domingo, 4 de novembro de 2018

Escola “sem” Partido: o casamento da estupidez com a conveniência

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Aproveitando o resultado eleitoral o governo Bolsonaro tenta impor o Projeto “Escola sem Partido” antes ainda de tomar posse. É preciso conhecer os pressupostos ideológicos e a sua conveniência econômica no atual contexto.

A base teórica do “Escola sem Partido” é uma teoria conspiratória, sem pé nem cabeça, chamada “marxismo cultural”. De acordo com essa tese a esquerda teria abandonado a tomada revolucionária do poder e substituído pela infiltração institucional com o objetivo de ganhar a hegemonia cultural da sociedade e implantar o comunismo a conta gotas. A grande mídia burguesa, as universidades e as escolas seriam algumas dessas instituições.

Marx, Engels, Lenin, Trotsky, entre outros, seriam meros defensores do “ataque frontal”, em suma, da revolução violenta, ao passo que em superação deles Antônio Gramsci, György Lukács e a Escola de Frankfurt teriam elaborado e sugerido uma “guerra cultural”. Nada mais falso! Nem os primeiros negligenciaram a questão cultural, nem Gramsci e Lukács abandonaram a insurreição.

Como os meios de produção não tem como serem socializados e como nenhum país esteve próximo de chegar sequer no socialismo com tal via o próprio conceito de comunismo teve de ser reelaborado, não pela esquerda mas pela própria direita crente de tal teoria. Olavo de Carvalho afirmou em artigo que “o comunismo não é um modo de produção” mas “um movimento político” que visa o “controle efetivo e total da sociedade civil e política” [1], definição ampla que serve para taxar de “comunista” tudo aquilo que desagrada essa direita.

Por acreditarem estar vivendo uma “guerra cultural” é nesse terreno que querem combater com todas as forças. Daí a ideia de um projeto que visa extirpar toda a contribuição científica que lhes pareça “vermelha” e a aplicação de uma revisão que traga a “verdade”. Assim, a “doutrinação” ideológica seria eliminada e a “ciência verdadeira” finalmente estabelecida. Porém, não tarda para que os argumentos em pró da aplicação de tal empreitada se esfacele na solidez científica e na contradição da prática concreta.

A neutralidade é impraticável e pensadores insuspeitos de serem parte da trama do “marxismo cultural”, como David Hume e George Berkeley já deixaram isso evidente em seus escritos de séculos atrás. A abolição da ideologia não seria referendada pelo liberal Ludwig von Mises que afirmava ser o liberalismo uma ideologia também.

No plano prático é que as contradições dos partidários com partido do “Escola sem Partido” se revelam em toda a sua hipocrisia. Em um debate com a representante do sindicato dos profissionais da educação do Rio Grande do Sul (CPERS) o deputado Marcel van Hattem foi questionado pelo jornalista mediador sobre como um professor deveria agir diante de um aluno simpático a ditadura militar. Hattem então sugeriu um proselitismo em defesa do livre mercado, o que contrariaria o projeto defendido pelo próprio deputado [2]. A deputada recém-eleita, Ana Caroline Campagnolo, pediu para os alunos denunciarem professores que emitissem opiniões contra Jair Bolsonaro. Só os que criticassem, afinal, ela lecionava tranquilamente com a camisa do referido político. Como se tudo isso não bastasse temos que os heróis anti-doutrinação estão entre os maiores divulgadores de fakes news, como atesta a própria campanha de Jair Bolsonaro.

A proposta de lecionar apenas de acordo com as convicções dos alunos e seus pais [3] inviabiliza a própria docência, uma vez que em uma sala de aula há várias convicções distintas e a ciência, com frequência, impressiona até aqueles que trabalham com ela no dia a dia.

É preciso esclarecer que as proibições, como de opinião pessoal, não se restrigem aos professores que terão, conforme preve o projeto, que impedir estudantes e terceiros de violar a legislação [4]. Chega a ser irônico dizerem que será afixado em sala de aula uma folha para os alunos saberem de seus direitos de não poderem se expressar em um espaço onde as ideias devem circular livremente. Por outro lado, o ensino confessional, esse sim doutrinador, é assegurado [5].

Do ponto de vista econômico podemos encontrar algumas conveniências reveladoras.

O programa de governo de Bolsonaro afirma que o investimento em educação no Brasil está no nível dos países desenvolvidos [6] e que “é possível fazer muito mais com os atuais recursos” [7]. Com tal definição está se informando de antemão que possivelmente novos aportes não serão realizados na área atendendo os preceitos do ajuste realizado pela PEC do Teto, medida que o presidente eleito votou favoravelmente.

Mas se o problema não é de falta de recursos (sic) porque a educação brasileira encontra-se na atual situação de precariedade? A culpa é dos professores “doutrinadores”! Dessa forma a responsabilidade é transferida do material para o cultural, do governo para os profissionais. A tarefa do governo então passa a ser caçar os “doutrinadores”.

E com tal perseguição pode-se facilitar os cortes orçamentários, a implantação da reforma do ensino médio, a aplicação do ensino à distância (que é do interesse de Stravos Xanthopoylos, empresário do ramo de EAD que prestou consultoria para a campanha de Bolsonaro [8]) e a transferência de bilhões das universidades para as igrejas, via creches. [9]

Teríamos, então, o casamento perfeito entre a estupidez teórica dessa direita boçal com a conveniência econômica dos malandros candidatos a novos plutocratas. Mas para a celebração de tal cerimônia será preciso remover a oposição das comunidades escolares. Por isso, Jair Bolsonaro e seus aliados já declararam os professores como seus inimigos públicos número 1!

Resistir será fundamental!


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[1] O comunismo real. Olavo de Carvalho, 13/04/2014.

[2] PL Escola sem Partido, de Marcel van Hattem – Debate. Programa “Conexão RS” da Ulbra TV, 10/06/2015.

[3] Escola sem Partido. Anteprojeto de lei federal. Ver “V” do Artigo 4º.

[4] Idem. Conforme “VI” do Artigo 4º.

[5] Idem. Conforme Artigo 6º.

[6] Jair Bolosnaro: proposta de governo, p.42.

[7] Idem, p.41.

[8] "Posto Ipiranga" da educação de Bolsonaro presta consultoria para presidenciável via WhatsApp. 30/08/2018.

[9] Plano de Bolsonaro une criação de creche e ensino religioso. 13/10/2018.




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