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Eduardo
d´Albergaria
SEXTA-FEIRA, 21 DE JUNHO DE 2013
Muitos
militantes estão assustados com os cartazes e palavras de ordem
conservadoras nos atos de rua por todo o Brasil. Os que já
“acordaram” há tempos sonhavam com o dia em que as maiorias
também “acordassem”. Elas “acordaram”, foram para onde as
convidamos, as ruas, mas elas mostraram que não têm o rosto que
idealizávamos.
Há anos,
as organizações internacionalistas - que mantêm canais de diálogo
com grupos na Europa e nos Estados Unidos - vêm avisando que o
perfil da nova onda de protestos no mundo, como os Ocuppys e os
Indignados, têm algumas características que agora estamos vendo com
muita força no Brasil: a horizontalidade, o espontaneísmo, o
rechaço aos partidos e aos mecanismos tradicionais de
representação...
E agora
vejo tanta gente assustada, em pânico (alguns até em surto!)...
Por que estão surpresas? Começo a desconfiar que, ao ouvirem
os relatos sobre os Indignados, deviam pensar: “os levantes nos
países centrais tinham perfil autonomista, porque lá não tinha uma
organização política porreta como a minha”...
Erraram no
diagnóstico. A crise de representação política é estrutural. A
adaptação do PT – durante muitos anos o principal canal de
representação política das reivindicações populares –
contribuiu para esse fenômeno. Mas ela é muito mais profundo, diz
respeito à reestruturação produtiva, que dificultou a organização
popular onde ela tradicionalmente esteve ancorada: nos locais de
trabalho.
No início
das manifestações pela redução das tarifas, travamos uma imensa
batalha contra a mídia corporativa sobre a legitimidade destas
marchas. Vencemos esta batalha, e, como resultado, as maiorias
sociais saíram às ruas.
Grande parte dos que hoje participam
das manifestações têm entre 16 e 24 anos. Jovens que nunca antes
presenciaram uma manifestação de massas, que nunca participaram de
uma luta coletiva, mas que encontram nas redes sociais uma forma
alternativa de informação e organização (difusa e, tantas vezes,
confusa).
As maiorias saíram às ruas mostrando a cara que elas
têm. Expressam as posições majoritárias na sociedade. A redução
da maioridade penal, por exemplo, ronda as pautas das manifestações.
Mas alguém tem dúvida de que os movimentos de Direitos Humanos
foram derrotados nos últimos embates sobre esta questão? E que as
maiorias sociais de fato estão convencidas de que jogar mais gente
no nosso sistema prisional falido vai resolver a violência urbana!?
Erra quem pensa que essa é uma posição de nossa “classe
média conservadora”. São posições que hoje são majoritárias
nos mais diversos níveis de renda (curiosamente, é comum ver gente
“progressista” de classe média dizer que isso é resultado da
posição de renda das pessoas).
Por outro
lado, as maiorias que têm se apresentado nas ruas também têm
revelado que vencemos muitos embates que travamos na sociedade
recentemente: ontem (20. 06.13), novamente, o grito “Fora
Feliciano” ecoou pela Esplanada dos Ministérios, muitas vezes.
Afirmar a liberdade sexual (a despeito dos preconceitos ainda
majoritários) e rechaçar o fundamentalismo religioso, a direita
fascista que realmente nos ameaça hoje, não é qualquer vitória.
Lá
também estava expressa uma leitura crítica sobre os meios de
comunicação corporativos: a catarse coletiva que costuma acontecer
em qualquer evento social em que uma câmera e uma luz são ligadas
foi, tantas vezes, abafada por uma sonora vaia e gritos de rechaço à
grande mídia.
As
maiorias também demonstraram terem entendido que a FIFA não é uma
mera organizadora dos jogos. Mas que ela é uma lucrativa empresa
privada que submete países inteiros aos seus interesses: enquanto
ela fica com o lucro dos jogos, os Estados Nacionais ficam com as
dívidas e a população com os impactos sociais: remoções, aumento
das violações de direitos de crianças e adolescentes (sobretudo
sexual), redução de investimentos em saúde e educação.
Mas a
maior vitória de todas, sem dúvida, foi termos convencido as
maiorias de que lutar vale a pena. Que é importante ocupar as ruas e
construir ações coletivas. E é BASTANTE educativo que
manifestantes de classe média sintam na pele como se dá a ação
das polícias nas nossas periferias. É doloroso, mas é educativo.
A
presença das maiorias desencadeou a ação dos que historicamente
são invisibilizados na nossa sociedade: o pobretariado, o
subproletariado, o lupem, os favelados (ou como quer que queiram
chamá-los). Na cidade de São Paulo, moradores de rua, na esteira
das mobilizações, promoveram pilhagens de lojas no centro da
cidade. Enquanto isso, no Distrito Federal, moradores de diversas
cidades de periferia, inclusive do entorno (GO), realizam
manifestações e trancam ruas por mudanças no transporte coletivo.
Portanto, uma ação que pode ter traços de barbárie ou de avanço
organizativo.
Estamos
diante de um processo complexo e cheio de contradições. A direita
também está disputando o movimento para fazer com que ele tenha sua
cara. Mas, no Brasil, os partidos de direita se desintegraram (na
medida em que o governo petista lhes roubou o programa) e sua
principal voz de representação é a mídia corporativa – que
desistiu de criminalizar as manifestações e agora disputa de forma
muito habilidosa os rumos das mobilizações.
As linhas
editoriais têm afirmado que as marchas são “contra tudo”,
“contra a corrupção”, “pela democracia”. A ideia é
transformar as pautas das manifestações em algo tão genérico que
se possa esvaziá-las de qualquer conteúdo efetivo para uma mudança
estrutural (e o tal dos Anonnymous embarcou nisso com tudo). No lugar
da tarifa zero e a quebra da máfia dos transportes urbanos, a PEC 37
(uma pauta importante, mas que não arranha os poderes das grandes
corporações). No lugar dos direitos dos removidos pela Copa,
“corrupção como crime hediondo” (e por acaso algum corrupto irá
preso se a corrupção se tornar hedionda?).
Para
retirar o conteúdo quente das manifestações, a mídia corporativa
cria um imaginário patriótico e que rejeita a participação de
partidos de esquerda (porque os de direita não têm identidade com
esse tipo de ato político). É claro que isso beira o fascismo.
Mas está claro que muitos militantes caem na armadilha quando
travam a presença de bandeiras como a luta principal neste momento.
É importante denunciar essa ação fascistóide da mídia
corporativa e tão reverberada nas massas. Mas a disputa central hoje
é outra:
Qual a
pauta do movimento e como ele se organizará?
Os
movimentos sociais, dos mais diferentes tipos, precisam construir uma
pauta mínima, objetiva, para as manifestações, que toquem em 5
pontos:
1
–Mobilidade urbana: tarifa zero, revisão dos contratos das
empresas, estatização dos meios de transporte...
2 –
Reforma Política: financiamento público exclusivo de campanha e
plataforma dos movimentos sociais para a reforma política
3 – A
luta contra o fundamentalismo religioso: não à cura gay, não à
bolsa-estupro, sim ao casamento civil igualitário, sim à
responsabilização do discurso de ódio.
4 – A
afirmação dos direitos indígenas: não à PEC 215 que acaba com as
demarcações de terras indígenas no Brasil.
5 –
Democratização dos Meios de Comunicação.
E
precisamos dar corpo para esse movimento, construindo seus espaços
democráticos de debate e decisões políticas. Os Occupys, ao
compartilharem o território, a praça, onde dividiam tarefas, faziam
cineclubes, criavam referências, tiveram esse caráter de educação
política.
Já
começa a pipocar entre os manifestantes a pergunta: “E agora? Já
colocamos milhares nas ruas, já sentamos no teto do Congresso, já
ocupamos a paulista, já nacionalizamos os protestos... e agora?”.
O
decisivo neste momento será se os movimentos sociais e a esquerda
saberão responder a essa pergunta.
Eduardo
d´Albergaria (Duda) é cientista social, especialista de Políticas
Públicas (MPOG), militante da Cia Revolucionária Triângulo Rosa e
membro do Diretório Nacional do PSOL.
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