O Brasil pode estar
ingressando na rota dos grandes protestos sociais que têm tomado
conta de vários países pelo mundo. Ao menos é o que parece indicar
os sucessivos atos contra os aumentos das passagens de ônibus
ocorridos em várias capitais do país.
Na última quinta-feira
(13/06) uma jornada de luta nacional foi convocada e até cidades que
já haviam conquistado a redução da tarifa, como Porto Alegre,
colocou mais de 5 mil pessoas nas ruas em solidariedade ao Rio de
Janeiro e São Paulo.
Inicialmente a grande
mídia tentou criminalizar os movimentos e pediu abertamente pela
repressão da polícia. Em editorial intitulado “Chegou a hora
do basta”, o Estadão reclamou da “moderação” da PM e
pediu que esta agisse com “rigor máximo” contra os
“baderneiros”:
"No
terceiro dia de protesto contra o aumento da tarifa dos transportes
coletivos, os baderneiros que o promovem ultrapassaram, ontem, todos
os limites e, daqui para a frente, ou as autoridades determinam que a
polícia aja com maior rigor do que vem fazendo ou a capital paulista
ficará entregue à desordem, o que é inaceitável.
(...)
A PM
agiu com moderação, ao contrário do que disseram os manifestantes,
que a acusaram de truculência para justificar os seus atos de
vandalismo.
(...)
De
Paris, onde se encontra para defender a candidatura de São Paulo à
sede da Exposição Universal de 2020, o governador disse que "é
intolerável a ação de baderneiros e vândalos. Isso extrapola o
direito de expressão. É absoluta violência, inaceitável".
Espera-se que ele passe dessas palavras aos atos e determine que a PM
aja com o máximo rigor para conter a fúria dos manifestantes, antes
que ela tome conta da cidade.
Haddad,
que se encontra em Paris pelo mesmo motivo, também foi afirmativo ao
dizer que "os métodos (dos manifestantes)não são aprovados
pela sociedade. Essa liberdade está sendo usada em prejuízo da
população"." [1]
Confiante no sucesso da
sua campanha de calúnias o Estadão não tinha dúvidas de que “a
população quer o fim da baderna - e isso depende do rigor das
autoridades.”
Evocando a “ordem” a
Folha publicou um editorial pedindo para o governo e a PM “Retomar
a Paulista” e defendeu abertamente a proibição das
manifestações ou a sua organização em local “alternativo”,
provavelmente algum lugar distante e escondido:
"É
hora de pôr um ponto final nisso. Prefeitura e Polícia Militar
precisam fazer valer as restrições já existentes para protestos na
avenida Paulista, em cujas imediações estão sete grandes
hospitais.
Não
basta, porém, exigir que organizadores informem à Companhia de
Engenharia de Tráfego (CET), 30 dias antes, o local da manifestação.
A depender de horário e número previsto de participantes, o poder
público deveria vetar as potencialmente mais perturbadoras e indicar
locais alternativos.
No
que toca ao vandalismo, só há um meio de combatê-lo: a força da
lei. Cumpre investigar, identificar e processar os responsáveis.
Como em toda forma de criminalidade, aqui também a impunidade é o
maior incentivo à reincidência." [2]
O poder de manipulação
desses veículos midiáticos não teve o efeito esperado e a maioria
da população não só demonstrou que apóia a “baderna” como as
manifestações se tornaram ainda mais numerosas. Expressão desse
sentimento foi a desmoralização pública do histriônico jornalista
José Luiz Datena que, no programa “Brasil Urgente”, da Rede
Bandeirantes, viu o “Sim” ganhar de goleada na sua enquete que
perguntava maliciosamente se “Você é a favor de protesto com
baderna?”. [3]
Conforme desejado pelos
referidos jornais a repressão policial se intensificou e como
sádicos descontrolados os PMs passaram a alvejar tudo o que se
movimentava. Até mesmo pessoas que não participavam dos protestos e
até jornalistas que cobriam o evento foram reprimidos - alguns
feridos drasticamente - e até indiciados por crimes contra a ordem.
A própria Folha teve seis jornalistas feridos - dois deles nos
olhos. [4]
Dois dias depois do
editorial que pedia “a hora do basta” o Estadão foi
obrigado a reconhecer que a “Repressão da PM em SP faz apoio a
protestos crescer”. [5] O tom da grande mídia brasileira
passou a mudar [6] possivelmente pelo receio das classes dominantes
de que tais manifestações possam tomar uma amplitude além da pauta
mais imediata das tarifas de ônibus. Esse sentimento já se
manifesta abertamente em alguns jornais como na Zero Hora de Porto
Alegre do dia 16 de junho onde a colunista Rosane de Oliveira
observou que os protestos “já não se restringem ao transporte
coletivo”, que ficou “mais complexo interpretar esse
movimento pelo fato de não ter um comando único e porque os jovens
defendem outras causas além da passagem mais barata” e que o
“transporte coletivo é, ao mesmo tempo, o foco e o pretexto
para protestar contra outros incômodos – da homofobia à má
qualidade dos serviços públicos, passando pelos gastos com a Copa
do Mundo e tudo o que se faz em nome do Mundial, incluindo o corte de
árvores para o alargamento de vias.” [7]
Embora tente
contemporizar suas próprias descobertas - como dizer que “não
existe um inimigo comum” como no tempo da ditadura ou do “Fora
Collor” ou de que não se está tentando derrubar o governo como na
Primavera Árabe - e vacile em reconhecer que as diversas pautas têm
como alvo de protesto um mesmo status quo que cria os referidos
problemas, fica claro que Rosane se mostra reticente em relação ao
rumo futuro incerto de tais movimentos até porque são integrados
cada vez mais por ativistas novos que não possuem compromissos com o
governismo, sendo, portanto, mais difíceis de serem controlados e
cooptados.
Mudança na conjuntura
Nunca se sabe qual será
a gota que fará o copo transbordar. Nos países onde estouraram
rebeliões populares que derrubaram governos e chacoalharam regimes o
estopim que desencadeou tais processos foram questões aparentemente
menores como a repressão a um ambulante (Tunísia) e a repressão a
ativistas que defendiam a manutenção de uma praça e rejeitavam o
corte de árvores (Turquia). No entanto, havia um acúmulo de
descalabros anteriores que terminaram sendo canalizados pelos
respectivos eventos.
Fruto de um mesmo modelo
sócioeconômico já celebrado como sucesso nos países anteriormente
mencionados [8], os descalabros também se avolumam no Brasil.
Algumas lutas contra os mesmos têm ocorrido e até aumentado nos
últimos anos. Em 2012, por exemplo, houve um aumento de 58% no
número de greves no país se comparado com 2011. A maioria (53%) no
setor privado. [9] Some-se a isso a atual rebelião indígena,
ocupações de terras, as resistências às desocupações forçadas
para as obras da Copa, corrupção, entre outros e percebe-se que as
lutas sociais aumentam cada vez mais como resposta ao aprofundamento
de um modelo que tenta ganhar fôlego diante dos ventos cada vez mais
fortes da crise do capital no país.
Essas, e outras demandas,
pegam, de certa forma, carona nas atuais revoltas contra os aumentos
das tarifas de ônibus. Se vão acelerar para atropelar o regime ou
algum governante é uma incerteza da conjuntura, fato que deixa
receosa as classes dominantes e os políticos brasileiros. Não foi
atoa que Lula apareceu defendendo uma conciliação “com as
empresas e com a sociedade”. [10]
O certo é que a
conjuntura da luta de classes no Brasil está sofrendo uma mudança
sensível, o que pode ser confirmado pela vaia emitida contra Dilma e
Joseph Blatter na abertura da Copa das Confederações.
Os governos do PT - principais agentes do modelo sócioeconômico que começa a mostrar esgotamento e sofrer resistência popular nas ruas - diante da perda cada vez maior do controle dos movimentos sociais apelam cada vez mais para a repressão aberta. Tem sido assim com grevistas, indígenas, sem tetos e sem terras [11] e está sendo assim com os ativistas que lutam contra os aumentos das tarifas de ônibus.
Nessa empreitada macabra
petistas e tucanos se dão as mãos. Em São Paulo, Alckmin e Haddad
condenaram no mesmo tom os manifestantes. Isso muita gente viu. O que
muitos desconhecem é a colaboração do Governo Dilma com a
repressão: a Abin está infiltrada e espionando os ativistas [12]
enquanto que o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, pediu a
atuação da Polícia Federal no Rio de Janeiro e em São Paulo. [13]
Fica claro que PT e PSDB
são iguais no trato das reivindicações sociais causadas pelo
modelo sócioeconômico que defendem e praticam. Felizmente o povo
brasileiro parece estar compreendendo a necessidade de se organizar
de forma independente desses dois blocos políticos similares. O povo
pede passagem, e antes que os ventos da crise se tornem um vendaval.
É um fato muito positivo e progressivo.
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[1] Chegou a hora do
basta (13/06/2013):
[2] Editorial: Retomar a
Paulista (13/06/2013):
[3] Enquete faz Datena
mudar de ideia sobre protestos de São Paulo (13/06/2013):
[4] Jornalistas são
presos e feridos em protestos de SP
Repórter da Folha ferida
no olho volta a enxergar (14/06/2013):
[5] Repressão da PM em
SP faz apoio a protestos crescer (15/06/2013):
[6] Sobre as capas das
semanais – Vol. 2 (15/06/2013):
[7] Muito além das
passagens de ônibus (15/06/2013):
[8] O que o Ocidente
dizia do Norte da África? (29/01/2011):
[9] Número de greves no
ano passado cresceu 58%, segundo Dieese (23/05/2013):
[10] “Transporte
público é assunto urgente para cidades”, diz Lula sobre protestos
(13/06/2013):
[11] Brasil: aumenta o
entreguismo e a repressão (12/05/2013):
[12] Após protestos
coordenados, Abin eleva risco para grandes eventos (07/06/2013):
[13] Cardozo afirma que
pediu à PF que acompanhe protestos contra aumento das passagens
(12/06/2013):
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