sábado, 30 de junho de 2012

Democracia e golpismo

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A grande contribuição do materialismo histórico e dialético foi demonstrar que as instituições de uma sociedade, assim como alguns outros aspectos da mesma, devem ser analisadas a partir do seu contexto sócio-histórico tendo em vista a base real na qual estão assentadas. Elas são criadas pelos homens de um determinado período para atender a um determinado objetivo.

As instituições políticas da democracia moderna foram erigidas pela burguesia para legitimar e legalizar o seu modelo de sociedade. Mas a democracia criada por ela rejeitava a participação política das classes populares e, quando pressionada pelas lutas das mesmas, se viu obrigada a ceder alguns direitos, a burguesia não vacilou em descaracterizar a participação do andar de baixo e manter a essência de classe do seu regime político, criando regras e mecanismos para garantir que os reais representados dessa democracia fossem seus próprios pares.

Quando as classes populares conseguem ultrapassar todos os obstáculos impostos e ameaçam os interesses dos reais representados a democracia moderna despe-se de toda a aparência democrática que engana nos momentos mais calmos, mostra a sua verdadeira face, trata de lembrar para quem foi construída, quem realmente representa, e os golpes de Estado não tardam a emergir com toda a força. O interesse de classe fala mais alto e a própria legalidade é rompida.

Perplexos, alguns acadêmicos buscam explicação na "imaturidade democrática", na "arbitrariedade", na "medievalidade" de algumas elites. Tendo passado a vida toda separando as instituições políticas de sua base real e de classes não resta mesmo outra alternativa a esses senhores a não ser explicar fenômenos sociais com argumentos morais, o que é muito científico por sinal!

Com tal comportamento eles terão uma dura tarefa pela frente: "erudizar" a moral! Sim, pois as terras de "maturidade democrática" celebrada por esses senhores têm golpeado cada dia mais suas crenças.

Nos Estados Unidos, somente nos últimos meses, foram presas mais de seis mil pessoas pelo crime de protestar, Obama aprovou uma lei marcial que empurra pelo abismo o badalado Estado de Direito, o Congresso estadunidense aprovou o uso de aviões de guerra contra o seu próprio povo e foi aprovada uma lei para endurecer a pena contra o "crime" de protesto.

Na Europa os banqueiros têm imposto, sem eleição, seus representantes diretos, como na Itália e no Banco Central Europeu, torceram o nariz para um referendo grego que acabou não sendo realizado, a repressão policial nas terras da "cidadania" não tem poupado nem deficientes físicos e, como denunciou o advogado de Assange, o sistema jurídico sueco não tem o devido processo legal. Isso sem falar na legalização (ou busca de) da espionagem cibernética em terras da "maturidade democrática" como Alemanha, Suécia, Austrália, Inglaterra e França. Não por acaso os jovens espanhóis se deram conta da farsa democrática que vivem e têm denunciado o regime político moderno ao mundo e reivindicado uma democracia "real".

Ora, basta tirar as instituições políticas do regime do ar e colocá-las no chão para perceber que a democracia moderna montada pela burguesia é um golpismo permanente contra as classes populares. Muda a forma, de acordo com a conjuntura, podendo ser dissimulada (até cooptativa) ou aberta, mas não muda a essência.

A crise econômica tem deixado isso cada vez mais evidente. E devido a ela as classes dominantes, na luta por seus interesses, têm golpeado de forma aberta não apenas quando as barreiras impostas são ultrapassadas mas pelo simples fato de se estar no lugar errado, na hora errada, estorvando.

Fernando Lugo, por exemplo, não enfrentou as elites de seu país e até colocou seus representantes para dentro do governo, não atacou as desigualdades e injustiças sociais e até reprimiu sem-terras e trabalhadores. Mas as elites paraguaias queriam mais e Lugo não estava a altura. Era um estorvo que deveria ser removido. E o foi!

A conjuntura obrigará as classes dominantes a atuarem de forma cada vez mais aberta e despótica na defesa de seus interesses. Já está sendo assim no período presente e será assim no futuro próximo. Até antigos aliados têm sido descartados, como foi o caso de Sílvio Berlusconi na Itália.

Nesse contexto os que buscam políticas de alianças e governos em comum com a direita têm dois caminhos: ou aumentam cada vez mais o grau de conservadorismo de seus governos para se manter nos postos políticos ou serão derrubados. O primeiro caso podemos observar no próprio Brasil com o Governo Dilma, o segundo nos mostrou o Paraguai. Lugo não caiu por ter enfrentado as elites paraguaias mas por não ter "endireitado" o suficiente!

Às classes populares resta a aliança consigo mesma na busca da construção de uma democracia "real". Ilusões nas instituições criadas para golpeá-la ou alianças com representantes das classes dominantes serão, como sempre foram, caminhos certos para novas derrotas.
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