As
concessões sob o modelo de associação público-privada implicam
que as empresas construam e operem as novas obras
05/09/2012
Raúl
Zibechi
Os
milionários investimentos em infraestrutura anunciados pelo governo
de Dilma Rousseff para serem repassados à iniciativa privada são a
principal aposta do Brasil para sair da estagnação e retomar o
caminho do crescimento.
“Caiu a
ficha!”, exclamou o economista Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda
da ditadura brasileira. “Quando a incerteza sobre o futuro é
absoluta, quando o passado não contém a informação sobre o
futuro, somente uma ação decidida e forte do Estado, como a que
estamos vendo, pode colocar em marcha o setor privado e a economia.
Essa ação, correta e factível, é capaz de antecipar a esperança”
(Valor, 21 de agosto de 2012).
Deste
modo saudou o economista conservador o Programa de Investimentos em
Logística anunciado por Dilma Rousseff, em 15 de agosto, diante de
dezenas de empresários que esperavam um sinal do governo para
colocar dinheiro em obras com retorno econômico assegurado pelo
Estado. O programa supõe concessões a empresas privadas dispostas a
investir 40 bilhões de dólares nos próximos cinco anos para
construir 5.700 km de rodovias e 10.000 km de ferrovias. Apenas
nestes itens o programa prevê o investimento de 65 bilhões de
dólares em 30 anos.
Nos
próximos 12 meses o governo se propôs a conceder ao setor privado
doze ferrovias e nove rodovias e, em um futuro próximo, dispõe-se a
estender a mesma modalidade de concessão a portos e aeroportos. As
concessões sob o modelo de associação público-privada implicam
que as empresas construam e operem as novas obras.
A grande
novidade foi a criação da Empresa de Planejamento em Logística,
que se encarregará da integração dos projetos de infraestrutura e
de supervisionar as obras. Dilma assegurou que se trata de diminuir
os custos de transporte e energia para assegurar que o Brasil cresça
a uma taxa elevada durante um longo período. “Isso é fundamental
para garantir o emprego”, concluiu a presidente (Folha de São
Paulo, 16 de agosto de 2012).
A
crise como pano de fundo
Enquanto
o programa era recebido com euforia por um amplo setor de
empresários, bem como pelas maiores centrais sindicais, os
intelectuais opositores e alguns núcleos sindicais consideraram as
concessões como um retorno às privatizações. O partido
social-democrata de Fernando Henrique Cardoso, o grande privatizador
da década de 1990, permitiu-se ironizar e “lamentar o atraso” do
governo em seguir seu exemplo (Folha de São Paulo, 16 de agosto de
2012). Dilma alterou seu projeto político no começo deste ano ao
comprovar que o Brasil está sendo duramente afetado pela crise
mundial, o que se traduz em estancamento produtivo. Em 2011 o PIB
cresceu modestos 2,7%. O governo confiava em uma pronta recuperação,
já que os rendimentos da população seguiam crescendo e as taxas de
juros baixavam. Nada disto aconteceu. No primeiro semestre de 2012 o
crescimento foi nulo e 2012 fechará com um crescimento de PIB abaixo
de 2%. Uma potência emergente como o Brasil necessita de uma base de
5% anuais de crescimento, como apontou a presidente.
Em três
viagens realizadas entre março e abril, Dilma pôde sentir o
profundo pessimismo que corre o mundo. Em março, durante sua visita
a Alemanha, conversou com Angela Merkel, que lhe confirmou que a
política de austeridade da União Europeia se estenderá pelo menos
até final de 2013 e que o euro não voltará à sua situação
“normal” em menos de três anos (Valor, 17 de agosto de 2012).
No final
deste mês, na cúpula dos BRICS realizada em Nova Deli, conversou
com o presidente chinês Hu Jintao, que advertiu-lhe sobre a
desaceleração da economia de seu país, que começava também a
mudar de um modelo de crescimento centrado nas exportações para
outro modelo, voltado ao mercado interno. Jintao anunciou a Dilma que
a China comprará menos minério de ferro e mais soja e proteína
animal.
Em abril
a presidente encontrou-se em Washington com Barack Obama, que lhe
assegurou que a recuperação econômica dos Estados Unidos é muito
mais frágil do que o previsto e que este aspecto está criando
grandes dificuldades para sua reeleição.
O mau
humor global levou o governo a estimular a economia com medidas para
reduzir a taxa de lucro, estimular o consumo e proteger a indústria
diante da avalanche de produtos chineses. O Banco Central deixou
desvalorizar o real, que passou de uma média de 1,70 por dólar a
dois reais atuais. Todas essas medidas estavam destinadas a tornar
mais competitivo o setor industrial.
Além
disso, verificou-se que, após seis anos de aprovado, o Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC) não marcha no ritmo desejado: há
um atraso de 150 bilhões de dólares em investimentos de
infraestrutura e o Brasil gasta 19% do PIB em investimentos quando
deveria chegar a 25%, de acordo com Jorge Gerdau, um dos mais
importantes empresários do Brasil e coordenador da Câmara de
Políticas de Gestão do Governo Federal (Brasil Econômico, 15 de
agosto de 2012).
Convencida
- pelo núcleo de empresários e banqueiros que a assessoram - de que
é essencial reduzir os custos de produção e de que "sem o
empresariado não há dinheiro para a infraestrutura", como
afirmou Gerdau, Dilma cedeu investimentos de longo prazo para o setor
privado para que os donos do dinheiro participem da economia real. É
claro, contudo, que 80% dos recursos devem ser concedidos pela
estatal BNDES.
Mudança
de modelo
As
concessões/privatizações de rodovias e ferrovias vão combinadas
com outras medidas do mesmo tipo. Reduções nas aposentadorias dos
funcionários, criação de um fundo de pensão dos funcionários
federais, privatização dos três maiores aeroportos do país e
congelamento dos salários públicos, são parte do mesmo pacote.
Surpreende que o programa anunciado tenha sido apoiado tanto por
empresários quanto por sindicalistas. Eike Batista, considerado pela
Forbes o homem mais rico da América do Sul, com uma fortuna de 30
bilhões de dólares, disse que a proposta “demorou”, mas
considerou que “é um modelo muito feliz”. Na hora de detalhar os
efeitos do plano, foi muito preciso: “Se se baixa o custo dos
emergentes, que é um dos elementos do programa, porque o Brasil é
um dos emergentes mais caros do mundo, você passa a ser mais
competitivo”. (Folha de São Paulo, 16 de agosto de 2012).
Tanto a
CUT como a Força Sindical, ambas próximas do governo, mostraram-se
satisfeitas. A primeira pediu “contrapartidas sociais” e a
segunda esboçou um discurso ideológico: “A presidenta está
acompanhando as mudanças no mundo. Está vendo que tem necessidade
de incluir o capital privado cada vez mais na economia”, disse
Miguel Torres, presidente da Força Sindical (Agência Brasil, 15 de
agosto de 2012). O ex-presidente Lula exibiu seu pragmatismo para
defender o programa de Dilma: “Afinal de contas, o povo muitas
vezes não quer saber se quem fez foi o Estado ou a iniciativa
privada. O que quer é benefícios” (Folha de São Paulo, 16 de
agosto de 2012).
Cabe
perguntar-se para onde vão os "benefícios" dessa guinada
para o setor privado. Uma pista pode ser dada pela recente
privatização de 51% dos três principais aeroportos do país:
Guarulhos, o maior, foi cedido por oito bilhões de dólares para um
consórcio liderado pela Invepar, composto pelos três maiores fundos
de pensão (Previ, Petros e Funcef, dos funcionários do Banco do
Brasil, da Petrobras e da Caixa Econômica Federal). Viracopos, em
Campinas, o segundo maior, foi entregue a Engevix onde a Funcef tem
presença importante.
A Invepar
já administra seis estradas e o metrô do Rio de Janeiro. Não é
nenhum segredo que os fundos de pensão das grandes empresas
estatais, que controlam várias multinacionais brasileiras e são
dirigidos por sindicalistas, obterão uma fatia nas concessões
rodoviárias, ferrovias, dos portos e aeroportos. Em sociedade com
grandes empresários como Gerdau, Odebrecht e outros empreiteiros que
formam o topo dessa peculiar pirâmide chamada "lulismo".
Alguns
analistas sustentam que Dilma tem pressa para retomar o crescimento.
Não se trata somente das eleições municipais de outubro, mas da
sua leitura particular do momento que atravessa o mundo. Sua
principal preocupação seria “a capacidade do Brasil de competir
em condições de igualdade, daqui a alguns anos, com os países
emergentes e também com os ricos, que em sua opinião sairão da
crise atual mais fortes e competitivos” (Valor, 17 de agosto de
2012).
Todavia,
a atual aliança sindical-empresarial é bem diferente daquela que se
formou há meio século sob Getúlio Vargas, da qual nasceram as
grandes empresas estatais. Agora trata-se de uma sociedade entre dois
setores empresariais, os donos e os administradores do capital,
abençoados e protegidos pelo Estado emergente. Um processo não
muito diferente do que vivem os demais BRICS. Até o conservador
Delfim Netto defende um “Estado forte” para promover o
crescimento.
Raúl
Zibechi, jornalista uruguaio, é professor e pesquisador na
Multiversidad Franciscana de América Latina e assessor de vários
coletivos sociais.
Extraído de:
http://www.brasildefato.com.br/node/10510
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