Nada mais
assustador para um conservador do que a baderna
Por
Leandro Fortes — publicado 14/06/2013
Um dos
discursos mais comuns à direita brasileira é esse: peçam o que
quiserem, digam o que quiserem, mas não façam baderna. E,
sobretudo, não atrapalhem o trânsito. Não por outra razão,
qualquer cobertura da mídia nacional sobre passeatas, manifestações
e grandes movimentações de massa acabam, sempre, em manchetes de
trânsito. Os camponeses foram a Brasília pedir reforma agrária?
Atrapalharam o trânsito. As mulheres da Marcha das Margaridas
invadiram as Esplanada dos Ministérios para pedir saúde e educação
no campo? Provocaram engarrafamentos. A moçada parou São Paulo para
reclamar do aumento da tarifa do transporte público? O promotor
mentecapto, parado no trânsito, pede a PM para espancar e matar os
manifestantes. Afinal, o filhinho dele está na escola. Mas como
chegar para pegá-lo a tempo, se os bárbaros impedem o trânsito?
Quando,
além de parar o trânsito, os manifestantes fazem baderna, aí não!
Aí já é demais! Não pode ter baderna. Tem que ser como aquelas
passeatas pela paz na Zona Sul do Rio de Janeiro, todos de branco na
Avenida Atlântica, copos-de-leite às mãos, o trânsito
compreensivelmente parado para a procissão de cidadãos contritos. A
polícia, claro, à distância, com as sirenes reverencialmente
desligadas. Tudo assim, sem baderna, dentro da lei e da ordem. A
manifestação do mundo ideal.
Pena que
para quem pega quatro conduções por dia e gasta em média quatro
horas dentro delas (ou esperando por elas) a realidade seja outra. No
mundo do transporte público não tem hakuna matata. O pau come no
ponto, no ônibus lotado, nas estações de trem e metrô diariamente
conflagradas. Para o usuário de transporte coletivo, todo dia tem
confusão e baderna, mas é difícil explicar isso para o mundo da
Avenida Paulista. Para a classe média bem motorizada, as demandas do
transporte coletivo são subterrâneas, confinadas a um universo
específico sobre o qual só se tem notícia quando motoristas e
cobradores entram em greve. É o dia em que a patroa de Higienópolis
se inquieta porque a empregada vai chegar mais tarde ou, horror dos
horrores, nem vem trabalhar. Quem vai fazer almoço? E os petizes,
sob a guarda de quem ficarão no playground?
E, de
repente, vem a baderna.
Multidões
de cidadãos, jovens, velhos, brancos, negros, empregadas,
office-boys, desempregados, professores, trabalhadores,
trabalhadoras, desocupados. Baderneiros. Quebram ônibus, depredam
vidraças, picham paredes, revolvem a cidade e deixam marcas no
asfalto.
O horror,
o horror!
Então,
todos se unem contra a baderna. Podem pedir o que quiserem, podem se
manifestar, cruzar as ruas com bandeiras, mas, por favor, não
atrapalhem o trânsito. Políticos de todos os matizes se unem para
bradar: baderna, não! Antigos militantes de esquerda que ainda acham
um lindo momento histórico as barricadas de Paris, em 1968, estão,
ora vejam, revoltados com a baderna. Pedras, paus, coquetéis
molotov, é preciso conter os bárbaros e acabar com a baderna. Não
interessa se eles vivem em panelas de pressão, amontoados em latas
automotivas superlotadas, se ganham uma miséria e, agora, terão que
pagar mais 20 centavos pelo mesmo sofrimento diário. O que importa é
que eles, baderneiros, estão atrapalhando o trânsito.
Então, a
solução é descer a porrada. Passar a borracha no lombo desses
baderneiros, enfiar-lhes o cassetete na cuca, tocar o gado revoltado
para o corredor polonês.
Que a
violência policial contra os manifestantes venha do governo de São
Paulo, não causa espécie a ninguém. O PSDB é um partido de
direita, o governador Geraldo Alckmin é um numerário da Opus Dei,
organização católica de extrema-direita, e a PM de São Paulo é
um substrato intocável do aparato policial-militar herdado da
ditadura. Os policiais que tomaram o centro da cidade para espancar e
prender manifestantes e jornalistas são os cães de guarda desse
sistema. Não há disfunção alguma no que estão fazendo: eles
existem, basicamente, para isso. Para tocar a negrada a pau, para dar
paz a Higienópolis e garantir a brisa fresca de domingo nos Jardins.
Dessa gente e de sua guarda pretoriana devem cuidar, nas próximas
eleições, o povo de São Paulo.
Mas, onde
está o PT? Onde está o prefeito Fernando Haddad, este que já
avisou, de Paris, pelo Twitter, que não irá “tolerar vandalismo”?
Onde estão os vereadores, deputados e senadores do partido que
nasceu nas monumentais greves do ABC paulista, em plena ditadura
militar, que os chamava, ora vejam, de baderneiros? Nada. Ninguém de
braços dados para enfrentar a tropa de choque. Todos quietinhos, com
seus militantes sempre tão subordinados, para saber o que vai sair
no Jornal Nacional e na Veja de domingo. Até lá, melhor deixar as
barbas de molho. Para os que ainda têm barba, claro.
Nessa
vergonhosa escalada de violência tocada pelo governo tucano de São
Paulo, não podia faltar, claro, o apoio da mídia. Não há
manifestantes para a ela, mas só baderneiros. Manifestantes são
franceses, suecos, turcos, chineses. No Brasil, são vândalos e
desocupados interessados em depredar o patrimônio público, como se
a imprensa brasileira, hoje povoada de engomadinhos formados em
cursinhos de trainee, alguma vez tenha se preocupado, de fato, com a
segurança física dos ônibus usados pelos pobres.
Perdão,
gente indignada com os vândalos. Mas entre a hipocrisia e a baderna,
eu fico, alegremente, com a segunda.
Extraído de:
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