autonomia, contarem as suas forças, trazerem a público a sua posição revolucionária e os pontos de vista do partido. Não devem, neste processo, deixar-se subornar pelas frases dos democratas, como por exemplo que assim se divide o partido democrático e se dá à reacção a possibilidade da vitória. Com todas essas frases, o que se visa é que o proletariado seja mistificado. Os progressos que o partido proletário tem de fazer, surgindo assim como força independente, são infinitamente mais importantes do que o prejuízo que poderia trazer a presença de alguns reaccionários na Representação. Surja a democracia, desde o princípio, decidida e terrorista contra a reacção, e a influência desta nas eleições será antecipadamente aniquilada." (Grifo nosso) [2]

Há ainda os que se armam politicamente para dialogar com setores que ainda estão no interior do PT, na esperança de ganhá-los. Essa tática tem surtido poucos efeitos. Na maioria das vezes, em vez de ruptura dos setores que estão dentro do PT, ocorre o rebaixamento programático e a capitulação diante do governo pelos que estão fora. Tudo para "não romper o diálogo".

Cabe salientar que as contradições têm atingido o conjunto da esquerda brasileira. Nem mesmo as organizações pequenas, por vezes consideradas seitas, escapam desse processo. Como exemplo temos alguns desses grupos defendendo as mesmas posições que os governistas em relação ao julgamento do mensalão.

Como se percebe o moinho da confusão recebe água de todos os lados. Para superar esse processo o mais adequado continua sendo a elaboração e defesa de um programa que dialogue não com setores políticos, às vezes pequenos, mas com as demandas concretas da população. Se bem articulado não há risco de isolamento político, tampouco de se ser considerado sectário.

No entanto, é preciso ser firme e consequente. Não dá para pegar, por exemplo, a demanda popular moradia e depois se rebaixar de forma ridícula com a palavra de ordem pueril: "Dilma desapropria". O governo que amplia a mercantilização desse direito e incentiva a especulação imobiliária deve ser combatido e não apresentado como amigo e aliado.

É óbvio que as ações dos governos petistas respingam no conjunto da esquerda brasileira e que as classes dominantes buscam através delas descredenciar a viabilidade de um projeto de esquerda, embora elas próprias estejam se utilizando e apoiando a gestão do capital praticada pelo PT. Mas é provável que, tão logo a crise capitalista se aprofunde no país, e a própria classe dominante pule do barco petista e passe a apontar o fracasso do seu governo como a prova da inviabilidade da esquerda. [3]

Nesse contexto a única forma de se credenciar diante das massas é através de uma luta política consequente, que abandone os equívocos atuais, e que possua um programa claro que contemple as aspirações populares.

Na Europa a ruptura das massas com a socialdemocracia tem sido acompanhada do questionamento, ainda que difuso, da organização social, política e econômica. No Brasil o descrédito com o sistema político já é elevado. O aprofundamento da crise deve levar esse descontentamento para o econômico e o social.

Saber se posicionar desde já é fundamental. Até porque na luta de classes a História atesta que o preço pago pelos vacilos políticos é alto e as suas consequências trágicas.


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[1] Como exemplo temos a quase ausência de crítica pública ao Bolsa Família, programa indicado pelo Banco Mundial no melhor estilo dar com a mão esquerda para melhor poder tomar em dobro com a direita (o referido banco sugere a aplicação desse programa em conjunto com cortes na previdência, na saúde e na educação). No caso do Brasil tal programa foi indicado pelo tucano Marconi Perillo, cujos créditos foram reconhecidos pelo próprio Lula, no dia do lançamento.

Essa falta de coragem se torna ainda mais vergonhosa quando se percebe que, em 2000, um já domesticado Lula se referia nesses termos aos programas assistencialistas:

"(...) lamentavelmente no Brasil o voto não é ideológico (...) e lamentavelmente você tem uma parte da sociedade que pelo alto grau de empobrecimento ela é conduzida a pensar pelo estômago e não pela cabeça. É por isso que se distribui tanta cesta básica. É por isso que se distribui tanto tíquete de leite. Porque isso, na verdade, é uma peça de troca em época de eleição. E assim você despolitiza o processo eleitoral. Você trata o povo mais pobre da mesma forma que Cabral tratou os índios quando chegou no Brasil, tentando distribuir bijuterias, espelhos para ganhar os índios. E eles distribuem alimentos. Você tem como lógica manter a política de dominação que é secular no Brasil (...)"

[2] Mensagem da Direcção Central à Liga dos Comunistas. Março de 1850.

[3] A socialdemocracia européia era apresentada, pelas classes dominantes, como uma esquerda inteligente e moderna, uma alternativa aos "anacrônicos" que insistiam no desejo de superar a sociedade existente. Bastou a crise econômica bater na porta para a bajulação evaporar e o socialismo (tsc!) ser responsabilizado pelo fracasso da via socialdemocrata de gestão do capital.

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