Aqui estamos em mais um processo eleitoral e após passar quatro anos
me ignorando, achincalhando minhas ideias e táticas, censurando e
defendendo repressão para minhas greves e protestos, eis que você
aparece pedindo desesperadamente o meu voto para derrotar o seu
concorrente. Para isso apela para o medo já que coragem de enfrentar
os poderosos já não tens mais há muito tempo - aliás, muitos
deles até se tornaram teus novos companheiros.
Você fala que deseja continuar com as mudanças. Mas a maior parte
dos impostos que pagamos continuam indo parar religiosamente nos
bolsos dos banqueiros e dos grandes empresários, garantidos com
superávits primários e cortes de verbas na saúde e na educação.
Até os recursos do pré-sal, que vendeste como panaceia para a nossa
educação (o que nunca acreditei), já foram parar nos bolsos dos
rentistas.
As privatizações nunca foram interrompidas. Desde o primeiro dos
teus governos que bancos públicos, previdência, rodovias,
aeroportos, portos, ferrovias e petróleo foram privatizados. Grandes
hidrelétricas controladas por empresas privadas - estrangeiras
inclusive - estão sendo construídas com fartos recursos públicos e
passando por cima dos direitos indígenas, ambientais e trabalhistas.
E, quando, de forma justa, índios e operários reclamam das
condições degradantes que tais obras lhes impõem e exigem seus
direitos são recebidos pela Polícia, pelo Exército e pela Força
Nacional para “dialogar”.
Lembro que no ano passado quando a juventude e os trabalhadores foram
às ruas teu governo federal atuou junto com os governos locais do
partido que agora você apresenta como o “bicho papão” a ser
derrotado de qualquer maneira, colocando à disposição dos mesmos o
Exército e a Força Nacional para junto com as polícias locais
reprimir o povo.
Quando te lembro de tudo isso você, não conseguindo negar, me fala
que pelo menos teus governos representam um mal menor em comparação
com o teu adversário. Não sou muito partidário da ideia do mal
menor mas devo alertá-l@ que esse exercício pode encontrar o
resultado inverso do pretendido. Procure vasculhar quem fechou mais
rádios comunitárias, quem demarcou menos terras indígenas, quem
privatizou mais a infraestrutura, quem promoveu a maior privatização
no setor petrolífero, quem concedeu mais lucros aos bancos e às
grandes empresas, quem está dando mais dinheiro do BNDES para as
grandes corporações, quem aprovou mais leis repressivas contra os
movimentos sociais, quem os reprimiu e os espionou mais e quem elevou
em escala recorde a privatização das ações preferenciais do Banco
do Brasil.
Mas e a política externa soberana e progressista? - você me
pergunta. Ora que política externa soberana é essa que vai ocupar
um país irmão e pobre como o Haiti a pedido do imperialismo? Que
progressismo há nisso? O que teve de soberano na crise do Irã onde
o Brasil apresentou como alternativa o que o próprio Obama havia
recomendado? O que há de progressista em financiar, com dinheiro
público, os negócios da burguesia brasileira nos países da América
Latina e da África?
E o desenvolvimento nacional? Aqui não posso conter as risadas
afinal que desenvolvimento é este onde a desnacionalização da
economia e as exportações de matérias primas se aprofundam cada
vez mais?
Ah, mas e a distribuição de renda? Por acaso pensa que sou ingênuo
e desinformado? Pensa que não sei que desses dados estatísticos
foram excluídos os burgueses constando apenas os assalariados?
Então você me fala dos programas que chama de sociais. Vamos
analisá-los mais de perto.
O Bolsa Família, anteriormente rejeitado pelo seu próprio
partido mas que agora você chama de “revolucionário”, tem
respaldo teórico nos liberais Friedrich Hayek e Milton Friedman,
como admitiram os próprios liberais do Instituto Mises Brasil. Ele é
indicado pelo Banco Mundial e aqui no Brasil teve seus créditos
atribuídos ao tucano Marconi Perillo pelo próprio ex-presidente
Lula. Qual a função desse tipo de programa? Por um lado inserir
como consumidores setores excluídos pelo próprio capital, por outro
permitir que as reformas sociais (tímidas no caso do nosso país)
sejam desmontadas mais facilmente. Ou seja, com uma mão distribui-se
um programa assistencial enquanto que com a outra tascam-se recursos
da saúde, educação e previdência, às vezes privatizando-as. Não
é por acaso que os mesmos organismos internacionais que pregam
austeridade fiscal e cortes nas reformas sociais indiquem e celebrem
programas como o Bolsa Família, como orgulhosamente você gosta de
apontar os mimos do Bando Mundial.
O Prouni, que aprofunda a privatização da educação
superior, é um típico programa defendido por setores da direita
política pois trata-se de bolsas nas universidades privadas que
assim têm garantidos os seus lucros. Não é por acaso que tucanos
como Fernando Schuler elogiem tal programa e já defendam um Prouni
para o ensino básico. O FIES, endivida os estudantes para
manter essa lógica privatista. E o Pronatec é uma espécie
de Prouni do ensino técnico que transfere recursos públicos para o
Sistema S. Assim, em vez de priorizar um sistema público de ensino
que garanta acesso e qualidade a todos, utilizam-se recursos públicos
para aprofundar o caráter mercantil da educação no país, tudo
para garantir os lucros dos tubarões, mas de forma oportunista
tinge-se tal programa de “social” e “progressista”
aproveitando-se dos problemas históricos de acesso das nossas
classes populares, cujo benefício em tal programa não passa de
efeito colateral, afinal um governo que realmente está preocupado
com a sorte das mesmas não corta verbas da educação e da saúde
públicas para entregar aos especuladores.
Já o Minha Casa Minha Vida é parte integrante das medidas
“anticrise” adotadas pelo vosso governo após a eclosão da crise
de 2008. Tal programa, longe de observar a necessidade social de
moradia no país integra e aprofunda a especulação imobiliária,
fazendo com que os pobres sejam muitas vezes despejados e empurrados
para a periferia da periferia quando suas precárias moradias
localizam-se em áreas de interesse do capital imobiliário.
Como se percebe tais programas são indicados, tolerados e atendem
aos interesses do próprio capital. Dificilmente seriam extintos pelo
seu concorrente. Despidos da sua aparência e revelada a sua
essência, esses programas, que você chama de reformas, na verdade
evidenciam que vosso governo não realizou uma única reforma social
em doze anos! Devo lembrar-te de que o debate histórico na esquerda
sempre foi reforma ou revolução. E, assim como o seu concorrente,
vosso governo não se localiza em nenhum desses campos.
É um direito de vocês administrarem o capitalismo e acreditar que é
possível atenuar seus males, embora essa opção não seja apenas
ideológica já que muitos companheiros se tornaram empresários,
consultores de empresas, gestores de fundos de pensão, sócios dos
negócios das grandes corporações e assim ganhem muito com o
sistema. Mas também estou no meu direito de rejeitar esse caminho e
seguir levantando bem alto as bandeiras do materialismo histórico e
dialético, ou seja, do socialismo.
Os pais do socialismo científico em jornadas duríssimas rejeitaram
a ideia do mal menor, o rebaixamento do programa, as alianças com
setores burgueses e defenderam a organização independente dos
trabalhadores. Não se abstiveram, não ficaram em cima do muro,
tiveram um lado claro.
E é baseado nos ensinamentos deles que me posicionarei neste segundo
turno. Vossa candidata, assim como seu concorrente, se comprometeu
com uma série de ajustes em favor do capital tão logo se encerrem
as eleições, o que resultará em mais cortes de recursos das áreas
sociais, mais ataques aos diretos dos trabalhadores, demissões,
aumento de preços e mais privatizações.
Para mim o inimigo principal continua sendo o capitalismo e a
oposição ao mesmo não pode ser abstrata, deve ser real e isso
passa por rejeitar aqueles que trabalham para a sua manutenção e
perpetuação. Em um processo eleitoral passa por rejeitar as
candidaturas que estão comprometidas com ajustes em favor do mesmo.
E, se as duas candidaturas já estão comprometidas com o sistema, é
inútil, do ponto de vista de quem defende outro modelo de sociedade,
votar em qualquer uma delas. Logo, se o voto útil é inútil o único
voto útil para quem rejeita as candidaturas do sistema é o voto
nulo!
Peço que me respeite e que não fique inconformado vociferando
impropérios contra a minha posição. E não ouse tentar me
responsabilizar por uma eventual derrota da tua candidatura, afinal
não era você que vivia zombando do meu peso irrelevante no processo
eleitoral?
Sem mais, passe bem!
Atenciosamente,
Um amigo socialista!
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