quarta-feira, 3 de março de 2010

Chile: a tragédia da exceção

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No último sábado o Chile foi assolado por um terremoto que até o momento já contabilizou 795 mortos. Foi, sem dúvida, uma grande tragédia natural.

As regiões mais atingidas, em especial a cidade de Concepción, estão um verdadeiro caos e sua população se vira como pode para garantir a sua sobrevivência.

Comovido com a agrura da população desesperada que sensibiliza o mundo inteiro, o Estado mínimo chileno não tardou em se agigantar e enviou, já no domingo, uma generosa ajuda aos necessitados: "policiais usaram bombas de gás lacrimogêneo para tentar dispersar as cerca de mil pessoas que, levadas pelo desespero, foram ao supermercado na busca de água e alimentos", são as palavras do Estadão na manhã seguinte à tragédia.[1]
O supermercado em questão é controlado pela americana Wal-Mart.

Ainda no domingo a presidenta Michelle Bachelet anunciou mais ajuda para às vítimas: "(...) Assinamos com o ministro do Interior e da Defesa o decreto de exceção nacional de catástrofe para as regiões de Maule e Bío Bío"[2]


A mandatária chilena acabava de criminalizar os necessitados e suspender garantias constitucionais:
"Esta decisão implica que as autoridades poderão restringir certos direitos constitucionais, como o de circulação ou transporte de mercadorias, para evitar incidentes ou maiores danos."[3]

O toque de recolher, que "permite ao presidente restringir a circulação de pessoas, o transporte de mercadorias e a liberdade de trabalho, de informação, de opinião e de reunião"[4], cobria a faixa horária das 21 às 6 horas e durante ele "160 pessoas foram detidas e uma foi morta a tiros". "Nós temos uma pessoa morta, mas não houve saques de prédios comerciais ou residenciais", comemorou o vice-ministro do Interior, Patricio Rosende. Ele sequer informou "onde estão os 160 detidos por violar o toque de recolher."[5]

Havia sido o primeiro toque de recolher desde a queda de Pinochet. Mas a presidenta, que foi perseguida política pelo ex-ditador chileno, não se deu por satisfeita e resolveu ampliar o mesmo:
"Chile amplia toque de recolher e soldados nas ruas." "O toque de recolher passou a vigorar por 18 horas, das 18h ao meio-dia (...) Outras três cidades (...) também passaram a ter toque de recolher."[6]

Concepción, a cidade mais atingida pela tragédia, foi "militarizada" e "lembra uma zona de guerra" afirma a AFP.[7]
De fato tanques de guerra e 14 mil soldados fortemente armados adentraram na cidade.

No Chile à tragédia natural se somou a tragédia da exceção. Um governo cuja principal dirigente foi perseguida pela ditadura militar agora impõe um duro regime de exceção contra pessoas simples que lutam para sobreviver em meio ao caos.
"A delinquência não é aceitável"[8], é o recado de Bachellet a essas pessoas, frase que somada às ações de seu governo diante da tragédia lembram tempos obscuros da História do Chile.

Olhando para o Chile também não há como não lembrar do Haiti e de Nova Orleans, onde a defesa da propriedade privada teve prioridade ante a defesa da vida dos atingidos pelas catástrofes.

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[1] Após tremor, polícia tenta reprimir saqueadores no Chile (28/02/2010):
http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,apos-tremor-policia-tenta-reprimir-saqueadores-no-chile,517335,0.htm

[2,3] Chile impõe toque de recolher em áreas mais atingidas por terremoto (28/02/2010):
http://oglobo.globo.com/mundo/mat/2010/02/28/chile-impoe-toque-de-recolher-em-areas-mais-atingidas-por-terremoto-915958970.asp

[4] Chile decreta toque de recolher nas regiões afetadas pelo sismo (28/02/2010):
http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL1509499-5602,00-CHILE+DECRETA+TOQUE+DE+RECOLHER+NAS+REGIOES+AFETADAS+PELO+SISMO.html

[5] Ação contra saques no Chile deixa 1 morto e 160 presos (01/03/2010):
http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,acao-contra-saques-no-chile-deixa-1-morto-e-160-presos,517727,0.htm

[6,8] Chile amplia toque de recolher e soldados nas ruas (02/03/2010):
http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,chile-amplia-toque-de-recolher-e-soldados-nas-ruas,518455,0.htm

[7] Chile: militarizada por causa de saques, Concepción lembra uma zona de guerra (02/03/2010):
http://www.google.com/hostednews/afp/article/ALeqM5hhvsc4qIw05aiSlcEg0Ir7MXumvg
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