Alteração do decreto de criação da Força
Nacional é inconstitucional e quebra pacto federativo, na medida em que
confere ao Poder Executivo força policial própria
João Rafael Diniz * | 04/04/2013
Instituída por César Augusto, primeiro dos grandes imperadores de
Roma, a Guarda Pretoriana foi um corpo militar especial, destacado das
legiões romanas ordinárias, que serviu aos interesses pessoais dos
imperadores e à segurança de suas famílias. Era formada por homens
experientes, recrutados entre os legionários do exército romano que
demonstrassem maior habilidade e inteligência no campo de batalha. No
seu longo período de existência (mais de três séculos) a Guarda
notabilizou-se por garantir a estabilidade interna de diversos
imperadores, reprimindo levantes populares e realizando incursões
assassinas em nome da governabilidade do império.
Passou quase despercebido mas, há algumas semanas, a Presidência da República publicou no Diário Oficial o decreto n.º 7.957/2013, que, dentre outros, alterou o decreto de criação
da Força Nacional de Segurança Pública. A partir daí, o Executivo
passou a contar com sua própria força policial, a ser enviada e
“aplicada” em qualquer região do país ao sabor de sua vontade.
Numa primeira análise, chamou a atenção de alguns jornalistas e
profissionais da causa ambiental a criação da “Companhia de Operações
Ambientais da Força Nacional de Segurança Pública”. Essa nova divisão
operacional dentro da Força Nacional terá por atribuições: apoiar ações
de fiscalização ambiental, atuar na prevenção a crimes ambientais,
executar tarefas de defesa civil, auxiliar na investigação de crimes
ambientais, e, finalmente, “prestar auxílio à realização de levantamentos e laudos técnicos sobre impactos ambientais negativos”.
Não é preciso lembrar que uma das notícias mais importantes da semana
passada foi o envio de tropas militares da Força Nacional de Segurança
Pública para os municípios de Itaituba e Jacareacanga, no sudoeste
paraense. O objetivo da incursão militar, solicitada pelo ministro das
Minas e Energia, Edison Lobão, é exatamente “apoiar” (leia-se: garantir
pela força) o trabalho de 80 técnicos contratados pela Eletronorte para
os levantamentos de campo necessários à elaboração do Estudo de Impacto
Ambiental dos projetos de barramento do rio Tapajós, para fins de
aproveitamento hídrico (construção de hidrelétricas, pelo menos 7
delas).
Inconstitucionalidade
A criação dessa companhia especial, seguida da operação de guerra que
invadiu terras, inclusive áreas de caça das aldeias indígenas do povo
Munduruku, acabou por obscurecer outra pequena alteração efetuada pela
Presidência no ato de criação da Força Nacional (decreto 5.289/2004), mais especificamente sobre a legitimidade para solicitar o auxílio dessa tropa.
O art. 4º do decreto original tinha a seguinte redação:
“Art. 4º A Força Nacional de Segurança Pública poderá ser empregada
em qualquer parte do território nacional, mediante solicitação expressa
do respectivo Governador de Estado ou do Distrito Federal.
Após a alteração, passou a vigorar assim:
“Art. 4º A Força Nacional de Segurança Pública poderá ser empregada
em qualquer parte do território nacional, mediante solicitação expressa
do respectivo Governador de Estado, do Distrito Federal ou de Ministro de Estado.”
A partir de agora, qualquer ministro pode
solicitar o emprego da Força Nacional para defender os interesses do
governo federal, sem a necessidade de qualquer autorização judicial, nem
mesmo aquiescência do governo do estado
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A inclusão dessas cinco palavras mágicas ao final do artigo 4º acabou por subverter por completo a razão de ser do decreto e, de quebra, burlou as determinações da Constituição Federal sobre a repartição de responsabilidades entre os entes da Federação (municípios, estados e União), o que pode ser considerado inclusive como quebra do pacto federativo. A partir de agora, qualquer ministro de Estado (todos eles subordinados à Presidência) pode solicitar ao Ministério da Justiça o emprego da Força Nacional de Segurança Pública em qualquer parte do país, para defender os interesses do governo federal, sem a necessidade de qualquer autorização judicial, nem mesmo aquiescência do governo do estado em questão.
Para entender melhor a gravidade da situação, é preciso ter em mente
que a Força Nacional de Segurança Pública não é uma polícia, mas um
“programa de cooperação federativa” (art. 1º do decreto),
ao qual podem aderir livremente os governos estaduais, e cujo objetivo é
a “preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do
patrimônio” em situações excepcionais em que as polícias militares dos
estados necessitem, e peçam, o apoio de tropas vindas de outros estados. Isso porque a Constituição Federal determina que a responsabilidade por “polícia ostensiva e a preservação da ordem pública” é das polícias militares dos estados,
subordinadas aos respectivos governadores (art. 144, §§ 4º e 5º). À
União restam duas possibilidades: intervenção federal no estado (art.
34), ou decreto de estado de defesa (art.136), ambas situações
excepcionalíssimas de garantia da segurança e integridade nacionais, em
que serão acionadas as Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica).
A chave para compreender a mudança é que, até o mês passado, era
preciso “solicitação expressa do respectivo Governador de Estado ou do
Distrito Federal” para motivar o envio da Força Nacional de Segurança
Pública a qualquer parte do país, por tratar-se essencialmente de um
programa de cooperação federativa entre estados e União.
Esse contingente
militar de repressão poderá ser usado contra populações afetadas pelas diversas obras de interesse do Governo |
Não por acaso, essa profunda alteração no caráter da Força Nacional foi levada a cabo sem maiores alardes, no corpo de um decreto
que tratava de outros assuntos. A inconstitucionalidade do ato é
evidente, viola uma série de regras e princípios constitucionais além de
atentar contra o próprio pacto federativo, um dos poucos alicerces da
jovem república brasileira.
* João Rafael Diniz é advogado e membro do grupo Tortura Nunca Mais – SP
Extraído de:
http://reporterbrasil.org.br/2013/04/a-nova-guarda-pretoriana-de-dilma-rousseff/
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