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Qualquer
manifesto que busque a "reaglutinação de forças" para
uma determinada causa ou objetivo, mesmo que dentro de um mesmo
espectro ideológico, deve levar em conta a diversidade do referido
campo e não impor como condição apoio a governos ou organizações
políticas. Ao fazer essa exigência pede-se não um apoio de
princípios mas uma adesão ao governo. Isso não é um manifesto mas
uma ficha de filiação. (Um manifesto em defesa do governo.
Jorge Nogueira, 18/11/2012 [1] )
Redigi as linhas acima
quando, em 2012, um grupo composto por dirigentes sociais ligados ao
governo petista, intelectuais, e membros/ex-membros do próprio
governo petista assim como até do Governo FHC divulgaram um
manifesto intitulado “A crise mundial, a defesa do Brasil e da
paz” com o objetivo de buscar a “reaglutinação de forças
no Brasil para enfrentar crise mundial”.
O manifesto, que sequer
analisava a crise financeira e que apresentava propostas inaceitáveis
do ponto de vista popular, não escondia que um dos seus principais
objetivos era a defesa e a blindagem do governo petista para que este
pudesse impor, de forma mais sossegada, o ajuste contra o andar de
baixo.
Aquelas linhas seguem
mais atuais do que nunca e se encaixam perfeitamente na mais nova
manobra dos governistas na defesa do seu governo: o que eles têm
chamado de “Frente de Esquerda” - termo que só confunde,
enlameia e atrapalha a luta e a reorganização da esquerda no país
- é na verdade uma “Frente Governista”. [2]
Isso ficou evidente na
intervenção do presidente da CUT, Vagner Freitas, que apelou à
defesa do projeto político de Dilma e Lula, em uma plenária
realizada na quadra do Sindicato dos Bancários, em São Paulo, no
último dia 31 de março, evento que contou com a presença do
próprio Lula. [3]
Tal promessa de
fidelidade ao governo federal se deu poucos dias após Dilma defender
o ajuste fiscal, o agronegócio e criticar as tímidas objeções de
João Pedro Stédile dentro de um assentamento do próprio MST. [4] E
de dar como resposta ao ato governista do dia 13 de março a
irreversibilidade do ajuste contra os trabalhadores e a privatização
de distribuidoras, termelétricas e postos de gasolina da Petrobras –
sendo que o Bradesco BBI ficou encarregado de dirigir a venda de
ativos da Petrobras Distribuidora. [5]
Diante das respostas do
governo qualquer dirigente social minimamente comprometido de forma
sincera com a pauta da classe trabalhadora não teria dúvidas de
retirar qualquer apoio ao mesmo. Mas não foi a atitude da direção
da CUT, da UNE e do MST, o que evidencia que os direitos dos
trabalhadores não passam de cortina de fumaça para disfarçar o seu
apoio ao governo e de uma falsa satisfação para as suas bases.
Para aumentar a cortina
de fumaça, justificar o seu apoio ao projeto político dos governos
petistas e tentar arrastar a esquerda para a sua “Frente
Governista” é erigido o espantalho do golpe da direita –
chegando alguns ao ponto de dizer que há uma conspiração desde
Washington contra o governo petista devido ao pré-sal, como se este
já não estivesse sendo entregue como nos atesta o leilão do Campo
de Libra realizado em 2013 em uma operação repleta de
irregularidades, repressão desmedida e valores irrisórios. [6]
Esse argumento não é
novo e uma análise criteriosa dos fatos não deixa dúvidas de que
se trata de um tremendo espantalho.
Em 2005, diante do
escândalo do mensalão, não foram poucos os dirigentes governistas
que alardearam que estava em curso um “golpe das elites” contra o
então Governo Lula. Com essa justificativa dirigentes da CUT, da UNE
e do MST organizaram atos em defesa do governo. Não tardou para que
desde Washington o então presidente George Bush enviasse o seu
secretário, John Snow, para prestar solidariedade a Lula, sendo que
depois o próprio Bush veio pessoalmente fazer o mesmo.
Posteriormente os
inúmeros prêmios distribuídos à Lula em vários países e eventos
organizados pelos ricos – como o de “Estadista Global”
conferido pelo Fórum Econômico Mundial em 2010 – mostraram o
quanto as elites odeiam os governos do PT. [7] Um governo que serve
de inspiração para políticos como o venezuelano Henrique Capriles
[8] e o golpista paraguaio Federico Franco. [9]
O espantalho do “golpe
das elites” foi levantado também durante o julgamento do mensalão.
José Dirceu, Delúbio Soares e José Genoíno seriam vítimas de
perseguição, embora o próprio PT já os tivesse considerado
responsáveis por irregularidades nos anos de 2005 e 2006. [10]
Curiosamente o mesmo tratamento era dispensado aos políticos de
outros partidos envolvidos, como o PP e o PTB, e ao publicitário
Marcos Valério – que continua preso, ao passo que os perseguidos
petistas encontram-se soltos.
Sobre a atual polarização
social que se aprofunda no país muitos autores já elucidaram
detalhadamente a inexistência de tentativa de golpe contra Dilma.
Destaco aqui a análise do professor Mauro Iasi. [11]
No último dia 30 de
março, o presidente estadunidense, Barack Obama, demonstrou mais uma
vez o ódio das elites contra os petistas ao defender o nome de Lula
para o posto de Secretário-Geral da ONU. [12]
Trata-se de uma tática
para afastar Lula da eleição de 2018, poderá dizer o governista
incorrigível. Mas se os fatos anteriores já desmontavam esse
argumento o que dizer quando, em 2009, após Serra procurar a
embaixada estadunidense para tentar se mostrar mais entreguista que o
PT, a diplomacia de Washington rejeitar o tucano e demonstrar
preferência pelos petistas? [13]
É oportuno destacar que
a perda de controle dos movimentos sociais por parte do PT, a
crescente impopularidade da presidente e o aprofundamento da
polarização social no país deixem um setor da burguesia em dúvida
quanto a capacidade de o Governo Dilma implementar o ajuste fiscal e
nisso se desloquem para outras alternativas políticas, como se viu
na eleição de 2014.
Mas, assim como no
processo eleitoral, na atual conjuntura o grosso da burguesia ainda
se sente contemplada pelo governo petista, assim como Washington. Não
há, portanto, a mínima disposição de ruptura institucional. Bem
pelo contrário, em um acordo costurado por cima, os nomes de Dilma
Rousseff e Aécio Neves foram poupados de investigação no escândalo
da Petrobras. [14]
Há 12 anos no governo
central o projeto político petista consiste em manter o processo de
acumulação e reprodução do capital no país e distribuir as
migalhas que sobram do banquete dos ricos para as classes populares.
Mas com o esgotamento das medidas “anticrise” adotadas a partir
de 2008 a única forma de manter esse processo de acumulação e
reprodução do capital, do ponto de vista das classes dominantes que
o PT hoje representa, é recolhendo inclusive as migalhas.
Muitos dirigentes sociais
governistas ganham com esse projeto político e não é de se admirar
que clamem pela sua defesa. Convertidos em empresários, consultores
e gestores de fundos de pensão ganham com as privatizações, com
cortes de direitos dos trabalhadores e até mesmo com a especulação.
Sua adesão e grau de comprometimento com o atual sistema
sócioeconômico é tamanho que não lutam de forma consequente mais
nem contra os concorrentes políticos do PT e nem contra os patrões
privados, como temos visto nas demissões nas montadoras.
Em um contexto de ajustes
em favor do capital torna-se impossível conciliar a defesa dos
direitos dos trabalhadores e das classes populares com o projeto
político aplicado pelos governos petistas, como tentam fazer crer as
direções sociais governistas. As próprias ações anunciadas pelo
governo demonstram isso. Ao não romper com o governo e chamar pela
defesa do seu projeto tais direções nada mais fazem do que
fortalecer os ataques contra o andar de baixo. Entrar em uma Frente
dessas significa aderir ao governo.
A esquerda brasileira e
os lutadores sociais honestos não podem vacilar nem se deixar
enganar. Rejeitar de forma contundente a “Frente Governista” e
organizar uma autêntica “Frente de Esquerda” que levante bem
alto as bandeiras da classe trabalhadora, da soberania nacional e se
oponha de forma firme e decidida aos ajustes de todos os governos e
empresários.
Uma Frente que não se
acanhe de enfrentar o Governo Dilma até as últimas consequências,
até porque se a esquerda não o fizer será a direita que
capitalizará o crescente e justo descontentamento popular. Não há
mais espaço para a lenga lenga do mal menor, tampouco para conselhos
pela esquerda para corrigir os rumos do governo. Como já escrevi em
outra oportunidade quando analisava a postura da esquerda diante dos
governos petistas: “Saber se posicionar desde já é
fundamental. Até porque na luta de classes a História atesta que o
preço pago pelos vacilos políticos é alto e as suas consequências
trágicas.” [15]
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[1] Um manifesto em
defesa do governo. 18/11/2012.
[2] Frente de Esquerda
pressionará governo e Congresso contra retrocessos nos direitos
trabalhistas. 01/04/2015.
[3] CUT cobra
‘inversão’ na política econômica e MST reage a ‘golpe’.
01/04/2015.
[4] Ajuste fiscal é
feito para garantir a continuidade no consumo e no crescimento, diz
Dilma. Coletiva de imprensa concedida em 20/03/2015, em Eldorado do
Sul/RS.
[5] O Governo Federal
frente os protestos do dia 13 e 15! Jones Manoel. 17/03/2015.
[6] Leilão de Libra:
entreguismo, mentiras, repressão e contradições. 29/10/2013.
[7] A política
externa de Lula foi progressista? 02/11/2010.
[8] Governo do PT
inspira direitista venezuelano. 14/04/2012.
[9] Lula é referência
para golpista paraguaio. 24/06/2012.
[10] O mensalão e a
amnésia do governismo. 23/12/2013.
[11] A adaga dos
covardes, ou, O limite da imbecilidade direitista. Mauro Iasi.
17/03/2015.
http://blogdaboitempo.com.br/2015/03/17/a-adaga-dos-covardes-ou-o-limite-da-imbecilidade-direitista/
[12] Obama pede Lula
como Secretário Geral da ONU. 30/03/2015.
[13] Wikileaks: Serra
disputou bajulação do imperialismo com Lula. 10/03/2011.
[14] Dilma e Aécio
ficam fora dos pedidos de investigação. 06/03/2015.
[15] Por uma luta
consequente! 02/12/2012.
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