Guilherme Simões *
Nos últimos 20 dias,
cinco grandes incêndios atingiram favelas em São Paulo. Esse tipo
de incidente cresce a cada ano em proporções assustadoras. Entre
2008 e 2011 foram mais de 500 incêndios em favelas. Em 2012, segundo
o corpo de bombeiros, já são 32. A destruição é enorme, quando
não é fatal: móveis, eletrodomésticos, barracos inteiros. Pessoas
feridas e até mortas. Por que isso ocorre com tamanha frequência?
Quais são os reais motivos para tantos “acidentes” e tragédias?
Que setores da sociedade se envolvem com essa situação? Qual é a
condição das famílias que perdem tudo a cada incêndio?
No dia 17 de agosto, a
favela do Areão, próxima a Marginal Pinheiros na Zona Oeste, pegou
fogo e cerca de 300 pessoas ficaram desabrigadas. Moradores afirmam
que o corpo de bombeiros não permitiu que eles ajudassem a conter as
chamas. O incêndio não destruiu a favela inteira, o que permitiu
que os moradores que haviam perdido tudo pudessem começar a reerguer
suas moradias. No dia seguinte, a favela Alba, região do Jabaquara,
próxima ao aeroporto de Congonhas também foi incendiada,
desabrigando quase 200 pessoas. A prefeitura não ofereceu sequer
alojamento para as famílias que perderam tudo. Já no dia 23 de
agosto, uma favela localizada na Vila Prudente, próxima a uma
estação de trem na Zona leste pegou fogo pela segunda vez em 2
anos. Dessa vez, mais de 600 pessoas ficaram sem teto. Os próprios
moradores se organizaram e ficaram abrigados numa escola de samba
vizinha à comunidade, já que a prefeitura não disponibilizou
nenhum abrigo. Além disso, a PM isolou o local e não permitiu que
os moradores reconstruíssem suas casas após o incêndio. Poucos
dias depois, 28 de agosto foi a vez da favela da Paixão, próxima a
Avenida Jacu Pêssego em São Miguel Paulista na Zona Leste ser
incendiada, desabrigando cerca de 300 pessoas. Mais uma vez, a
prefeitura não ofereceu nenhuma assistência às famílias que,
indignadas, travaram por alguns minutos a Avenida Jacu-Pessego que dá
acesso à rodovia Ayrton Senna e foram tratados com bombas de efeito
moral, gás lacrimogêneo e tiros de borracha pela PM. O último e
possivelmente mais trágico incêndio do ano ocorreu no último dia 3
de setembro na favela Morro do Piolho na região do Campo Belo,
próximo ao aeroporto de Congonhas. Mais de 1000 pessoas perderam
suas casas, quatro pessoas ficaram feridas pelo fogo e, pra variar, a
PM permanece no local impedindo os moradores de voltarem. O detalhe é
que a área estava nos planos de “desapropriações” planejado
para ocorrer em todo o eixo da Avenida Jornalista Roberto Marinho.
Em geral as razões
atribuídas para os incêndios são “acidentes” com rede elétrica
clandestina ou com botijões de gás que seriam mal manuseados pelos
moradores das favelas, além do que o período mais seco do ano
ajudaria propagar as chamas. O que pouco se fala é que, em geral,
essas tragédias ocorrem em regiões extremamente valorizadas do
ponto de vista do setor imobiliário da cidade. Marginal Pinheiros,
Jacu Pêssego, Rodovia Ayrton Senna e região do aeroporto de
Congonhas são algumas das fatias urbanas que mais interessam à
especulação imobiliária. Essas regiões abrigam condomínios,
hotéis, shoppings, estações de trem e metrô, sendo as áreas das
favelas objetos de desejos dos empreendimentos vampirescos dos
empresários da construção civil. Essas pessoas tem interesse
direto e explícito em acabar com as favelas nesses lugares.
Como nem sempre é
possível despejar as famílias com a truculência militar ou com
indenizações ridículas, os incêndios prestam um grande serviço à
intenção de expulsar os mais pobres das áreas mais valorizadas da
cidade. Não é só o caso desses últimos incêndios, mas da maioria
deles. Favela do Moinho (2011), Real Parque e Jaguaré (2010)
comprovam através de fatos que os incêndios em favelas não são um
mero acaso.
Casos tão gritantes
provocaram a criação de uma CPI dos incêndios em favelas na câmara
municipal de São Paulo. Pra inglês ver. Em cinco meses de
“funcionamento”, a CPI se reuniu apenas 3 vezes. A última delas
numa reunião que durou 20 minutos! Detalhes importantes: 1- Nessas
três reuniões, o único encaminhamento foi a nomeação de um
relator (Aníbal de Freitas, do PSDB) e uma vice-presidente (Edir
Sales, do PSD); 2- a CPI tem prazo até dia 9 de setembro pra
apresentar um relatório da investigação que ainda não começou;
3- a maioria dos vereadores são da base de apoio do governo
municipal de Gilberto Kassab, o mesmo que negou qualquer assistência
aos moradores atingidos pelos incêndios. É evidente que a CPI vai
acabar em fumaça, assim como os barracos...
Kassab também é o
prefeito-amigo da especulação imobiliária. Entre 2009 e 2012,
grandes construtoras receberam em contratos com a prefeitura mais de
R$ 2 bilhões. Para se ter uma idéia, as construtoras Camargo
Correa, EIT, OAS e Engeform (que constam entre as maiores do Brasil)
doaram juntas para a campanha de Kassab em 2008 cerca de R$ 6 milhões
e em troca somaram em contratos junto à prefeitura nos 4 anos
seguintes, nada menos que R$ 639 milhões! Mais de 100 vezes mais o
valor investido! Vale ressaltar que a prefeitura destinou em 2011 o
valor absurdo de R$ 1mil reais para a compra de áreas para a
construção de habitação popular.
Os trabalhadores mais
pobres, especialmente moradores de regiões muito valorizadas são um
obstáculo concreto e inconveniente para a especulação imobiliária
e para os governos, patrocinados por ela. Vivem sob a maior
precariedade possível e em situações como essas, perdem
absolutamente tudo e ainda são criminalizados. Não se pode esperar
nenhuma solução por parte da prefeitura ou de outras esferas do
governo, pois estamos diante da mais crua e cruel guerra entre
interesses diferentes: os que colocam os lucros acima da vida contra
os que sobrevivem teimosamente em busca de dignidade.
* Membro da
coordenação nacional do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto)
e da Resistência Urbana – Frente Nacional de Movimentos
Extraído de:
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