Por Diego Vitello - Coordenação da CST-PSOL
Recentemente,
em discurso na ONU, o presidente uruguaio José “Pepe” Mujica
chamou a atenção do mundo. Dentre os presidentes da América
Latina, desde Mujica até o presidente chileno, mega-empresário
reconhecidamente conservador, Sebastián Piñera, todos fizeram algum
tipo de crítica. Seja ao consumismo, a falta de democracia na ONU, a
espionagem que Obama promove em todo mundo, etc. Mujica se destacou
no seu discurso. Enquanto isso, diversos lutadores no Brasil e na
América Latina, expressaram simpatia pelo presidente uruguaio.
Ganhou inclusive certo apelo nas redes sociais o dizer “Mujica,
venha me governar”.
O atual
presidente uruguaio, ex-guerrilheiro tupamaro, é o segundo da
coalização de centro-esquerda chamada Frente Ampla, que governa o
país desde 2005. O objetivo deste texto é exatamente discutir se o
modelo que Mujica e seu governo da Frente Ampla implementam no
Uruguai, é ou não um modelo a ser defendido pela classe
trabalhadora e a juventude que se mobiliza em todo continente. Além
obviamente de discutir o porquê de tantas mobilizações da classe
trabalhadora ocorrerem neste país, que somente neste ano de 2013 já
promoveu três greves gerais.
A
prática anti-sindical do governo Mujica
Como
lutadores classistas, acreditamos que um dos pontos importantíssimos
a serem analisados para que possamos ter uma opinião sobre a
política de determinado governo é sua relação com as greves e
mobilizações da classe trabalhadora.
Antes de
colocarmos algumas lutas que foram promovidas nestes pouco mais de
três anos de governo, é preciso ressaltar um dado. No Uruguai, a
situação dos trabalhadores não está nada fácil. 500 mil
trabalhadores ganham 500 dólares por mês ou menos. O IRPF (Imposto
de Renda sobre Pessoa Física) tem uma fatia de 22,8% nas “receitas
do capital e da riqueza”, enquanto 67,2% correspondem “ao consumo
e a renda do trabalho”. Ou seja, não há dúvidas que o pesado dos
impostos no Uruguai recai sobre a classe trabalhadora.
O governo
de “Pepe”, desde seu primeiro ano(2010), vem enfrentando diversas
lutas da classe trabalhadora uruguaia. Durante o primeiro ano do
governo Mujica, a classe trabalhadora organizou cinco paralisações
gerais, de 24h ou menos. As reivindicações eram aumentos salariais
e maiores investimentos nas áreas de saúde, educação e moradia.
As categorias que se mobilizaram centralmente foram: servidores
públicos, coletores de lixo, operários metalúrgicos e dos
frigoríficos, médicos e controladores aéreos. Frente a indignação
da classe trabalhadora o presidente declarou: “A onda de conflitos
sindicais, afeta o trabalho, o clima de investimentos e a imagem de
um país sério que tem o Uruguai” . Esta breve declaração de
Mujica demonstra claramente que as lutas dos trabalhadores são
tratadas como em diversos governos burgueses, onde os presidentes se
preocupam centralmente é com os “investimentos” ou seja, com o
lucro dos empresários, enquanto as demandas da nossa classe são
deixadas de lado.
Ainda
neste mesmo ano, os coletores de lixo fizeram uma forte greve por
reivindicações salariais. Na tentativa de quebrar a greve e
diminuir o poder de pressão dos trabalhadores, Mujica chamou as
Forças Armadas para garantirem a coleta do lixo. Após isso,
promoveu uma medida judicial declarando obrigando cerca da metade dos
grevistas a voltarem ao trabalho alegando a “essencialidade” do
serviço.
Mas não
há dúvidas, que o setor da classe trabalhadora que mais tem
enfrentado com suas mobilizações o governo da FA, são os
educadores. Foram dezenas de greves desde o início do governo. Os
baixíssimos salários impostos pelo governo a categoria explicam
tamanha indignação. Em média, no Uruguai, um professor recebe
$12.000 pesos(equivalente a R$1.245,00). Além disso a própria
precarização das escolas é questionada pelas entidades sindicais
vinculadas aos docentes. Quando se fala dos investimentos na
educação, o ponto mais questionado pelos trabalhadores é o das
isenções fiscais. Segundo os trabalhadores, diminuindo as isenções
que Mujica dá, era possível avançar no salário e também na
construção de novas escolas. Dados da central operária Plenario
Intersindical de Trabajadores-Convención Nacional de
Trabajadores(PIT-CNT), mostram que as isenções fiscais que Mujica
dá ao empresariado estão na casa de $13,1 bi(equivalente a R$2,656
bi). O presidente, por sua vez, defende com todas suas forças o
ganho do empresariado: “Não posso acreditar que pessoas que
exercem a docência, possam censurar que damos demasiadas
facilidades, renúncia fiscal, ou mais claro, que cobremos menos
impostos para mobilizar pessoas que possuem capital e os arriscam e
investem.” Mas “Pepe” não se limita à defesa do repasse de
dinheiro do estado aos empresários. Sua prática antissindical fica
explícita na declaração escandalosa de que os docentes “Se
querem ganhar mais, que trabalhem mais”.
Outra
luta importantíssima nos últimos tempos no Uruguai foi dos
trabalhadores da área da saúde. Com ocupações de hospitais e
greves por todo país, a Federación de Funcionarios de Salud Pública
(FFSP) encabeçou uma forte luta que se chocou diretamente com a
política de Mujica para a área da saúde. Hoje, o salário inicial
para os trabalhadores do setor está em $13.000 pesos(R$1.348,00).
Mujica, não apenas não atendeu as reivindicações dos
trabalhadores. Promoveu um decreto, declarando a “essencialidade”
do serviço e proibindo amplos setores da categoria de entrarem em
greve. Obrigando um setor da categoria a voltar a trabalhar e
proibindo seu direito de lutar por melhores salários, o
representante do governo e Ministro do Trabalho, Eduardo Brenta,
disse: “o decreto presidencial nos habilita a substituir os
grevistas e iniciar contratações”(dados do Ministério do
Trabalho).
A boa
relação com a burguesia
O
empresariado no geral tem apoiado as medidas de Mujica. De acordo com
dados da 6ª Pesquisa de Expectativas Empresariais, 65% dos
empresários dizem que o clima de investimentos é bom ou muito bom
no Uruguai. A concentração de terras assume uma forma brutal no
Uruguai de Mujica. 9,2% das empresas que tem como sua atividade
principal a exportação, detém 61% das terras. Nos últimos 10
anos, mais de 122 mil estabelecimentos agropecuários entre 10 e 100
hectares desapareceram, o que mostra o aprofundamento cada vez maior
da concentração das terras. Enquanto os trabalhadores promoviam
greves atrás de greves em busca de melhores salários, em maio de
2013 Mujica e cinco de seus ministros viajaram para a Espanha para
buscar “investimentos”. O lugar da reunião não poderia ser mais
emblemático: a cidade financeira do Banco Santander em Madrid.
Justamente o Banco que mais demitiu trabalhadores ao redor do mundo e
que é conhecido pelas suas práticas antissindicais. Na presença de
centenas de empresários Mujica destacou: “No Uruguai vale à pena
investir. Quem dá garantia não é o governo, é o próprio
Uruguai(...). Que país do mundo tem um velho guerrilheiro como
presidente que solicita que os empresários invistam? Se a economia
não respira, não haverá prosperidade”. Ou seja, para o
presidente uruguaio, a “prosperidade” de seu país está
vinculada aos investimentos estrangeiros, uma receita clássica de
qualquer governo neoliberal. Jorge Jordan, presidente do Santander na
Espanha avalia e expõe seus objetivos: “O encontro foi muito
positivo(...) Mujica foi contundente(...) O Objetivo do Santander
depois de estar mais de 30 anos no Uruguai é também contribuir para
que o país seja maior e tenha maiores possibilidades de negócios”.
Os elogios deste setor tão importante da burguesia internacional,
representante do capital financeiro, deixa claro as boas relações
que mantem com o governo da Frente Ampla.
Em
reunião com empresários do ramo hoteleiro em dezembro de 2012
Mujica avalia: "me limitei a falar de minhas ideias, as que
todos conhecem, as que passam pelo que eu acredito para ajudar o
Uruguai a ter um capitalismo sério, para que haja mais emprego e,
portanto, mais a repartir.” Ou seja, Mujica deixa claro qual é o
seu projeto estratégico para o Uruguai, um capitalismo “sério”.
Um projeto claramente burguês, sem nenhuma perspectiva de
socialismo.
Mujica:
“O exemplo a seguir é o presidente Lula”
Em sua
campanha eleitoral em 2010, com o objetivo de mostrar ao empresariado
qual ia ser o projeto de seu governo, Mujica foi categórico e disse
que seu exemplo era Lula. Daí a ter práticas antissindicais e
política econômica em benefício dos empresários nacionais e
internacionais era apenas questão de tempo. Para enfrentar greves
dos trabalhadores por falta de investimentos nos serviços públicos
também. É conhecido pelos trabalhadores conscientes no Brasil a
imensa traição de classe que significou a Era Lula no Brasil. Dilma
segue seu projeto hoje em um governo marcado pela criminalização
das lutas, privatizações e política econômica a serviço da
burguesia. Mujica forma parte deste mesmo projeto que nada tem a ver
com um projeto político da classe trabalhadora.
Alguns
ex-companheiros de Mujica o acusam de traidor. Muito parecido com o
que fizeram os radicais fundadores do PSOL no Brasil em referência à
traição de Lula. A notícia que mais rodou o mundo foi quando o
ex-guerrilheiro Sergio Lamanna gritou frente a frente com o
presidente na saída de uma reunião de Mujica com a Asociación
Rural de Uruguay(ARU) acusando Mujica de “entregar o povo às
multinacionais”
A
política concreta sempre vale mais que um discurso
As
conclusões dos dados apresentados anteriormente são simples. A
política concreta de Mujica em nada favorece os interesses da classe
trabalhadora uruguaia. De nada vale criticar em abstrato o consumismo
em discurso na ONU e aplicar uma política de favorecimento dos
banqueiros e empresas multinacionais. Com Mujica a burguesia segue
com lucros cada vez mais altos, enquanto a classe trabalhadora amarga
baixos salários. Mujica é apenas mais uma expressão da falência
do projeto de conciliação de classes, cuja expressão máxima na
América Latina foram os governos petistas no Brasil.
Data de Publicação:
1/10/2013
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