quarta-feira, 11 de maio de 2011

O pedido de desculpas não aplaca o preconceito

Delfim Neto pediu desculpas públicas por ter ofendido as empregadas domésticas em entrevista no Canal Livre. Mas a desculpa não apaga o preconceito de classe.

Em entrevista ao programa Canal Livre, da Rede Bandeirantes, no início do mês passado, Delfim Neto chamou as empregadas domésticas de "animais". O economista não estava de cabeça quente e utilizou tal expressão com uma frieza assustadora, como pode ser verificado abaixo:


http://www.youtube.com/watch?v=kZNOOwdac5Q

Pressionado pelo Instituto Doméstica Legal, que exigiu reparações, Delfim Neto, mais de um mês após a declaração, fez um pedido público de desculpas e registrou em cartório.

Mas mesmo neste momento ele não conseguiu esconder o caráter elitista e preconceituoso do seu modo de pensar. Delfim considerou o repúdio das empregadas domésticas às suas palavras uma "tempestade num copo d'água" e fez uma analogia descabida com um suposto uso corriqueiro do termo "animal" pelos profissionais da Economia:
"Os economistas (eu, inclusive) usam corriqueiramente a expressão 'fazer nascer o espírito animal dos empresários' como forma de despertá-los para oportunidades de investimento e não me lembro de nenhum empresário que tenha se declarado ofendido ou humilhado." [1]

Não precisa ser PhD em letras para saber da diferença gritante entre as duas formas de aplicação da mesma expressão, que ele tenta igualar.


O preconceito social em perspectiva histórica

Os ideológos das classes dominantes, que se diziam campeões das liberdades e do respeito às individualidades, apresentavam grande desprezo pelas classes subalternas.

O liberal inglês John Locke considerava as classes subalternas meras "bestas de carga", no século XVII. Na França do século XVIII, o também liberal, Benjamin Constant, justificatva a exclusão das classes subalternas da política assimilando-as à "crianças" e à "estrangeiros". Nos Estados Unidos, os "Pais Fundadores" também desprezavam as classes populares: se para Gouverneur Morris estas não passavam de "crianças", para Hamilton eram os "mais depravados morais" da sociedade. Isto sem falar em outros termos como "a canalha" e "multidão suína" (Burke) utilizados para se referir às classes subalternas. [2]

Todas essas expressões eram utilizadas em vários contextos. Mas nem por isso negavam o preconceito social dos ideólogos das classes dominantes.

No Brasil, no século XIX, os intelectuais das elites muito se apoiaram nos escritos dos pensadores anteriores tanto para justificar a sua dominação quanto para defender a exclusão das classes baixas da política.

A luta dos explorados conquistou direitos políticos e sociais. Mas ainda não derrotou o preconceito social das classes dominantes e dos pensadores à seu serviço.


___________________________________________

[1] Delfim Netto pede desculpas às empregadas domésticas (10/05/2011):
http://g1.globo.com/economia/noticia/2011/05/delfim-netto-pede-desculpas-as-empregadas-domesticas.html

Delfim protocola pedido público de desculpas a empregados domésticos (10/05/2011):
http://www.band.com.br/jornalismo/cidades/conteudo.asp?ID=100000430094

[2] O desgaste da democracia representativa moderna (09/09/2010):
http://blogdomonjn.blogspot.com/2010/09/o-desgaste-da-democracia-representativa.html

A "Contra-História do Liberalismo" (17/09/2009):
http://blogdomonjn.blogspot.com/2009/09/contra-historia-do-liberalismo.html
.