terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Enquanto o novo não se manifesta

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Rall

Quinta-feira, Fevereiro 16, 2012


O crescente endividamento das empresas além de suas possibilidades, surge no pós-guerra como uma necessidade de suprir as demandas de capital fixo e de compensar a fraca acumulação na economia real. Nos anos 80 esse processo se intensifica com as mudanças na produção que incorpora novas tecnologias e aumentam a produtividade do trabalho. Começa aí a formação das grandes bolhas financeiras que funcionam, enquanto inflam, como alavancas da economia real. As medidas regulatórias com a pretensão de corrigir os 'excessos' na geração de crédito e a formação de bolhas, se efetivadas devem trazer à luz a incapacidade da economia real sustentar-se sem a formação de grande quantidade de capital fictício. Pois, em última instância, o motivo da crise financeira, o grande volume de capital fictício circulante, é também o eixo principal da engrenagem que movimenta a economia. O crédito sem limites, um dos principais meios de geração desse capital, não pode ser controlado sem que a economia real, nele ancorada, não corra um grande risco de colapsar.

Com o advento da crise financeira em 2008, onde trilhões e trilhões de dólares foram queimados, secando o mercado e retraindo o consumo, as empresas, para não falirem, ajustaram-se a nova realidade fechando um sem números postos de trabalho e recorrendo ao financiamento do Estado para o contínuo movimento de rolagem das dívidas. Prontamente os Estados atenderam, imprimindo volume inédito de dinheiro através de seus bancos centrais, e passaram a suprir as demandas do mercado com grande volume de capital sem substância a custo zero. Esse dinheiro, contabilizado como crédito a ser saldado pelos tomadores num futuro sem prazo quando tudo estiver consertado, inclusive o retorno da rentabilidade, aparece como dívida nos orçamentos dos Estados. No entanto, apesar da liquidez forçada, os investimentos privados não acontecem e parte do dinheiro retorna aos bancos centrais(1).

Para os EUA, detentor da moeda universal, imprimir dinheiro significa endividar-se, mas também desvalorizar o dólar e tornar-se globalmente mais competitivo com a desvalorização do câmbio em relação aos demais países. Nos primeiros momentos da crise, onde todos se sentiam ameaçados, alguns acertos globais foram possíveis. Porém, com o acirramento mortal da concorrência por mercados consumidores saturados, instalou-se o dissenso: cada um busca a seu modo, transferir para o vizinho o ônus da crise. A política de expansão monetária dos EUA transformou-se em arma poderosa no enfrentamento dos concorrentes, fazendo com que as exportações de seus produtos industrializados de alto valor agregado batam os similares produzidos fora. Porém, isso não se aplica aos produtos manufaturados na China e outros países, que mantém a moeda atrelada ao dólar e os salários bem inferiores aos pagos aos trabalhadores norte-americanos, compensando a diferença de produtividade.


Como achatar os salários abaixo do esperado para o nível de consumo de uma determinada sociedade não é tão fácil, mesmo considerando-se o grande número de trabalhadores desempregados, há um consenso nos países ricos de que a saída para as suas empresas voltarem a ser competitivas no mercado global é aumentar a produtividade. O setor privado dos EUA, pelas declarações de seus executivos, vem trilhando esse caminho com ajuda do Governo, e deve ser acometido de um novo surto de produtividade renovando o parque industrial, sem necessariamente produzir uma nova revolução tecnológica. Isso já vem acontecendo na esteira da Terceira Revolução Industrial, cujo potencial está longe de se esgotar.

O aumento da produtividade, se por um lado beneficia provisoriamente empresas e nações, corrói o valor que no mercado se manifesta como uma redução de preços. Esse fenômeno evidencia-se nos preços dos chamados bens duráveis, que vem caindo de forma acelerada em todo mundo. Pode-se argumentar que a acirrada concorrência tem jogado os preços para baixo, o que não deixa de ser verdade. Porém, uma mercadoria só pode forçar a queda de preço de sua concorrente e reduzir a margem de lucro, se for produzida em condições de oferecer-se ao mercado a preços competitivos, mantendo uma margem que compense sua produção, mesmo que dure pouco. Embora possamos falar em ganhadores e perdedores quando se trata de empresas ou países isolados, o que se observa globalmente é uma inexorável crise da "valorização do valor (Marx)" com o aumento da produtividade e queda do trabalho produtivo.

Nada disso era muito claro antes da revolução tecnológica que incorporou à produção a microeletrônica, possibilitando a automação em larga escala e a dispensação do trabalho produtivo gerador de mais-valia. Apesar de ser essa uma tendência inerente à lógica do capitalismo, analisada por Marx nos seus primórdios, só se evidencia, mesmo para os crédulos, a partir da Terceira Revolução Industrial. A crise dos gigantes japoneses como a Sony, Panasonic e Sharp com um prejuízo combinado de 17 bilhões de dólares em 2011, e a quase falência da indústria automobilística dos EUA e de outros grandes conglomerados empresariais do globo, não está fora desse contexto. O abalo financeiro global, com o recuo do crédito e a queima de parte do dinheiro fictício gerado no mercado de papéis, que ‘artificialmente’ dá sustentação ao consumo e a produção industrial, é um agravante desse quadro.

Determinante da crise é, porém, a queda livre da rentabilidade dos setores produtivos geradores de mais-valia, que exigem a partir daí a expansão do capital fictício para se sustentarem. O estouro das bolhas infladas com esse capital e a crise das dívidas soberanas mostraram os pés de barro do capital sem substância e, ao mesmo tempo, a incapacidade da denominada economia real movimentar-se sem ele, mesmo que mais na frente tenha que prestar contas com alto custo social. O grande dilema é que enquanto se estreita o campo de manobra da economia política, e os danos sociais a cada espasmo da crise tornam-se mais frequentes e severos, o novo, capaz de navegar na escuridão do capitalismo em crise, não foi captado em sua totalidade e consistentemente formulado.

(1) A morte melhorada de uma velha senhora


Extraído de:
http://rumoresdacrise.blogspot.com/2012/02/enquanto-o-novo-nao-se-manifesta.html
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