domingo, 16 de setembro de 2012

Incêndios em favelas e a especulação inflamável

.

Guilherme Simões *





Nos últimos 20 dias, cinco grandes incêndios atingiram favelas em São Paulo. Esse tipo de incidente cresce a cada ano em proporções assustadoras. Entre 2008 e 2011 foram mais de 500 incêndios em favelas. Em 2012, segundo o corpo de bombeiros, já são 32. A destruição é enorme, quando não é fatal: móveis, eletrodomésticos, barracos inteiros. Pessoas feridas e até mortas. Por que isso ocorre com tamanha frequência? Quais são os reais motivos para tantos “acidentes” e tragédias? Que setores da sociedade se envolvem com essa situação? Qual é a condição das famílias que perdem tudo a cada incêndio?

No dia 17 de agosto, a favela do Areão, próxima a Marginal Pinheiros na Zona Oeste, pegou fogo e cerca de 300 pessoas ficaram desabrigadas. Moradores afirmam que o corpo de bombeiros não permitiu que eles ajudassem a conter as chamas. O incêndio não destruiu a favela inteira, o que permitiu que os moradores que haviam perdido tudo pudessem começar a reerguer suas moradias. No dia seguinte, a favela Alba, região do Jabaquara, próxima ao aeroporto de Congonhas também foi incendiada, desabrigando quase 200 pessoas. A prefeitura não ofereceu sequer alojamento para as famílias que perderam tudo. Já no dia 23 de agosto, uma favela localizada na Vila Prudente, próxima a uma estação de trem na Zona leste pegou fogo pela segunda vez em 2 anos. Dessa vez, mais de 600 pessoas ficaram sem teto. Os próprios moradores se organizaram e ficaram abrigados numa escola de samba vizinha à comunidade, já que a prefeitura não disponibilizou nenhum abrigo. Além disso, a PM isolou o local e não permitiu que os moradores reconstruíssem suas casas após o incêndio. Poucos dias depois, 28 de agosto foi a vez da favela da Paixão, próxima a Avenida Jacu Pêssego em São Miguel Paulista na Zona Leste ser incendiada, desabrigando cerca de 300 pessoas. Mais uma vez, a prefeitura não ofereceu nenhuma assistência às famílias que, indignadas, travaram por alguns minutos a Avenida Jacu-Pessego que dá acesso à rodovia Ayrton Senna e foram tratados com bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo e tiros de borracha pela PM. O último e possivelmente mais trágico incêndio do ano ocorreu no último dia 3 de setembro na favela Morro do Piolho na região do Campo Belo, próximo ao aeroporto de Congonhas. Mais de 1000 pessoas perderam suas casas, quatro pessoas ficaram feridas pelo fogo e, pra variar, a PM permanece no local impedindo os moradores de voltarem. O detalhe é que a área estava nos planos de “desapropriações” planejado para ocorrer em todo o eixo da Avenida Jornalista Roberto Marinho.

Em geral as razões atribuídas para os incêndios são “acidentes” com rede elétrica clandestina ou com botijões de gás que seriam mal manuseados pelos moradores das favelas, além do que o período mais seco do ano ajudaria propagar as chamas. O que pouco se fala é que, em geral, essas tragédias ocorrem em regiões extremamente valorizadas do ponto de vista do setor imobiliário da cidade. Marginal Pinheiros, Jacu Pêssego, Rodovia Ayrton Senna e região do aeroporto de Congonhas são algumas das fatias urbanas que mais interessam à especulação imobiliária. Essas regiões abrigam condomínios, hotéis, shoppings, estações de trem e metrô, sendo as áreas das favelas objetos de desejos dos empreendimentos vampirescos dos empresários da construção civil. Essas pessoas tem interesse direto e explícito em acabar com as favelas nesses lugares.

Como nem sempre é possível despejar as famílias com a truculência militar ou com indenizações ridículas, os incêndios prestam um grande serviço à intenção de expulsar os mais pobres das áreas mais valorizadas da cidade. Não é só o caso desses últimos incêndios, mas da maioria deles. Favela do Moinho (2011), Real Parque e Jaguaré (2010) comprovam através de fatos que os incêndios em favelas não são um mero acaso.

Casos tão gritantes provocaram a criação de uma CPI dos incêndios em favelas na câmara municipal de São Paulo. Pra inglês ver. Em cinco meses de “funcionamento”, a CPI se reuniu apenas 3 vezes. A última delas numa reunião que durou 20 minutos! Detalhes importantes: 1- Nessas três reuniões, o único encaminhamento foi a nomeação de um relator (Aníbal de Freitas, do PSDB) e uma vice-presidente (Edir Sales, do PSD); 2- a CPI tem prazo até dia 9 de setembro pra apresentar um relatório da investigação que ainda não começou; 3- a maioria dos vereadores são da base de apoio do governo municipal de Gilberto Kassab, o mesmo que negou qualquer assistência aos moradores atingidos pelos incêndios. É evidente que a CPI vai acabar em fumaça, assim como os barracos...

Kassab também é o prefeito-amigo da especulação imobiliária. Entre 2009 e 2012, grandes construtoras receberam em contratos com a prefeitura mais de R$ 2 bilhões. Para se ter uma idéia, as construtoras Camargo Correa, EIT, OAS e Engeform (que constam entre as maiores do Brasil) doaram juntas para a campanha de Kassab em 2008 cerca de R$ 6 milhões e em troca somaram em contratos junto à prefeitura nos 4 anos seguintes, nada menos que R$ 639 milhões! Mais de 100 vezes mais o valor investido! Vale ressaltar que a prefeitura destinou em 2011 o valor absurdo de R$ 1mil reais para a compra de áreas para a construção de habitação popular.

Os trabalhadores mais pobres, especialmente moradores de regiões muito valorizadas são um obstáculo concreto e inconveniente para a especulação imobiliária e para os governos, patrocinados por ela. Vivem sob a maior precariedade possível e em situações como essas, perdem absolutamente tudo e ainda são criminalizados. Não se pode esperar nenhuma solução por parte da prefeitura ou de outras esferas do governo, pois estamos diante da mais crua e cruel guerra entre interesses diferentes: os que colocam os lucros acima da vida contra os que sobrevivem teimosamente em busca de dignidade.


* Membro da coordenação nacional do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto) e da Resistência Urbana – Frente Nacional de Movimentos


Extraído de:
.