Nas Praças luta-se por um outro mundo
Em fevereiro deste ano escrevi, sobre as mobilizações no Norte da África:
"Além do mais o rastro de pólvora pode se estender até o Ocidente. A luta do povo do Oriente Médio, se vitoriosa, pode servir de inspiração aos trabalhadores ocidentais que têm resistido às medidas de ajuste dos seus governos em meio à crise financeira." [1]
A ocupação de praças públicas é um movimento de protesto que teve origem no Egito e na Tunísia. E conforme o tempo nos mostrou foi um "rastro de pólvora" que se espalhou pelo mundo. O "Democracia Real Já", que ocupou praças da Espanha por várias semanas, é uma influência direta das Praças de Tahir e Tunis. O próprio movimento "Ocupe Wall Street" também sofreu influência das mesmas.
Nesses acampamentos está a luta por uma outra política, por uma democracia de verdade onde o povo de fato tenha vez e voz e de fato decida os rumos; e por uma outra economia onde as pessoas - e não os lucros - sejam a prioridade.
Se no Norte da África os manifestantes lutavam, e ainda lutam, contra governos autoritários, no Ocidente a democracia representativa se mostra um regime em benefício de minorias, ou como dizem os cartazes do "Ocupe Wall Street": dos 1%.
A democracia representativa ocidental, apresentada e celebrada como a democracia por excelência, não vacila em reprimir autoritariamente os descontentes como podemos constatar nas ruas do Velho Mundo. Nos próprios Estados Unidos, tido por muitos como a "maior democracia do mundo", país que se arroga o direito de "exportar democracia", centenas de pessoas estão tendo a sua liberdade de expressão detida e a sua privacidade invadida pelo governo. [2]
Os espanhóis do "Democracia Real Já" foram os primeiros a bradar ao mundo que a democracia representativa ocidental não era uma democracia de verdade. Em meio ao processo eleitoral a juventude tomou as praças do país, rejeitou as eleições municipais e apontou a mobilização social como o único caminho para se buscar uma democracia autêntica já que os "seus" representantes representam na verdade os 1%. [3] Muitos ao redor do mundo já compartilhavam do mesmo sentimento dos espanhóis mas se limitavam a se ausentar do processo eleitoral.
A História da construção da democracia moderna ampara o descontentamento daqueles que duvidam do caráter da sua representação. Pensada pelos ascendentes capitalistas para se inserir politicamente e legitimar o seu modelo de sociedade a democracia moderna não desejava a participação das massas. Estas, por sua vez, só conquistaram direitos políticos com muita luta e mesmo assim a sua inclusão se deu de forma controlada para evitar transformações sociais profundas. Tratei de forma mais detalhada desse processo no artigo "O desgaste da democracia representativa moderna". [4]
A crise financeira tirou o véu das instituições políticas do regime e mostrou quem os governos realmente representam. Marx dizia que o Estado capitalista era o "comitê gestor da classe burguesa". Inebriados pelo pacto social keynesiano do pós-guerra alguns setores de esquerda o criticaram duramente por isso. Mas os fatos, mais uma vez, mostraram que Marx tinha razão.
E a crise e a implementação do neoliberalismo, mais do que as redes sociais, é o que une a indignação social cujo rastro de pólvora foi aceso no Norte da África e se espalhou pelo mundo. São as condições concretas de vida, e não as redes sociais, os responsáveis por esses protestos. As redes sociais apenas auxiliam na organização mas sem um fato objetivo não haveria mobilização.
Os ventos do neoliberalismo, dizia o ocidente, havia levado prosperidade para o Egito e a Tunísia. Mas o povo irrompeu nas praças, e nas ruas, dizendo o contrário. [5]
No Ocidente os ventos do neoliberalismo se tornaram o grande tornado da crise do capitalismo. E diante da crise, os governos à serviço das classes dominantes só têm conseguido aprofundar o neoliberalismo. Para isso se tornam cada vez mais autoritários e surdos ao anseios da maioria do povo.
Os movimentos de sábado, dia 15 de outubro, foram convocados pelo "Democracia Real Já" e não pelo "Ocupe Wall Street" como mencionaram alguns. Mas é inegável que a luta deste último motivou muitos a sair para as ruas. Mais de 80 países atenderam ao chamado dos espanhóis.
Em Wall Street se questiona o poder econômico do capital financeiro. Mas se questiona também por que os 99% da população têm de pagar pela crise criada pelos 1%. É um recado claro aos políticos e as classes dominantes.
Esses questionamentos se espalharam pelos Estados Unidos e estão ganhando o mundo. São bandeiras claramente anticapitalistas e que não podem ser realizadas nos marcos do atual sistema sócio-econômico. O capitalismo começa a ser seriamente questionado ainda que de forma confusa.
Nas praças do mundo se luta por uma outra política e uma outra economia, algo que os arautos do status quo e os pessimistas de plantão achavam impensável há poucos anos. O beco sem saída do capital está obrigando as pessoas a se mobilizar e pensar em alternativas. Hoje a esperança reside nos acampamentos montados nas praças e nas ocupações realizadas nas cidades do mundo.
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[1] O Oriente Médio aterroriza o Ocidente (22/02/2011):
http://blogdomonjn.blogspot.com/2011/02/o-oriente-medio-aterroriza-o-ocidente.html
[2] Yahoo bloqueia e-mails de protestos nos EUA (21/09/2011):
http://info.abril.com.br/noticias/tecnologia-pessoal/yahoo-bloqueia-e-mails-de-protestos-nos-eua-21092011-17.shl
[3] Em busca da democracia real (20/05/2011):
http://blogdomonjn.blogspot.com/2011/05/em-busca-da-democracia-real.html
[4] O desgaste da democracia representativa moderna (09/09/2010):
http://blogdomonjn.blogspot.com/2010/09/o-desgaste-da-democracia-representativa.html
[5] O que o Ocidente dizia do Norte da África? (29/01/2011):
http://blogdomonjn.blogspot.com/2011/01/o-que-o-ocidente-dizia-do-norte-da.html
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