domingo, 5 de abril de 2015

Uma Frente Governista!

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Qualquer manifesto que busque a "reaglutinação de forças" para uma determinada causa ou objetivo, mesmo que dentro de um mesmo espectro ideológico, deve levar em conta a diversidade do referido campo e não impor como condição apoio a governos ou organizações políticas. Ao fazer essa exigência pede-se não um apoio de princípios mas uma adesão ao governo. Isso não é um manifesto mas uma ficha de filiação. (Um manifesto em defesa do governo. Jorge Nogueira, 18/11/2012 [1] )


Redigi as linhas acima quando, em 2012, um grupo composto por dirigentes sociais ligados ao governo petista, intelectuais, e membros/ex-membros do próprio governo petista assim como até do Governo FHC divulgaram um manifesto intitulado “A crise mundial, a defesa do Brasil e da paz” com o objetivo de buscar a “reaglutinação de forças no Brasil para enfrentar crise mundial”.

O manifesto, que sequer analisava a crise financeira e que apresentava propostas inaceitáveis do ponto de vista popular, não escondia que um dos seus principais objetivos era a defesa e a blindagem do governo petista para que este pudesse impor, de forma mais sossegada, o ajuste contra o andar de baixo.

Aquelas linhas seguem mais atuais do que nunca e se encaixam perfeitamente na mais nova manobra dos governistas na defesa do seu governo: o que eles têm chamado de “Frente de Esquerda” - termo que só confunde, enlameia e atrapalha a luta e a reorganização da esquerda no país - é na verdade uma “Frente Governista”. [2]

Isso ficou evidente na intervenção do presidente da CUT, Vagner Freitas, que apelou à defesa do projeto político de Dilma e Lula, em uma plenária realizada na quadra do Sindicato dos Bancários, em São Paulo, no último dia 31 de março, evento que contou com a presença do próprio Lula. [3]

Tal promessa de fidelidade ao governo federal se deu poucos dias após Dilma defender o ajuste fiscal, o agronegócio e criticar as tímidas objeções de João Pedro Stédile dentro de um assentamento do próprio MST. [4] E de dar como resposta ao ato governista do dia 13 de março a irreversibilidade do ajuste contra os trabalhadores e a privatização de distribuidoras, termelétricas e postos de gasolina da Petrobras – sendo que o Bradesco BBI ficou encarregado de dirigir a venda de ativos da Petrobras Distribuidora. [5]

Diante das respostas do governo qualquer dirigente social minimamente comprometido de forma sincera com a pauta da classe trabalhadora não teria dúvidas de retirar qualquer apoio ao mesmo. Mas não foi a atitude da direção da CUT, da UNE e do MST, o que evidencia que os direitos dos trabalhadores não passam de cortina de fumaça para disfarçar o seu apoio ao governo e de uma falsa satisfação para as suas bases.

Para aumentar a cortina de fumaça, justificar o seu apoio ao projeto político dos governos petistas e tentar arrastar a esquerda para a sua “Frente Governista” é erigido o espantalho do golpe da direita – chegando alguns ao ponto de dizer que há uma conspiração desde Washington contra o governo petista devido ao pré-sal, como se este já não estivesse sendo entregue como nos atesta o leilão do Campo de Libra realizado em 2013 em uma operação repleta de irregularidades, repressão desmedida e valores irrisórios. [6]

Esse argumento não é novo e uma análise criteriosa dos fatos não deixa dúvidas de que se trata de um tremendo espantalho.

Em 2005, diante do escândalo do mensalão, não foram poucos os dirigentes governistas que alardearam que estava em curso um “golpe das elites” contra o então Governo Lula. Com essa justificativa dirigentes da CUT, da UNE e do MST organizaram atos em defesa do governo. Não tardou para que desde Washington o então presidente George Bush enviasse o seu secretário, John Snow, para prestar solidariedade a Lula, sendo que depois o próprio Bush veio pessoalmente fazer o mesmo.

Posteriormente os inúmeros prêmios distribuídos à Lula em vários países e eventos organizados pelos ricos – como o de “Estadista Global” conferido pelo Fórum Econômico Mundial em 2010 – mostraram o quanto as elites odeiam os governos do PT. [7] Um governo que serve de inspiração para políticos como o venezuelano Henrique Capriles [8] e o golpista paraguaio Federico Franco. [9]

O espantalho do “golpe das elites” foi levantado também durante o julgamento do mensalão. José Dirceu, Delúbio Soares e José Genoíno seriam vítimas de perseguição, embora o próprio PT já os tivesse considerado responsáveis por irregularidades nos anos de 2005 e 2006. [10] Curiosamente o mesmo tratamento era dispensado aos políticos de outros partidos envolvidos, como o PP e o PTB, e ao publicitário Marcos Valério – que continua preso, ao passo que os perseguidos petistas encontram-se soltos.

Sobre a atual polarização social que se aprofunda no país muitos autores já elucidaram detalhadamente a inexistência de tentativa de golpe contra Dilma. Destaco aqui a análise do professor Mauro Iasi. [11]

No último dia 30 de março, o presidente estadunidense, Barack Obama, demonstrou mais uma vez o ódio das elites contra os petistas ao defender o nome de Lula para o posto de Secretário-Geral da ONU. [12]

Trata-se de uma tática para afastar Lula da eleição de 2018, poderá dizer o governista incorrigível. Mas se os fatos anteriores já desmontavam esse argumento o que dizer quando, em 2009, após Serra procurar a embaixada estadunidense para tentar se mostrar mais entreguista que o PT, a diplomacia de Washington rejeitar o tucano e demonstrar preferência pelos petistas? [13]

É oportuno destacar que a perda de controle dos movimentos sociais por parte do PT, a crescente impopularidade da presidente e o aprofundamento da polarização social no país deixem um setor da burguesia em dúvida quanto a capacidade de o Governo Dilma implementar o ajuste fiscal e nisso se desloquem para outras alternativas políticas, como se viu na eleição de 2014.

Mas, assim como no processo eleitoral, na atual conjuntura o grosso da burguesia ainda se sente contemplada pelo governo petista, assim como Washington. Não há, portanto, a mínima disposição de ruptura institucional. Bem pelo contrário, em um acordo costurado por cima, os nomes de Dilma Rousseff e Aécio Neves foram poupados de investigação no escândalo da Petrobras. [14]

Há 12 anos no governo central o projeto político petista consiste em manter o processo de acumulação e reprodução do capital no país e distribuir as migalhas que sobram do banquete dos ricos para as classes populares. Mas com o esgotamento das medidas “anticrise” adotadas a partir de 2008 a única forma de manter esse processo de acumulação e reprodução do capital, do ponto de vista das classes dominantes que o PT hoje representa, é recolhendo inclusive as migalhas.

Muitos dirigentes sociais governistas ganham com esse projeto político e não é de se admirar que clamem pela sua defesa. Convertidos em empresários, consultores e gestores de fundos de pensão ganham com as privatizações, com cortes de direitos dos trabalhadores e até mesmo com a especulação. Sua adesão e grau de comprometimento com o atual sistema sócioeconômico é tamanho que não lutam de forma consequente mais nem contra os concorrentes políticos do PT e nem contra os patrões privados, como temos visto nas demissões nas montadoras.

Em um contexto de ajustes em favor do capital torna-se impossível conciliar a defesa dos direitos dos trabalhadores e das classes populares com o projeto político aplicado pelos governos petistas, como tentam fazer crer as direções sociais governistas. As próprias ações anunciadas pelo governo demonstram isso. Ao não romper com o governo e chamar pela defesa do seu projeto tais direções nada mais fazem do que fortalecer os ataques contra o andar de baixo. Entrar em uma Frente dessas significa aderir ao governo.

A esquerda brasileira e os lutadores sociais honestos não podem vacilar nem se deixar enganar. Rejeitar de forma contundente a “Frente Governista” e organizar uma autêntica “Frente de Esquerda” que levante bem alto as bandeiras da classe trabalhadora, da soberania nacional e se oponha de forma firme e decidida aos ajustes de todos os governos e empresários.

Uma Frente que não se acanhe de enfrentar o Governo Dilma até as últimas consequências, até porque se a esquerda não o fizer será a direita que capitalizará o crescente e justo descontentamento popular. Não há mais espaço para a lenga lenga do mal menor, tampouco para conselhos pela esquerda para corrigir os rumos do governo. Como já escrevi em outra oportunidade quando analisava a postura da esquerda diante dos governos petistas: “Saber se posicionar desde já é fundamental. Até porque na luta de classes a História atesta que o preço pago pelos vacilos políticos é alto e as suas consequências trágicas.” [15]


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[1] Um manifesto em defesa do governo. 18/11/2012.

[2] Frente de Esquerda pressionará governo e Congresso contra retrocessos nos direitos trabalhistas. 01/04/2015.

[3] CUT cobra ‘inversão’ na política econômica e MST reage a ‘golpe’. 01/04/2015.

[4] Ajuste fiscal é feito para garantir a continuidade no consumo e no crescimento, diz Dilma. Coletiva de imprensa concedida em 20/03/2015, em Eldorado do Sul/RS.

[5] O Governo Federal frente os protestos do dia 13 e 15! Jones Manoel. 17/03/2015.

[6] Leilão de Libra: entreguismo, mentiras, repressão e contradições. 29/10/2013.

[7] A política externa de Lula foi progressista? 02/11/2010.

[8] Governo do PT inspira direitista venezuelano. 14/04/2012.

[9] Lula é referência para golpista paraguaio. 24/06/2012.

[10] O mensalão e a amnésia do governismo. 23/12/2013.

[11] A adaga dos covardes, ou, O limite da imbecilidade direitista. Mauro Iasi. 17/03/2015.

[12] Obama pede Lula como Secretário Geral da ONU. 30/03/2015.

[13] Wikileaks: Serra disputou bajulação do imperialismo com Lula. 10/03/2011.

[14] Dilma e Aécio ficam fora dos pedidos de investigação. 06/03/2015.

[15] Por uma luta consequente! 02/12/2012.




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