domingo, 15 de janeiro de 2012

As sóbrias palavras de um dependente químico

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14/01/2012 - 22h33
'A droga que não uso é o título de eleitor', diz morador da cracolândia

JULIANNA GRANJEIA
DE SÃO PAULO


Wellington, 33, morador de rua e viciado em drogas, ficou responsável por uma das churrasqueiras na esquina da rua Helvétia com a alameda Dino Bueno, onde estava sendo realizado o "churrascão da gente diferenciada" na tarde deste sábado. Cantando e dançando, ele ajudou a servir os moradores da região central de São Paulo que fizeram fila para comer.

"Não tenho palavras para descrever isso. Muita energia positiva. Você não vai perguntar se eu uso drogas? A droga que eu não uso é o título de eleitor. Vocês ficam votando e o que recebemos depois é borrachada", afirmou.

Sebastião Nicomedes de Oliveira, 44, cuidou de outra churrasqueira. Disse que morou nas ruas por quatro anos e outros quatro em albergue, e que não usa drogas. O problema na região da Luz, para ele, é a falta de respeito com quem vive por ali.

"Deveria ter uma casa de convivência aqui, com pessoas que tenham amor, zelo, que ofereçam ajuda. Não é com helicóptero da polícia e borrachada que vão resolver o problema aqui. Essas pessoas são vítimas do descaso", afirmou.

A moradora de rua viciada em crack Eliane Ferreira de Sena, 40, concorda. "Eu estou gostando dessa movimentação de hoje, estou achando bonito que existem pessoas preocupadas com a gente. Nós não estamos certos, a gente sabe disso. Se alguém me oferecesse ajuda agora para largar das drogas e procurar minha família, eu aceitaria", afirma Eliane que, ao avistar os fotógrafos, lembra que não penteou o cabelo e que estava sem maquiagem.

O artesão conhecido como Piauí Ecologista --que já foi viciado em drogas e hoje faz campanha de conscientização sobre o uso-- disse estar inconformado com a forma de como a Polícia Militar está agindo na região.

"Estou há 20 anos sem usar drogas e estou revoltado com o que está acontecendo aqui. Em ano de eleição, os políticos querem mostrar serviço e usar como propagando eleitoral. Nós temos que denunciar os abusos", afirmou.

Piauí fez um discurso de cima de uma das casas usadas pelos viciados para se drogar na alameda Dino Bueno. No final de sua fala, os manifestantes cantaram o Hino Nacional.

O padre Julio Lancelotti, coordenador da Pastoral do Povo de Rua, que estava presente na manifestação, afirmou que o protesto demonstra o descontentamento com a postura higienista adotada para tratar a situação.

"A manifestação trouxe o lúdico, a resistência, o protesto contra a tortura. Há uma sociedade que não concorda e que está preocupada com as ações da PM."

CHURRASCÃO

Ao menos 200 pessoas participaram do "churrascão da gente diferenciada" na cracolândia, região central de São Paulo, na tarde deste sábado.

A manifestação foi organizada por diversas ONGs e grupos, entre eles o coletivo Dar (Desentorpecendo a Razão), a Casa da Cultura Digital e Transparência Hacker, e começou por volta das 16h na esquina da rua Helvétia com a alameda Dino Bueno. Membros do MST e da Igreja Católica e evangélica também participaram.

O evento foi um protesto contra a operação iniciada pela PM na região no dia 3 e pela falta de política pública para os usuários de drogas da cracolândia.

Alguns moradores de rua entraram na festa, aproveitando os comes e bebes e cantando com os manifestantes.

Outros viciados que estavam no local no início do "churrascão", porém, mudaram para outra esquina. Irritados com fotógrafos e jornalistas, eles pediram para não serem fotografados e diziam para quem se aproximava: "A festa é do outro lado".

Policiais tentaram dispersar o grupo, mas minutos depois ele voltava a se reunir.

Um grupo da Transparência Hacker levou seu ônibus para o local e soltou balões de gás hélio coloridos no começo do evento.

"A ideia é registrar, conhecer e ocupar a região. Não é só um problema de política e segurança, é um problema nosso. Para ajudarmos, precisamos conhecer melhor", afirmou Daniela Silva, integrante da ONG.


Extraído de:
http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1034561-a-droga-que-nao-uso-e-o-titulo-de-eleitor-diz-morador-da-cracolandia.shtml

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COMENTÁRIO:


A farsa que é a democracia burguesa está tão evidente que é percebida até por um dependente químico e morador de rua sem "instrução".

As "borrachadas" pós-eleição são distribuídas não apenas nos setores marginalizados mas em todos aqueles que lutam contra as injustiças e desmandos provenientes do status quo.

Na última semana estudantes e trabalhadores de Teresina, no Piauí, não só receberam as "borrachadas" como alguns foram encarcerados. O motivo? A luta contra o aumento das tarifas do transporte coletivo. Em São José dos Campos, no interior de São Paulo, as "borrachadas" podem vir acompanhadas de balas e até de sangue. O motivo? A luta de uma comunidade pelo direito mínimo de moradia ameaçado pela especulação imobiliária.

Em ambos os casos os supostos "representantes do povo" não só deram as costas à maioria que dizem representar como ainda distribuíram as "borrachadas" pós-eleitorais no lombo da maioria para garantir os interesses de uma minoria abastada e privilegiada.

Uma das características das ditaduras é garantir privilégios para uma minoria em detrimento da maioria. Pois a democracia burguesa, desde a sua origem, se caracterizou exatamente por resguardar o interesse de uma minoria em detrimento da maioria. E sempre que esta última não é convencida pela propaganda ideológica ou pelo falso diálogo entram em ação as "borrachadas" e até as balas pós-eleitorais. É por isso que a democracia burguesa não passa de uma ditadura do capital. Na Europa, nem cadeirante tem sido poupado.
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