sábado, 28 de maio de 2011

Porque Palocci é culpado e já está condenado

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As instituições do regime podem até não condenar o Ministro-Chefe da Casa Civil, Antônio Palocci, o que não seria nenhuma novidade quando se trata dos poderosos no Brasil, mas do ponto de vista político e da transformação social ele não só é culpado como já está condenado.

Do chão dos peões para os gabinetes dos patrões

O caso Palocci, além de um eventual tráfico de influência que o ministro possa ter praticado e de um suposto enriquecimento ilícito (que obviamente devem ser condenados), mostra a mudança de classe de um dos principais dirigentes do PT. E é importante notar que ele não foi o único: Luiz Gushiken e José Dirceu também alçaram-se do chão dos peões para os gabinetes dos patrões.

Tal fato não pode ser encarado do ponto de vista simplista "enriquecimento lícito" versus "enriquecimento ilícito" pois há implicações políticas muito sérias que o envolvem.

Uma vez que os próprios dirigentes do PT tenham se acomodado dentro do regime e até se transformado em burgueses, fica fácil entender porque o Governo Lula, e agora o Dilma, apresentam inúmeros pontos de contato com o de Fernando Henrique Cardoso. Fica fácil entender também porque o governo petista não realizou nenhuma reforma social, não mudou o rumo da economia e beneficiou tanto o capital: as mudanças representariam um corte na própria carne, um ataque aos próprios privilégios!

Vejamos um caso recente para perceber de forma cristalina como isso está ocorrendo: a revolta na Hidrelétrica de Jirau.

Regado a muito dinheiro público, o consórcio que está tocando a obra possui um arco de aliança que envolve a burocracia estatal, o capital nacional e até o internacional. A Energia Sustentável do Brasil (ESBR) é formada pela francesa Suez Energy (50.1%), pelas estatais Eletrosul (20%) e Chesf (20%) e pela brasileira Camargo Corrêa (9,9%). [1]

Não foi por acaso que em meio a justa revolta dos trabalhadores de Jirau, submetidos a condições degradantes de trabalho, o Governo Dilma enviou a repressão [2], chancelou as demissões [3] e garantiu a manutenção do envio de dinheiro do BNDES para o consórcio seguir lucrando com a obra.[4] Claro: mexer com o consórcio significaria não apenas combater as empresas privadas (a francesa e a brasileira) mas também os burocratas envolvidos no negócio lucrativo.

Dentro dessa lógica, Palocci manteve relações com empresas poderosíssimas, nacionais e estrangeiras.

Pão de Açúcar, Íbis, LG, Samsung, Claro-Embratel, TIM, Oi, Sadia Holding, Embraer Holding, Dafra, Hyundai Naval, Halliburton, Volkswagen, Gol, Toyota, Azul, Vinícola Aurora, Siemens, Royal (transatlânticos), Itaú-Unibanco, Bradesco Holding e até a EBX recorreram aos préstimos do atual ministro. [5]

Logo não é difícil entender porque ele é considerado hoje um homem de confiança dos mercados e porque estes desejam a sua permanência no governo. [6]

Igual aos outros

Durante o episódio do mensalão o PT fez um esforço danado para demonstrar que era no mínimo igual, e não pior, do que os outros partidos da ordem.

De forma similar, o atual Ministro-Chefe da Casa Civil confessa ter feito apenas aquilo que os outros partidos da ordem fazem. Diz a nota emitida pela Casa Civil:

"No mercado de capitais e em outros setores, a passagem por Ministério da Fazenda, BNDES ou Banco Central proporciona uma experiência única que dá enorme valor a estes profissionais no mercado. Não por outra razão, muitos se tornaram em poucos anos, banqueiros como os ex. Pres. do BACEN e BNDES Pérsio Arida e André Lara Rezende, diretores de instituições financeiras como o ex-ministro Pedro Malan ou consultores de prestígio como ex-ministro Mailson da Nóbrega.

A empresa Projeto prestou serviços para clientes da iniciativa privada tendo recolhido sobre a remuneração todos os tributos devidos. Muitos Ministros importantes também fizeram o percurso inverso, vieram do setor privado para o governo, tomando as precauções devidas para evitar conflitos de interesse, como o ex-ministro Alcides Tápias, ex-diretor de importante instituição financeira, os ex-presidentes do BC Armínio Fraga, antes gestor de um grande fundo de investimentos internacional e Henrique Meirelles, com longa trajetória no mercado financeiro. Os mecanismos utilizados pelo ministro Palocci para impedir qualquer conflito de interesses foram os mesmos adotados pelos citados." [7]

Na corrente "em defesa do Palocci" entrou em cena um personagem importante e de peso: o ex-presidente Lula. [8] Isso mostra àqueles que, diante do evidente conservadorismo do Governo Dilma buscam absolver o antecessor, tal política constitui-se na continuidade do e tem o dedo de Lula. Afinal ele foi o responsável não apenas pela escolha de Dilma como candidata do partido mas também pelo retorno de Palocci.

A culpa do condenado

É difícil entender que a simples labuta seria o segredo da eficiência do Ministro-Chefe da Casa Civil e a única responsável pelo aumento generoso do seu patrimônio em tão pouco tempo.

É difícil acreditar que um dos grandes figurões do principal partido do governo não tenha tido acesso a informações privilegiadas mesmo quando afastado.

É difícil! Mas o tecnicismo juridíco e contábil assim como as armações políticas vão tentar nos convencer de que sim, que tudo se deu dentro da mais pura normalidade.

Mas suponhamos que, apesar de todas as evidências em contrário, tudo tenha ocorrido de fato dentro da mais pura normalidade. Deveria ser aceitável, por aqueles que desejam mudanças, que um dirigente saia do chão dos peões para os gabinetes dos patrões? Deveria ser aceitável, por aqueles que desejam mudanças, que tal dirigente ao invés de distinto se mostre igual aos de sempre?

É provável que as instituições do regime não condenem Palocci, como é de praxe em se tratando dos poderosos no Brasil. Mas do ponto de vista político e da transformção social, àquele que diz hoje que é apenas "igual aos de sempre" e que é celebrado pelas classes dominantes nacionais e estrangeiras pelas suas ações em seu benefício, não só confessou a sua culpa como já demonstrou estar condenado. A História guarda um capítulo infame para tipos como este.

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[1] Energia Sustentável do Brasil traz novo fornecedor de turbina e gerador para o Brasil. Energia Sustentável do Brasil - Press Release. 26/01/2009.
http://www.energiasustentaveldobrasil.com.br/

[2] Governo envia Força Nacional para conter violência em usina de Jirau (17/03/2011):
http://g1.globo.com/brasil/noticia/2011/03/governo-envia-forca-nacional-para-conter-violencia-em-usina-de-jirau.html

[3] "A demissão, se bem feita e combinada com os sindicatos, não tem problema (...)" - Gilberto Carvalho, Ministro da Secretaria-Geral da Presidência, 20/04/2011, em "Dilma: Belo Monte não pode repetir Jirau", extraído de:
https://conteudoclippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2011/4/20/dilma-belo-monte-nao-pode-repetir-jirau

[4] BNDES manterá financiamento para Jirau e Santo Antônio (21/03/2011):
http://economia.estadao.com.br/noticias/economia+brasil,bndes-mantera-financiamento-para-jirau-e-santo-antonio,59328,0.htm

[5] Palocci teria beneficiado grandes empresas (22/05/2011):
http://blogdomonjn.blogspot.com/2011/05/palocci-teria-beneficiado-grandes.html

[6] O caso Palocci e a ética do mercado (23/05/2011):
http://blogdomonjn.blogspot.com/2011/05/o-caso-palocci-e-etica-do-mercado.html

Mercado confia por enquanto na permanência de Palocci
http://www.al.ma.gov.br/paginas/noticias.php?codigo1=7323

[7] Nota da Casa Civil sobre o caso Palocci
https://conteudoclippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2011/5/18/todas-as-informacoes-constam-da-declaracao-de-renda

http://m.folha.uol.com.br/poder/917083-veja-a-integra-da-nota-de-palocci-sobre-empresa-e-patrimonio.html

http://correiodobrasil.com.br/casa-civil-publica-nota-sobre-palocci/241255/

[8] Nos bastidores, Lula articula reação à crise que cerca Palocci (26/05/2011):
http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/nos+bastidores+lula+articula+reacao+a+crise+que+cerca+palocci/n1596979586309.html

'Quem acusa, tem que provar', afirma Lula sobre caso Palocci (24/05/2011):
http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/quem+acusa+tem+que+provar+afirma+lula+sobre+caso+palocci/n1596975889241.html

Caso Palocci pauta encontro de Lula com senadores do PT (24/05/2011):
http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/caso+palocci+pauta+encontro+de+lula+com+senadores+do+pt/n1596975678670.html
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