sexta-feira, 20 de setembro de 2013

A revolução dos fazendeiros

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Mário Maestri


A Guerra Farroupilha [1835-45] foi um entre os muitos movimentos liberais provinciais contra o centralismo do Império e, a seguir, as tímidas concessões regenciais. A crise que abalava o Brasil era alimentada pelas dificuldades da economia escravista. Movimentos como a Balaiada e a Cabanagem radicalizaram-se com a participação das classes subalternizadas, levando os liberais regionais a abandonarem a luta.

O movimento farrapo interpretou as reivindicações dos criadores do meridião do RS. Sua longevidade deveu-se também à capacidade dos seus chefes de manterem as classes infames na sujeição. A revolta não galvanizou todo o RS. Os comerciantes, a população urbana, os colonos alemães mantiveram-se neutros ou optaram pelo Império, pois o programa farroupilha opunha-se aos seus interesses. Charqueadores e comerciantes escravistas temiam que a separação comprometesse o tráfico negreiro.

Essas defecções facilitaram a perda das grandes cidades e do litoral. Porto Alegre sublevou-se e resistiu aos farroupilhas, recebendo do Império o título de "Mui leal e valorosa". Em 1835, os farroupilhas dominavam a província. Em 1845, apenas as bordas da fronteira.

Propõe-se caráter progressista ao movimento porque parte das suas tropas era formada por peões, nativos e ex-cativos. Os gaúchos eram em geral descendentes de nativos que haviam perdido as terras comunitárias para os criadores. Eles acompanhavam os caudilhos nos combates como o faziam nas lides campeiras. O gaúcho buscava na guerra churrasco, saque e soldo. A política era monopólio dos proprietários.

Era antigo direito do homem livre substituir-se por, em geral, um liberto, quando arrolado. Os libertos eram obrigados a combater nas tropas farroupilhas; preferiam a guerra à escravidão; criam na promessa da liberdade. Os chefes farroupilhas reforçavam as tropas com cativos comprados.

Não houve democracia racial farroupilha. Negros e brancos marchavam, acampavam e morriam separados. Eram brancos os oficiais dos soldados negros. Em suas Memórias, Garibaldi lembrava: "[...] todos negros, exceto os oficiais [...]." Para a Constituição republicana eram cidadãos apenas os "homens livres".

A República apoiava-se no latifúndio e na escravatura. Os chefes farroupilhas jamais prometeram terras aos gaúchos e liberdade aos cativos, como Artigas. Eles dependiam dos cativos para explorar as fazendas. Terra e liberdade eram conquistas que deviam nascer das reivindicações das então frágeis classes sociais.

Não foi por democratismo que os farroupilhas exigiram do Império respeito à liberdade dos soldados negros. Eles receavam que se formasse guerrilha negra e que os ex-cativos se homiziassem no Uruguai. O Império não aceitava que negros gozassem da liberdade por combaterem a monarquia.

A solução encontrada foi o massacre do serro de Porongos, quando o general David Canabarro, chefe militar republicano, em conluio com o barão de Caxias, entregou os soldados negros aos inimigos, no mais vil fato de armas da história militar do Brasil. Carta do barão elucidou as razões da falsa surpresa militar.

Caxias ordenou ao coronel Francisco de Abreu que não temesse surpreender os rebeldes. A infantaria farrapa estaria desarmada, devido à "ordem de um ministro e do General-em-Chefe". Ele esperava que o "negócio secreto" levasse em "poucos dias ao fim da revolta" e solucionasse o caso dos soldados negros.

Caxias ordenava: "[...] poupe o sangue brasileiro quando puder, particularmente de gente branca da província ou índios, [...] esta pobre gente ainda nos pode ser útil no futuro." Preparava já a intervenção no Prata, na qual os ex-farrapos marcharam com o Império, em defesa das suas fazendas no Uruguai.

Na madrugada de 14 de novembro de 1844, as tropas imperiais caíram sobre os 1.200 soldados farroupilhas. Cem combatentes foram mortos e 333 presos. Eram sobretudo negros.

A infâmia abriu as portas à rendição acertada em Ponche Verde. O Império pagaria as contas republicanas e manteria os postos dos oficiais. Os rebeldes aceitariam a anistia e entregariam os soldados negros restantes.

Em novembro de 1844, 220 lanceiros, aprisionados em Porongos e no Arroio Grande, foram remetidos ao Rio de Janeiro. Em início de 1845, 120 soldados negros foram entregues aos imperiais. Na Corte, em 1848, eles trabalhavam como cativos no Arsenal e na fazenda de Santa Cruz, como assinala Moacyr Flores em Negros na Revolução Farroupilha [Porto Alegre: EST, 2004]

Neste 20 de setembro, merece celebração sobretudo a vontade libertária dos milhares de cativos que aproveitaram o confronto senhorial para aquilombar-se e fugir sobretudo para o Uruguai, seguindo a sábia lembrança de que, se "deus é grande, o mato é maior!"


[*] Mário Maestri, 57, historiador, é professor do PPGH da UPF. E-mail: maestri@via-rs.net


Extraído de:
http://www.culturabrasil.org/rev_faz.htm


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