Um
grupo formado por dirigentes sociais que defendem o governo petista,
intelectuais, membros (e ex-membros) do próprio governo petista e
até do Governo FHC estão organizando um manifesto intitulado "A
crise mundial, a defesa do Brasil e da paz"
para, segundo eles, promover a "reaglutinação de forças no
Brasil para enfrentar crise mundial". [1]
Encabeçado
por João Pedro Stédile (MST), Luiz Pinguelli Rosa (ex-presidente da
Eletrobras durante o Governo Lula), Marcio Pochmann (ex-presidente do
IPEA e candidato derrotado do PT à Prefeitura de Campinas em 2012),
Samuel Pinheiro Guimarães (Diplomata, ocupou cargos nos governos
Lula e Dilma), Pedro Celestino, Roberto Amaral (ex-ministro da
Ciência e Tecnologia do Governo Lula, vice-presidente do PSB,
integra os conselhos de administração de Itaipu Binacional e do
BNDES) e Ubirajara Brito (escritor) o referido manifesto conta com o
apoio de Luiz Carlos Bresser Pereira (ex-ministro de Reforma do
Estado de FHC), Moniz Bandeira (intelectual) e Carlos Lessa
(ex-presidente do BNDES do Governo Lula).
Chama
atenção o fato do documento que se pretende "enfrentar a crise
mundial" não caracterizar a própria crise. Suas origens, as
medidas tomadas diante dela e suas consequências não são
abordadas. Sequer a quimera reformista de culpar a especulação pela
crise é levantada. O máximo que o documento descreve é a reação
violenta do imperialismo estadunidense diante dela, o que é
insuficiente para entender a crise atual e poder enfrentá-la
corretamente.
Esse
"deslize" não ocorre de forma acidental. O objetivo
declarado do manifesto não é a sincera "reaglutinação de
forças no Brasil para enfrentar crise mundial" mas a formação
de uma verdadeira tropa de choque para a defesa dos governos petistas
que deverão ampliar os ataques aos direitos dos trabalhadores com o
aprofundamento da crise financeira no mundo e no país. A defesa do
governo é um princípio apontado de forma clara no manifesto:
"É portanto urgente
a necessidade de expansão de uma consciência pública de defesa do
desenvolvimento soberano e democrático do país – na sua economia,
na sua organização política e social, na sua cultura. Quanto maior
seja essa consciência, mais forte estará o governo para resistir às
agressões da direita e, ao mesmo tempo, maior será a pressão dos
movimentos de massa para que suas políticas sejam mais coerentes com
os interesses do país e da sociedade."
Tal
princípio não só exclui de antemão aqueles que se opõem ao
governo petista pela esquerda como abre as portas para chamar de
"agentes da direita" os que vierem a se mobilizar contra os
ataques do governo - como já foi feito em outras ocasiões.
O
fator nacional e o desenvolvimento
Para
enfrentar uma crise econômica que não é analisada a fórmula se
resume ao "fator nacional":
"O REPÚDIO À
prepotência dos Estados Unidos e a disposição de opor-se a ela,
manifestados com força crescente no mundo inteiro, evidenciaram mais
uma vez a importância do fator nacional na luta política. Os
Estados nacionais, ao invés de desaparecerem, regressaram com força
maior à cena. A defesa do interesse nacional diante da dominação
ou da agressão externa, que é motor principal da mobilização
popular nos movimentos revolucionários desde a luta pela
independência nos próprios Estados Unidos, repontando sempre, sob
diversas formas, na Revolução Francesa, na Comuna de Paris, na
Revolução Russa, na Revolução Chinesa, na Revolução Cubana,
volta a mostrar-se fator-chave para que a cidadania se apresente como
força transformadora, a fim de levar adiante movimentos que no
início apontam para objetivos patrióticos e parciais, mas tendem a
avançar para conquistas democráticas de maior alcance social.
Esse ressurgimento do
fator nacional no centro da ação política é realidade hoje por
toda parte no mundo. É entretanto na América do Sul que ele
encontra sua manifestação mais saliente e que mais de perto
interessa aos brasileiros."
Restaria
saber se os nossos "neonacionalistas" aceitariam que as
massas brasileiras avançassem "para conquistas democráticas de
maior alcance social" uma vez que isso hoje só pode ser obtido
através de uma luta decidida contra o próprio governo que eles
querem proteger e preservar.
Mas
o pretenso nacionalismo desses senhores se revela quando glorificam a
espinha dorsal do seu programa: o "desenvolvimentismo"
atualmente praticado pelas gestões petistas.
"Em 1998, elege-se
na Venezuela o presidente Hugo Chávez, com uma plataforma
anti-imperialista e com a intenção de cumprir o prometido. Em
2002, elege-se no Brasil o presidente Lula, que alterou
gradativamente a política econômica neoliberal dos governos
anteriores para beneficiar a aceleração do desenvolvimento
econômico, e adotou uma política de socorro às camadas mais
pobres da população, fortalecendo com isso o mercado interno;
adotou também uma política externa de autonomia em relação aos
Estados Unidos, que permitiu rejeitar o ominoso projeto da ALCA,
livrar o Brasil da subordinação ao FMI, privilegiar a aproximação
com a América do Sul, com fortalecimento do Mercosul e da Unasul,
assim como permitiu expandir as relações do Brasil com países e
povos da África, do Oriente Próximo e da Ásia." (Grifo nosso)
A
Venezuela, citada no manifesto, é um bom exemplo dos limites
históricos do nacionalismo burguês em geral, e na etapa presente em
particular. Esses movimentos, em sua maioria, iniciam com um relativo
enfrentamento ao imperialismo pelo fato deste dominar setores
importantes da economia local, mas como o seu limite é o próprio
capitalismo, retrocedem cedo ou tarde junto com as oscilações do
sistema. A Líbia foi um caso clássico nesse sentido. Após
um período nacionalista Kadafi vinha, nos últimos anos,
aprofundando uma política de privatização e de desnacionalização
da economia local, tendo privatizado 1/3 das estatais e tinha o
objetivo de privatizar metade da economia nos próximos 10 anos. [2]
Na
Venezuela tão logo a crise financeira capitalista eclodiu a
"revolução" bolivariana ao invés de avançar para o
anti-imperialismo, acabou iniciando um forte declínio. O presidente
Hugo Chávez, em vez de liderar uma política de combate aos
especuladores, resolveu atacar os trabalhadores e chegou a dizer que
em tempos de crise não se faz greve! O retrocesso do nacionalismo
burguês bolivariano é o grande responsável pelo crescimento
eleitoral da direita no país.
Evidentemente
não se pode colocar no mesmo saco o bolivarianismo do país vizinho,
que teve um período relativamente nacionalista, e o lulismo
brasileiro, que se limitou a seguir o trabalho do seu antecessor
dando apenas uma aparência mais simpática, "popular" -
embora os seguidores do manifesto digam o contrário.
Eles
afirmam que houve mudança na política econômica neoliberal mas não
explicam como, uma vez que as metas de superávit primário, os
ajustes fiscais no orçamento que cortam das áreas sociais, as leis
que retiram dessas mesmas áreas para dar aos rentistas e as
privatizações foram renovadas e aprofundadas. As políticas de
"socorro" visam exatamente facilitar a aplicação dessa
política econômica e longe de mostrar um rompimento com a banca
internacional mostram o seu alinhamento uma vez que programas
assistencialistas como o Bolsa Família são indicados por
instituições como o Banco Mundial e no caso brasileiro foi sugerido
pelo tucano Marconi Perillo, cujos créditos foram reconhecidos pelo
próprio Lula. [3]
O
Banco Mundial sugere a aplicação desse tipo de programa em conjunto
com cortes nas áreas sociais como saúde, educação e previdência.
É uma política de dar com a mão esquerda para melhor poder tirar
em dobro com a direita. Como os que têm feito essa lembrança são
chamados de sectários e insensíveis pelos governistas, cabe
verificar o que dizia o próprio Lula sobre esse tipo de programa:
“(...)
lamentavelmente no Brasil o voto não é ideológico (...) e
lamentavelmente você tem uma parte da sociedade que pelo alto grau
de empobrecimento ela é conduzida a pensar pelo estômago e não
pela cabeça. É por isso que se distribui tanta cesta básica. É
por isso que se distribui tanto tíquete de leite. Porque isso, na
verdade, é uma peça de troca em época de eleição. E assim você
despolitiza o processo eleitoral. Você trata o povo mais pobre da
mesma forma que Cabral tratou os índios quando chegou no Brasil,
tentando distribuir bijuterias, espelhos para ganhar os índios. E
eles distribuem alimentos. Você tem como lógica manter a política
de dominação que é secular no Brasil (...)” [4]
A
propalada "autonomia em relação aos Estados Unidos"
contrasta com a vergonhosa ocupação do Haiti e as ações políticas
que visaram acalmar o movimento de massas no continente e até
consolidar golpes da direita na região. Recentemente
documentos do Wikileaks demonstraram como, ao contrário do que se
chegou a imaginar, o Brasil foi colaborador e cúmplice dos golpes em
Honduras, Haiti e Paraguai. [5]
Mas
além de uma política de gerente dos interesses do imperialismo na
região o Brasil buscou expandir os negócios da burguesia local para
o estrangeiro. Foi pautado nesse interesse que o Brasil buscou
"fortalecer" algumas relações na América do Sul, Ásia,
África e Oriente Médio. Não uma integração sincera entre povos
mas o puro interesse comercial em alguns casos com traços
abertamente subimperialistas. Vale lembrar que essa política foi
elaborada no final do Governo FHC. [idem 5]
Por
outro lado, no plano interno, o governo petista aprofundou a
desnacionalização, a privatização e a dependência externa da
economia local. Esse movimento aparentemente contraditório é
totalmente coerente com a lógica de privilegiar as grandes
corporações (sejam elas nacionais ou estrangeiras) de uma política
econômica que vem desde os tempos de FHC mas que agora é celebrada
pelos nossos "neonacionalistas" como "desenvolvimentista".
A
crise e as 11 propostas
a)
A crise
Se
a caracterização do governo é um desastre as 11 propostas do
manifesto são uma verdadeira tragédia. Elas reivindicam a
radicalização do que vem sendo praticado, o que se cumprido à
risca aviltará não só o que resta dos interesses nacionais mais
usurpará o que ainda resta dos direitos dos trabalhadores - chama
atenção o fato de não haver referência à defesa desses direitos
entre as 11 propostas.
Antes
de analisar, uma a uma, as 11 propostas do manifesto, vejamos, até
para reforçar o que foi dito no parágrafo anterior, como os nossos
"neonacionalistas" encaram a atual política "anticrise"
do governo petista:
"A
presidente Dilma, diante do agravamento da crise financeira
internacional, avança na política econômica, enfrentando a questão
do freio dos altíssimos juros à expansão da economia nacional,
corrigindo na política de câmbio a valorização excessiva do real
e mantendo e ampliando as políticas de inclusão social. No plano
externo, embora com mudança de ênfase, persiste de modo geral a
afirmação de política não alinhada aos Estados Unidos."
Já
foi demonstrada aqui a falácia da política autônoma em relação
ao imperialismo estadunidense. Abordemos agora um pouco aquilo que os
nossos senhores passaram batido: a crise financeira.
Como
demonstrou Marx a origem de toda a crise capitalista é a base
produtiva do próprio sistema. A concorrência entre as empresas as
leva a buscar vender mais barato do que o concorrente. Para isso
investem em tecnologia para aumentar a produtividade e reduzir os
custos de produção. Isso acarreta em demissões e redução de
salários por um lado e queda da taxas de lucros das empresas por
outro, além de uma abundância de mercadorias produzidas para serem
consumidas. A essa queda as empresas respondem com novas medidas para
reduzir os salários afetando a capacidade de consumo dos
trabalhadores.
Quando
fica difícil de acumular e reproduzir o capital somente com a
produção os capitalistas vão atrás de atividades especulativas,
seja a financeira strictu sensu, seja em outro ramo da economia.
Nas
últimas décadas as mudanças na base produtiva levaram exatamente
ao cenário descrito anteriormente. O desenvolvimento tecnológico
propiciou um incremento sem precedentes na produção, ao passo que
exigiu medidas de redução diretas dos custos do trabalho, afetando
a renda e o poder de consumo dos trabalhadores dos países
capitalistas centrais. Esse processo foi sendo aprofundado no início
dos anos 70 com a substituição de um capitalismo mais regulado por
um menos regulado.
Nessa
conjuntura as atividades especulativas cresceram. E para atenuar o
descompasso entre elevada capacidade produtiva de um lado e
capacidade consumidora dos trabalhadores reduzida de outro foi
acionado o crédito para manter o consumo. Também foram infladas
bolhas imobiliárias especulativas em vários países pelo mundo. No
final de 2007 essa bolha estourou nos Estados Unidos e o resto da
História todo mundo já conhece.
Até
2008 a prioridade no Brasil era a produção para exportação.
Quando a crise estoura essas ficam prejudicadas e o governo
brasileiro, para escoar essa produção, passa a tomar medidas para
estimular o consumo interno das famílias, o chamado mercado interno,
até então negligenciado. O empresário Abílio Diniz, que apóia o
governo petista, disse que o país trocou "o consumo externo
pelo interno".
Mas
esse consumo interno foi alavancado não pela valorização do
salário mínimo, que aumentou menos na era petista do que na FHC,
mas através do crédito. Para se ter uma ideia do crescimento do
mesmo, em 2007 ele representava 34,2% do PIB e em 2011 já havia
atingido 49,1%!
Segundo
a "Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor
(Peic)" divulgado pela Confederação Nacional do Comércio de
Bens, Serviços e Turismo (CNC), em maio de 2011, 64,2% das famílias
brasileiras já encontravam-se endividadas.
A
redução dos juros celebrada acriticamente pelos nossos
"neonacionalistas" é um pedido das próprias classes
dominantes e busca exatamente expandir ainda mais o crédito e tem
sido feito às custas da redução dos já parcos ganhos da poupança
dos trabalhadores.
Parte
desse crédito tem sido utilizado para inflar a bolha imobiliária.
Ainda que, em relação ao total do crédito, esse setor fique com
uma quantia pequena, o volume de crescimento do crédito para ele
também tem sido elevado.
Somente
em 2011 o crédito imobiliário cresceu 42% em relação ao ano de
2010, isso levando-se em conta apenas os financiamentos com recursos
da caderneta de poupança. Em 2010 o aumento foi de 65% em relação
ao ano anterior.
Mas
crédito e bolha imobiliária não foram exatamente as medidas
tomadas pelos países capitalistas centrais no período de gestação
da crise? Eis o diferencial das gestões petistas que os nossos
"neonacionalistas" celebram e desejam aprofundar! [6]
b)
As 11 propostas
Analisemos
agora, uma a uma, as propostas do manifesto.
"Um
elenco de propostas nesse sentido deve incluir:
1)
a efetiva aceleração do desenvolvimento econômico do país;
2)
a subordinação dos sistemas bancário e cambial aos interesses
desse desenvolvimento;"
Os
signatários do manifesto partem da caracterização de que o Brasil
está se desenvolvendo embora um olhar mais atento mostre outro
cenário. A Edição 694, de abril de 2012, da Revista Carta Capital,
que apóia o Planalto, lançou como matéria de capa o debate
"Crescimento não é desenvolvimento", onde aponta as
mazelas básicas (saúde, saneamento, educação, habitação, etc)
que ainda assolam o país [7]. Faltou na
matéria relacionar a manutenção desses problemas com a política
econômica já que esta retira recursos exatamente dessas áreas para
repassar aos especuladores.
Nos
últimos anos cresceu a privatização, a desnacionalização e a
dependência externa da economia brasileira. Amplos setores da
economia são dominados pelo capital estrangeiro. Um dos mais
visíveis é o setor automotivo. Não é por acaso que o economista
Adriano Benayon tem zombado quando o governo anuncia medidas de
isenções fiscais e desonerações para proteger a indústria
"nacional". [8]
O
capital estrangeiro domina mesmo em algumas das grandes obras, como a
Usina de Jirau, controlada por um grupo franco-belga, a GDF Suez. A
referida obra, assim como a maioria delas, vem sendo tocada com farto
dinheiro público, oriundo principalmente do BNDES.
Com
muita frequência, nos últimos anos, o Tesouro tem feito aportes ao
BNDES para que este entregue seus recursos para o lucro das grandes
empresas, uma operação que eleva o endividamento público. Depois
da farra do capital com dinheiro público vem os ajustes fiscais,
como o corte de mais de 50 bilhões no início de 2012 onde a tesoura
passou por áreas importantes e carentes como a saúde e a educação.
Os
bancos públicos já operam na lógica de financiar o lucro privado.
Agora, sob o guarda-chuva do "desenvolvimento", nossos
"neonacionalistas" desejam radicalizar esse entreguismo ao
pedir pela "subordinação dos sistemas bancário e cambial aos
interesses desse desenvolvimento"!
Uma
postura submissa que tem que fechar os olhos para as condições
degradantes de trabalho que imperam nas grandes obras
"desenvolvimentistas" e para as violações dos direitos
das minorias étnicas afetadas por essas construções.
"3)
a posse dos recursos naturais do país e a recuperação das empresas
e recursos públicos estratégicos dilapidados;"
Depois
de defender a radicalização de um "desenvolvimento"
calcado na dilapidação dos recursos públicos, dos direitos dos
trabalhadores e das minorias étnicas, eis que surgem nossos
"neonacionalistas" falando em defesa dos recursos naturais,
das empresas e recursos públicos!
Ou
estamos diante de uma gritante contradição, o que é pouco
provável, ou diante de um jogo de palavras pernicioso para enganar
os distraídos, o que é mais provável.
Perceba-se
que não se fala em estatização ou reestatização. Fala-se em
"posse" e em "recuperação" o que não só é
demasiado amplo como cabe perfeitamente na atual forma de gestão
petista.
Quando
a presidente Dilma anunciou as privatizações de rodovias e
ferrovias, ciente da contradição com o discurso de campanha, ela
negou as privatizações alegando exatamente que o Estado estava
apenas concedendo por um determinado período as vias públicas para
a iniciativa privada e não abrindo mão delas.
No
Rio Grande do Sul, o governador petista Tarso Genro, vem utilizando a
estatal Corsan para realizar "parcerias" e privatizar o
saneamento básico, alegando a "recuperação" do serviço.
[9]
O
conceito de dilapidação, como aqui não é definido e tendo em
vista o apoio dos signatários do manifesto ao governo, também pode
ser manobrado para encobrir o entreguismo do patrimônio e do
dinheiro público. O entreguismo mais medonho será perfeitamente
aceito desde que operado dentro da legalidade e objetive o
“desenvolvimento” - aliás é essa a palavra mágica utilizada
pelo Planalto para realizar as privatizações com dinheiro público.
Como
dinheiro no bolso não é jogo de palavras Eike Batista não vacilou
em chamar as concessões petistas de "kit felicidade",
ainda mais que esse kit é recheado de dinheiro público. Nenhuma
crítica a esse, e outros kits, consta no manifesto. Normalmente quem
cala consente. Nesse caso ou apóia ou é cúmplice.
"4)
a efetivação de um programa de reforma agrária que penalize o
latifún-dio improdutivo e beneficie as propriedades produtivas de
pequeno e médio porte;"
Mais
um jogo de palavras para enganar os distraídos. A estrutura agrária
concentradora e excludente não é questionada, pede-se apenas uma
penalização do latifúndio improdutivo, uma medida cosmética e
moralizadora que na prática abdica da reforma agrária.
É
vergonhoso que um dirigente do MST encabece um manifesto com esse
tipo de proposta!
"5)
a destinação de maiores verbas às políticas públicas de
educação, o fortalecimento do ensino público e a melhor adequação
dessas políticas aos interesses do desenvolvimento tecnológico e
cultural do país;"
Sequer
reivindica os 10% do PIB para a educação! Nem de forma imediata (o
que seria correto), nem para daqui a mil anos!
Falar
em destinar "maiores verbas" é amplo e só serve para
celebrar coniventemente qualquer migalha a mais jogada pelo governo
na área, que é o que tem feito os governos petistas.
Pede
pela adequação do ensino à lógica "desenvolvimentista"
praticada pelo governo petista em vez de uma educação que
possibilite a capacidade de crítica e de emancipação dos setores
excluídos e explorados.
O
atual governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, que esteve na
Europa oferecendo os jovens gaúchos como mão de obra barata para as
multinacionais, deve ser a inspiração dos nossos "neonacionalistas"
[10]. Talvez por isso não tenham
defendido a aplicação da lei do piso nacional para os professores
em seu manifesto.
"6)
o reforço aos orçamentos de entidades de saúde pública, a
obrigação dos serviços privados de seguridade de ressarcirem
gastos dos serviços públicos de saúde com atendimento a segurados
dos serviços privados, o fomento à pesquisa de aplicação de novos
procedimentos de saúde sanitária básica, preventiva e de
tecnologia atual;"
Novamente
uma escrita ampla e confusa que serve para celebrar qualquer migalha
jogada pelo governo para o setor. Nenhuma palavra pelo fim dos cortes
de recursos nessa área e na educação para entregar para os
especuladores.
Para
piorar não questiona a mercantilização da saúde apenas defende
uma ridícula moralização dos planos privados.
"7)
a mudança da política de repressão policial dirigida contra a
população mais pobre, principalmente não branca, por uma política
democrática de segurança pública, o fortalecimento da política de
não discriminação de gênero;"
E
quem pratica a repressão policial contra a população pobre? Mais
uma vez a fala é ampla, provavelmente para não ter que falar da
militarização das favelas via UPPs apoiada pelo governo federal.
"8)
o reforço do controle pelo poder público das concessões de meios
de comunicação a grupos privados com vistas ao aprofundamento do
regime democrático;"
E
como seria feito esse controle? E as verbas publicitárias do governo
despejadas para os tubarões da grande mídia? E a repressão às
mídias alternativas praticadas em número recorde pelas gestões
petistas? Nada disso é mencionado ou reivindicado.
"9)
o reequipamento das Forças Armadas e a dotação a elas de recursos
necessários à eficiente defesa do território nacional, assim como
a adequação do conteúdo da formação nas escolas militares à
defesa da democracia e dos interesses fundamentais do país;"
E
quais seriam os interesses fundamentais do país? Seria o
"desenvolvimento"? Se este estiver entre os "interesses
fundamentais" nossos "neonacionalistas" podem ficar
sossegados pois os governos petistas não só enviam as forças de
repressão contra os grevistas que não entendem os "interesses
fundamentais" como Dilma aprovou, em julho, o PROTEGER, programa
elaborado pelo exército para "proteger" as instalações
consideradas estratégicas, que coincidem com as grandes empresas e
obras do país.
"10)
a ampliação e a consolidação da política de unidade com a
América do Sul – essencial para a preservação dos governos
progressistas na região; e"
Já
mostramos qual o real caráter dessa unidade: expansão do capital
nacional e gerenciar os interesses do imperialismo amansando o
movimento de massas na região.
"11)
a defesa de uma política externa de respeito à soberania dos
Estados, de relações amistosas com todos os povos e de defesa da
paz."
Como
conciliar "respeito à soberania" e "defesa da paz"
com a ocupação no Haiti? Nenhum pedido de retorno dos nossos
soldados do pobre país caribenho!
Poder-se-ia
dizer que é uma reivindicação. Mas não é. Trata-se de uma
convicção. Para os signatários do manifesto os governos petistas
são exatamente o que consta no item. Como eles mesmos dizem:
"NO
BRASIL, OS movimentos sociais organizados são ainda débeis. O
governo do presidente Lula refletiu essa debilidade. Manteve uma
política econômica em que ainda havia espaço para o
neoliberalismo, mas adotou medidas de favorecimento ao poder
aquisitivo da população pobre e desenvolveu uma política externa
de autonomia em relação ao imperialismo estadunidense e defesa
da paz.
A presidente Dilma mantém nas linhas gerais essa diretriz."
(Grifo nosso)
Irresistível
não comentar sobre a "debilidade" dos movimentos sociais
brasileiros. Desde 2003 as direções da CUT, da UNE e do MST buscam
represar todas as lutas contra os governos petistas. A percepção do
papel de correia do governo levou muitos ativistas a romper com essas
direções e criar outras organizações.
A
sabotagem das lutas, a defesa do governo e a propagação da confusão
no seio das classes subalternas por dirigentes como João
Pedro Stédile, que encabeça esse manifesto, são os principais
responsáveis pela "debilidade" dos movimentos sociais no
Brasil. Essa atitude gerou dispersão, ceticismo e rupturas que
levarão algum tempo até que a necessária reorganização da classe
se concretize.
Mas
não é essa "debilidade" que explica a "debilidade"
do Governo Lula. Aqui tenta se imputar a traição do governo petista
e a capitulação de dirigentes sociais ao movimento de massas, ou
seja, a culpa seria do povo!
O
papel dos dirigentes sociais que buscam segurar os trabalhadores com
a mão esquerda e entregar seus direitos com a direita simplesmente é
omitido. Atualmente a direção da CUT, uma das maiores centrais
sindicais do continente, sem consulta alguma a base, está apoiando
uma proposta que acaba com os direitos trabalhistas, utilizando os
mesmos argumentos de FHC que tentou aniquilar a CLT no final do seu
mandato.
Essa
verdadeira traição não pode ser explicada com o simples termo
"debilidade". Ela tem causas mais complexas. Muitos
dirigentes sindicais com o discurso do sindicalismo "moderno"
passaram a administrar fundos de pensão e a ganhar tanto com a
especulação quanto com as privatizações. São sócios de negócios
de grandes empresas e portanto possuem interesses comuns com elas.
Essa
mudança qualitativa nos interesses de tais dirigentes os leva a
buscar debilitar os movimentos sociais, uma vez que eles próprios
correm o risco de ser alvos dos mesmos, além de que a pauta destes
atrapalha seus interesses. Em suma, não é a debilidade que explica
a traição mas a traição que leva a tentativa de debilitar os
movimentos sociais pois uma luta consequente deles poderia colocar em
xeque os novos interesses desses dirigentes.
Ficha
de adesão
Os
signatários do manifesto parecem antever que a crise capitalista se
aprofundará no mundo e no próprio Brasil. Buscam se antecipar
teoricamente e angariar base social para o único caminho que será
seguido pelo governo que apóiam quando do aprofundamento da crise no
país: a ampliação das benesses ao grande capital e o confisco dos
direitos dos trabalhadores, nada que difira do que vem ocorrendo na
Europa.
O
manifesto, que seria mais adequado chamar de "A crise mundial, a
defesa do governo e do capitalismo", apela para o
"desenvolvimentismo" para justificar os ataques aos
direitos dos trabalhadores que virão.
Caberá
perfeitamente na ideia de "desenvolvimento" a aniquilação
da CLT, afinal com menos direitos trabalhistas "nossas"
empresas se tornariam mais competitivas no mercado mundial, gerando
mais desenvolvimento para o país. É o discurso dos empresários na
Europa da austeridade.
É
por isso que no referido manifesto não consta a defesa dos direitos
dos trabalhadores, da previdência pública e das minorias étnicas,
verdadeiros entraves ao "desenvolvimento". Os que se
mobilizarem em defesa dessa pauta poderão ser perfeitamente
rotulados de atrasados e alheios ao progresso. E as forças armadas
poderão ser mobilizadas para cuidar dos "interesses
fundamentais" ameaçados por essa turba de primitivos.
A
maioria das 11 propostas do manifesto contemplam o que as gestões
petistas já fazem na prática e apenas pedem pelo seu
aprofundamento. As poucas que não estão atendidas na sua totalidade
não são claras, possuem uma escrita ampla e lacônica que facilita
a manipulação governamental e a adaptação do discurso dos
dirigentes perante a base.
Nem
mesmo contra o neoliberalismo o manifesto é consequente. Além de
omitir-se de defender os direitos dos trabalhadores, não condena as
privatizações, não pede por reestatizações e sequer critica o
sistema financeiro. Nem a quimera reformista de controle do sistema
financeiro é reivindicada. A dívida pública sequer é citada.
Qualquer
manifesto que busque a "reaglutinação
de forças" para uma determinada causa ou objetivo, mesmo que
dentro de um mesmo espectro ideológico, deve levar em conta a
diversidade do referido campo e não impor como condição apoio a
governos ou organizações políticas. Ao fazer essa exigência
pede-se não um apoio de princípios mas uma adesão ao governo. Isso
não é um manifesto mas uma ficha de filiação.
O
caráter desse manifesto, seu programa e propostas devem ser
esmiuçados e apresentados pelo o que realmente são: a
deslavada defesa dos governos petistas e de seus ataques aos
interesses do país e do seu povo!
Rejeitar
e denunciar esse manifesto é dever de todos os que querem de fato
construir um programa contra a crise capitalista que deverá se
apronfudar no país.
_______________________________________
[1]
Manifesto defende reaglutinação de forças no Brasil para
enfrentar crise mundial (14/11/2012):
[2]
Líbia: Governo poderá privatizar metade da economia dentro de 10
anos (31/03/2010):
[3]
Tucano sugeriu Bolsa Família para Lula (06/11/2010):
[4]
Lula: ruptura ou continuidade de FHC? (27/11/2010):
[5]
Os governos do PT diante dos golpes da direita na América
Latina (23/07/2012):
A
política externa de Lula foi progressista? (02/11/2010):
[6]
A crise no Brasil (06/05/2012):
[7]
A MIRAGEM DO CRESCIMENTO - Carta Capital - Impresso / Online -
Internet - SEU PAÍS (24/04/2012):
[8]
Por que o Brasil se atrasa (31/07/2012):
Brasil
privatizado e desnacionalizado (06/30/2012):
[9]
Rio Grande do Sul vai dobrar tratamento de esgoto até 2014
(05/04/2012):
[10]
Tarso foi à Europa entregar o RS (13/05/2012):
Frase
de Tarso na Europa (03/05/2012):
.