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Publicado em 16/06/2014
Por Mauro Iasi
Malcom X comparou, certa vez, os negros que defendiam a integração
na sociedade norte americana com escravos da casa. Para defender suas
pequenas posições de acomodação na ordem escravista, buscavam
imitar seus senhores, copiar seus maneirismos, usar suas roupas, sua
linguagem, adotando o nome da família de seus senhores. Daí o “X”
no lugar do sobrenome do revolucionário norte americano.
Não é de se estranhar que os escravos da Casa Grande se
incomodassem com as revoltas vindas da Senzala, pois poderiam
atrapalhar sua instável acomodação, sua sobrevivência
subserviente.
Dois textos recentes me chamam a atenção, não sei se produzidos
pela mesma pena, mas certamente movidos pelo mesmo ódio e desprezo
contra a esquerda em nosso país. Um deles é de autoria do sociólogo
Emir Sader neste blog (“Não é a Copa, imbecil, são as
eleições”), que recentemente comparou os manifestantes a
cachorros vira-lata, outro é o editorial do Brasil de Fato de
03/06/2014 (“Eleições presidenciais e o papel do esquerdismo“)
que, não contente em se aliar ao campo de apoio a Dilma, abriu as
baterias contra a esquerda – aquela mesma que em muitas situações
apoiou esse jornal, não apenas nas campanhas para sua sustentação,
mas participando de seu conselho editorial e apoiando nos momentos
mais difíceis.
Tanto o sociólogo como o jornal têm o direito de apoiar quem
quiserem, de emitirem suas opiniões, mas o que nos chama a atenção
é a necessidade de atacar a esquerda e a forma deste ataque. Como em
todo o debate que busca fugir do mérito da questão (talvez pela
dificuldade em realizar o debate neste campo) lança-se mão de
estigmas. É preciso caracterizar os oponentes como “esquerdistas”,
“minorias”, “intelectuais vacilantes da academia”, ou mais
diretamente de “imbecis”.
Por vezes devemos aceitar o debate não pela qualidade dos argumentos
ou a seriedade dos adversários, mas em respeito àqueles que
poderiam se beneficiar do bom debate. Para isso temos que supor que o
debate é sério e que há uma questão de fundo, ainda que para isso
tenhamos que separar uma grossa camada de retórica que visa
desqualificar o debate para não enfrentá-lo.
O argumento central da posição expressa nos textos citados, mas
explícita e de forma mais clara no editorial do Brasil de Fato,
poderia ser assim resumida: os governistas teriam uma “visão ampla
da luta de classes”, que articularia três dimensões – a luta
social, a ideológica e a institucional – atuando com “firmeza
ideológica e flexibilidade tática”; enquanto os supostos
esquerdistas “ignoram a correlação de forças” no Brasil e na
America Latina e concentram muito mais nas criticas do que nas
realizações dos governos “populares”. Isso porque subordinam
suas posições, como “vacilantes intelectuais da academia” ou
partidos “sem o mínimo peso eleitoral”, não a uma análise
concreta de uma situação concreta, mas a uma “fidelidade” ao
marxismo ortodoxo.
O resultado desta premissa, segundo a posição expressa, é o
seguinte:
“Por isso, para serem condizentes com uma análise concreta de uma
situação concreta, os partidos de esquerda sem o mínimo de peso
eleitoral, que não conseguem enraizar sua mensagem programática e
nem contribuir para o avanço da consciência de classe das massas
populares durante as eleições deveriam estar fortalecendo a
candidatura de Dilma, mesmo sabendo que o neodesenvolvimentismo em
curso não é uma alternativa popular.”
Mesmo na posição de um “vacilante intelectual do mundo acadêmico,
fiel ao marxismo e de um partido sem peso eleitoral”, gostaria de
iniciar o debate afirmando que nossos colegas deveriam seguir, antes
de mais nada seus conselhos. Se não vejamos. O erro do
“esquerdismo”, que o impediria de realizar uma análise concreta
de uma situação concreta, é que “não conseguem identificar
frações de classes e seus diversos interesses em torno do governo
Dilma”.
Então vamos lá. Quais são as classes e frações de classe que se
somam aos governos do PT? O PT produziu-se como experiência
histórica da classe trabalhadora que acabou por projetar-se numa
organização política que, sem perder a referencia passiva desta
classe, assumiu posturas políticas que se distanciam dos objetivos
históricos dos trabalhadores. Não se trata de uma questão de
origem de classe, mas do caráter de classe da proposta política
apresentada em nome dos trabalhadores.
É preciso explicar aos leitores que nós (intelectuais vacilantes
fieis ao marxismo) não concebemos a classe social como mera posição
nas relações sociais de produção e formas de propriedade, mas
como uma síntese de determinações que partindo da posição
econômica, devem se somar a ação política, a consciência de
classe e outros aspectos. Dessa forma, um setor da classe
trabalhadora, ainda que partindo originalmente deste pertencimento,
pode em sua ação política e na sua intencionalidade, afirmar outro
projeto societário que não aquele que nossa experiência histórica
constitui como meta – o socialismo –, sendo capturado pela
hegemonia burguesa, naquilo que Gramsci chamou de “transformismo”.
No caso do PT acaba por se consolidar um projeto que tem por
principal característica quebrar as reivindicações sociais do
proletariado e dar a elas uma feição democrática; despir as formas
puramente políticas das reivindicações da pequena burguesia e
apresentá-las como socialistas, e tudo isso para exigir instituições
democráticas republicanas “não como meio de suprimir dois
extremos, o capital e o trabalho assalariado, mas como meio de
atenuar a sua contradição e transformá-la em harmonia.” (Karl
Marx, O 18 de brumário de Luís Bonaparte, p. 63).
Assim o PT em seu projeto (e prática) de governo apresenta em nome
da classe trabalhadora um projeto pequeno-burguês. Mas o PT não
governa sozinho, têm razão nossos colegas. É necessário seguir
nossa análise para responder quais classes e setores de classe
compõem o governo Dilma. Como o centro do projeto político foi
deslocado para chegar ao governo federal e lá se manter, são
necessárias alianças e até mesmo o programa de reformas
democrático-populares é por demais amplo (seria o que André Singer
chama de “reformismo forte”), então, rebaixa-se o programa (um
“reformismo fraco”) e amplia-se as alianças. Para qual direção?
Não podemos confundir a sopa de letrinhas do leque de alternativas
partidárias com segmentos de classe, mas eles são um indicador das
personificações desses interesses. As alianças inicialmente
pensadas como um leque entorno da classe trabalhadora, setores médios
e pequenos empresários, se amplia bastante agora no quadro de um
Pacto Social. Vejamos:
“Um novo contrato social, em defesa das mudanças estruturais para
o país, exige o apoio de amplas forças sociais que dêem suporte ao
Estado-nação. As mudanças estruturais estão todas dirigidas a
promover uma ampla inclusão social – portanto distribuir renda,
riqueza, poder e cultura. Os grandes rentistas e especuladores serão
atingidos diretamente pelas políticas distributivistas e, nestas
condições, não se beneficiarão do novo contrato social. Já os
empresários produtivos de qualquer porte estarão contemplados com a
ampliação do mercado de consumo de massas e com a desarticulação
da lógica financeira e especulativa que caracteriza o atual modelo
econômico. Crescer a partir do mercado interno significa dar
previsibilidade para o capital produtivo.”
Resoluções do 12.º Encontro Nacional (2001). Diretório Nacional
do PT (São Paulo, 2001, p. 38).
Este pacto social com “empresários produtivos de qualquer porte”
não deixaria de fora nem mesmo os “rentistas”, como se
comprovou. A chamada governabilidade exigiria que as personificações
partidárias destes interesses estivessem na sustentação do
governo, de forma que o governo de “centro” (pequeno-burguês)
buscou e conseguiu se aliar com siglas da direita (PMDB, PTB, PP, PSC
e outras). Na composição física do governo vemos setores de
classes diretamente representados, como o caso dos interesses dos
grandes monopólios no Ministérios da Indústria, dos bancos no
Banco Central, do agronegógio no Ministério da Agricultura, assim
como o controle das agências reguladores e outros espaços formais e
informais de definição da política governamental.
Evidente que haverá participação dos “trabalhadores”, mas há
aqui uma diferença essencial. Enquanto os setores do grande capital
monopolista levam suas demandas à política de governo e as
efetivam, as demandas dos trabalhadores são, por assim dizer,
filtradas. Enquanto a CUT defendia suas resoluções em defesa da
previdência pública, um ex-presidente da entidade assume o
ministério para implementar a reforma da previdência, assim como a
luta pela reforma agrária é tolerada, mas filtrada e peneirada em
espaços intermediários para que os militantes comprometidos não
cheguem aos espaços de decisão sobre a questão fundiária e
agrária, estes reservados aos representantes do agronegócio.
Podemos ver militantes e personificações de segmentos importantes
da classe trabalhadora em áreas como a saúde, a assistência social
e outras, no entanto, o espaço efetivo de implementação de
políticas ficaria constrangida pelas áreas de planejamento e a
lógica da reforma do Estado para produzir a subserviência à lei de
responsabilidade fiscal e a política de superávits primárias que
tanto agrada aos banqueiros.
Recentemente a presidente Dilma, através da deputada Kátia Abreu
(aquela mesmo!!!) da bancada ruralista, garimpava apoio entre os
diferentes setores do agronegócio (gado, soja, milho, etc.),
enquanto Paulo Maluf posava sorridente ao lado do candidato do PT ao
governo de São Paulo em troca de alguns minutos no tempo de TV.
O governo de pacto social com os setores da grande burguesia
monopolista e a pequena burguesia que sequestrou a representação da
classe trabalhadora, implica nos limites da ação de governo, isto
é, impedem o “reformismo forte” e impõe um “reformismo
fraco”. Para atender as exigências da acumulação de capital dos
diversos segmentos da burguesia monopolista, as demandas dos
trabalhadores têm que ser contingenciadas, focalizadas, gotejadas,
compensatórias.
Queria-se acabar com a fome e a miséria, mas devemos nos contentar
em combater as manifestações mais agudas da miséria absoluta.
Queríamos uma reforma agrária (e mais que isso, não é, uma nova
política agrícola e de abastecimento, etc.), mas devemos nos
contentar com crédito para assentamentos competirem com o
agronegócio e assistência para os que não conseguem. Não se
revertem as privatizações realizadas e cresce a lógica privatista
com as fundações público privadas, as OSs e outras formas diretas
ou indiretas de privatização.
O problema é que, mesmo assim, dando tanto à burguesia monopolista
e tão pouco aos trabalhadores, a burguesia sempre vai jogar com
várias alternativas, e, na época das eleições, vai ameaçar,
chantagear e negociar melhores condições para dar sua sustentação.
O leque de alianças da governabilidade petista não implica
fidelidade dos setores do capital monopolista, adeptos do amor livre,
entendem o apoio ao governo do PT como uma relação aberta. Por isso
aparecem na época das eleições na forma de suas personificações
como partidos de “oposição”.
Tal dinâmica produz um movimento interessante. Amor e união com a
burguesia monopolista durante o governo e pau na classe trabalhadora
(combinada com apassivamento via políticas focalizadas e inserção
como consumidores); e briga com a burguesia e promessas de amor com
os trabalhadores na época de eleição!
A abertura da Copa e a hostilização vinda da área VIP contra a
presidente funciona aqui como uma metáfora perfeita: eles fazem a
festa para os ricos, enchem o estádio com a elite branca e rica,
esperando gratidão, mas a elite xinga a presidente.
A artimanha governista é circunscrever a propalada análise concreta
de uma situação concreta à conjuntura da eleição e não do
período histórico em que esta conjuntura se insere. Graças a esta
mágica, desaparece o governo real entre no lugar um mito que resiste
ao neoliberalismo contra as forças do mal igualmente mitificadas e
descarnadas de sua corporalidade real. É o odioso “neoliberalismo”,
que vai retroceder nos incríveis ganhos sociais alcançados e
desestabilizar os governos progressistas na America Latina. Vejam,
nos dizem, como são piores que nosso governo, precisamos derrotá-los
para evitar o retrocesso e as privatizações. Mas uma vez derrotados
eleitoralmente os adversários de direita… quem privatizou o Campo
de Libra? Colocando exército para bater em manifestantes? Quem
aprovou a lei das fundações público-privadas que abriu caminho
para a privatização da saúde e outras? Quem aprovou a lei dos
transgênicos, o código florestal e de mineração?
Não são iguais, é verdade. São duas versões distintas disputando
a direção do projeto burguês no Brasil. Um o capitalismo com mais
mercado e menos Estado, outro o capitalismo com mais Estado para
garantir a economia de mercado.
Precisamos circunscrever a análise da correlação de forças ao
momento eleitoral para evitar a derrota do governo Dilma, vejam,
“mesmo sabendo que o neodesenvolvimentismo em curso não é uma
alternativa popular”!
Então, comecemos por aí: o atual governo NÃO É UM ALTERNATIVA
POPULAR! Já é um bom começo. Mas tenho uma péssima notícia…
também não é neodesenvolvimentista, seja lá o que isso queira
dizer. É um governo de pacto social que, partindo de um programa e
uma concepção pequeno-burguesa, crê ser possível manter as
condições para a acumulação de capitais o que leva a uma brutal
concentração de renda e riqueza nas mãos de um pequeno grupo, ao
mesmo tempo em que, pouco a pouco e muito lentamente, apresenta a
limitada intenção de diminuir a pobreza absoluta e incluir os
trabalhadores na sociedade via capacidade de consumo (bolsas,
salários e crédito, etc.).
Ora, o que deve fazer a esquerda “sem o mínimo de peso eleitoral,
que não consegue enraizar sua mensagem programática e nem
contribuir para o avanço da consciência de classe das massas
populares”? Dizem os governistas: votar na Dilma. No entanto,
desculpe a insistência de quem faz análise concreta de situação
concreta não só quando chegam as eleições e água bate na bunda;
mas, e se for exatamente este processo de pacto social e de
implementação de um social-liberalismo que está impedindo o
“avanço da consciência de classe”? Depois de 12 anos de
governos desta natureza a consciência de classe está mais avançada
que estava nos anos 80 e 90? Nos parece que não.
Se somos tão insignificantes, irrelevantes e idiotas… por que é
necessário bater desta forma na esquerda? Pelo simples fato que
nossa existência, a existência de uma ESQUERDA (não a pecha de
esquerdismo que tenta se impor contra nós como estigma), é a
denuncia explícita dos limites e contradições que o governismo e
seus lacaios querem jogar para debaixo do tapete.
Para manter a “imagem” do governo petista (Sader está preocupado
com a imagem) é preciso uma operação perversa: atacar quem
denuncia os limites desta experiência, não importando o quanto
desqualificado e hipócrita seja o ataque, estigmatizando,
despolitizando o debate. Primeiro foi necessário destruir a esquerda
dentro do PT e sabemos os métodos que foram usados nesta guerra
suja. Na verdade o que vemos agora contra a esquerda fora do PT é
uma projeção do ataque vil e brutal que companheiros da esquerda
petista sofreram e (aqueles que ainda resistem lá no PT) ainda
sofrem (esquerdistas, isolados das massas, sem expressão eleitoral,
irresponsáveis, etc.). E depois que conseguirem isolar, estigmatizar
e satanizar a crítica de esquerda a essa experiência centrista e
rebaixada de governo? Quando forem atacados pela direita que não
guarda nada a não ser desprezo para com os escravos da casa grande?
As manifestações seriam, segundo os governistas, uma ofensiva da
direita para sujar a imagem bela e idealizada do governo e o
esquerdismo joga água neste moinho. Interessante que a necessidade
de uma análise concreta de uma situação concreta, da correlação
de forças e das classes não é necessária quando se trata das
manifestações. MTST, garis, metroviários, professores, são todos
imbecis marionetes da direita, manipulados por ela e quando pensam
lutar por seus direitos e demandas estão fazendo o jogo da direita.
Somos nós que fazemos o jogo da direita… tem certeza?
De nossa parte, não nos incomodamos, porque não esperamos nada mais
que isso como consequência do progressivo, e triste, processo de
descaracterização e rebaixamento político. Não será a primeira
vez que a política pequeno-burguesa, que se diz representante de
todo o povo, se alia ao trabalho sujo da direita para combater a
esquerda.
Respondemos àqueles que acreditam que estamos isolados com as
palavras de Lenin, com quem aprendemos a fazer análise concreta de
uma situação concreta:
Pequeno grupo compacto, seguimos por uma estrada escarpada e difícil,
segurando-nos fortemente pela mão. De todos os lados, estamos
cercados de inimigos, e é preciso marchar quase constantemente
debaixo de fogo. Estamos unidos por uma decisão livremente tomada,
precisamente a fim de combater o inimigo e não cair no pântano ao
lado, cujos habitantes desde o início nos culpam de termos formado
um grupo à parte, e preferido o caminho da luta ao caminho da
conciliação. Alguns dos nossos gritam: Vamos para o pântano! E
quando lhes mostramos a vergonha de tal ato, replicam: Como vocês
são atrasados! Não se envergonham de nos negar a liberdade de
convidá-los a seguir um caminho melhor? Sim, senhores, são livres
não somente para convidar, mas de ir para onde bem lhes aprouver,
até para o pântano; achamos, inclusive, que seu lugar verdadeiro é
precisamente no pântano, e, na medida de nossas forças, estamos
prontos a ajudá-los a transportar para lá os seus lares. Porém,
nesse caso, larguem-nos a mão, não nos agarrem e não manchem a
grande palavra liberdade, porque também nós somos “livres” para
ir aonde nos aprouver, livres para combater não só o pântano, como
também aqueles que para lá se dirigem!
(Lenin, Que fazer?, São Paulo: Expressão Popular, 62).
Extraído de:
______________________________________________
O texto do professor Mauro Iasi tem o mérito de tentar responder aos
ataques desferidos por setores governistas contra a esquerda. Mas, no
meu ponto de vista, alguns elementos deveriam ter sido incluídos na
análise e outros possuem interpretação equivocada o que acabou
facilitando tergiversações por parte de petistas como Valter Pomar.
1) Na análise das classes que compõem o Governo Dilma não foi
levado em conta um elemento que é fundamental e que muito diz sobre
o caráter das gestões petistas e sobre o porquê de não haver a
mínima possibilidade de resgate desse partido e desse governo: a
mudança social de muitos quadros do próprio partido.
Convertidos em empresários, consultores dos grandes grupos
econômicos, gestores dos fundos de pensões, etc esses setores
ascenderam socialmente a uma posição que não só não querem
abandonar como farão de tudo para mantê-la. Se tornaram sócios dos
negócios da grande burguesia nacional e estrangeira. Ganham com a
especulação, com as privatizações e com os cortes de direitos dos
trabalhadores. O próprio Guilherme Boulos, do MTST, tem denunciado
que alguns ex-dirigentes sociais estão ganhando com a gestão da
especulação imobiliária.
Esse elemento mostra que os governos do PT vão além de simples
conciliação de classes mas que pactuam também por seus novos
interesses de novo setor social alcançado por esses dirigentes. As
alianças amplas são, portanto, mais do que simples tática
eleitoral pela governabilidade como dizem alguns governistas arautos
da compreensão da “situação concreta”.
2) Discordo completamente da caracterização utilizada por Iasi,
emprestada de André Singer, de que os governos Lula e Dilma tenham
qualquer tom reformista, seja este forte ou fraco, pois não
implementaram nenhuma reforma social por mais tímida que fosse.
Os programas que o governo chama de social são ou programas
compensatórios indicados pelos próprios ideólogos do capital e
suas instituições econômicas - como o Bolsa Família - ou
preparados para atender as necessidades do próprio capital como
Prouni (caixa das faculdades privadas e já reivindicado pelas
escolas particulares de ensino básico), Pronatec (transfere milhões
para o Sistema S), Fies (endivida os estudantes para manter e ampliar
a mercantilização do ensino superior) e Minha Casa Minha Vida
(parte das medidas “anticrise” é controlada pelos bancos e
imobiliárias, infla uma bolha imobiliária no país e exclui a
maioria dos que realmente precisam de moradia).
O fato de o governo tingir de “popular” esses programas não os
tornam reformas, nem fortes, nem fracas, pois as reformas se
caracterizam por modificar setores econômicos ou sociais e tais
programas reforçam o existente. Prouni, Fies e Pronatec, por
exemplo, reforçam o ensino privado no país.
Saber caracterizar os programas de um governo, desnudando o real
caráter dos mesmos não é bom apenas para um método científico
mas para a prática e o debate político. Pomar agradece aos que
consideram os governos petistas reformadores fracos, pois antes uma
reforma anêmica do que nenhuma reforma. Fica até mais fácil para
ele justificar o seu petismo e pedir a colaboração da esquerda.
3) Iasi acaba jogando água no moinho do exagerado vitimismo
governista quando diz que “os ricos” e a “elite
branca e rica” foi quem hostilizou Dilma na abertura da Copa.
Como bem diagnosticou Alvaro Bianchi no seu artigo “A burguesia
de mentira e as vaias para Dilma”:
“Quem xingou Dilma foram os estratos inferiores das upper classes,
os quais tem sido empurrados para baixo pelos processos de
concentração e centralização do capital estimulados pelo governo
federal. Trata-se de uma classe em transição, vitimada pela
“distribuição de renda” no interior da própria burguesia. São
os empresários de pequeno ou médio porte, sempre às voltas com as
dívidas bancárias. Os aventureiros cujas pequenas fortunas dependem
da capacidade de chegar primeiro ou de um lance de sorte. São os que
abrem e fecham negócios como quem troca um terno Armani. São os que
vão fazer compras em Miami para economizar trocados nas roupas de
grife. São os que preferem ter seus filhos na FGV e no Ibmec a
vê-los se misturar com os subalternos nas universidades públicas.
(…)
Tudo o que esta low upper class gostaria de ter é a segurança de um
empreiteiro com contratos com o governo federal ou de um banqueiro
protegido pelo Banco Central. Mas isso Dilma não deixa. Ela gosta de
empreiteiros e banqueiros de verdade. Os de mentirinha vão ficar
confinados no camarote, onde qualquer empresariozinho pode ser rei.
Vão vaiá-la e xingá-la. Os de verdade vão continuar frequentando
o Palácio do Planalto.”
4) “Não são iguais, é verdade. São duas versões distintas
disputando a direção do projeto burguês no Brasil. Um o
capitalismo com mais mercado e menos Estado, outro o capitalismo com
mais Estado para garantir a economia de mercado.”
Tentando diferenciar as gestões do PT e do PSDB Iasi acaba por criar
uma falsa diferenciação que novamente joga água no moinho
governista.
Os dirigentes petistas têm repetido ad nauseam que seus
governos recuperaram o papel do Estado. O atual governador do Rio
Grande do Sul, Tarso Genro, vive a repetir o chavão do “Estado
indutor” do desenvolvimento.
Ora, esse “Estado indutor” nada mais faz do que financiar a fundo
perdido os lucros do grande capital, inclusive nos processos de
privatizações. Isso não difere em nada ao que fez FHC e fazem
outros governos demotucanos em Estados e Municípios.
A diferença nesse aspecto é meramente quantitativa e o PT tem sido
mais eficiente na transferência de recursos do Estado para a
iniciativa privada. O Governo Tarso Genro, por exemplo, se gaba de
ter dado mais benesses ao capital do que a tucana Yeda Crusius.
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