A prisão
de José Dirceu, José Genoíno, Delúbio Soares, entre outros
envolvidos no escândalo de corrupção que estourou em 2005 e que
ficou conhecido como mensalão, mobilizou uma turba de governistas
que têm se dedicado a defesa dos dirigentes petistas, principalmente
na blogosfera.
Dois
fatos chamam atenção na postura dos governistas: o primeiro é
mencionar apenas os dirigentes petistas não estendendo a
solidariedade ao publicitário Marcos Valério e aos políticos de
outros partidos da base governista igualmente condenados. O segundo é
que apresentam os dirigentes petistas como vítimas e injustifiçados,
ainda que eles próprios não consigam esconder que os mesmos
praticaram ilícitos já que negam o mensalão se escudando no caixa
2.
Essas
incoerências além de tentar proteger os dirigentes petistas (e
somente eles) ainda buscam confundir setores da vanguarda e
militantes sociais honestos e alguns ainda iludidos com a gestão
petista. Tudo seria “golpe das elites” e aqueles que criticam
pela esquerda os rumos do partido que culminou na prisão de alguns
de seus principais dirigentes são apresentados como os que “fazem
o jogo da direita”.
Mas o
convencimento de artimanhas como essas possui limites. A direita e
setores importantes e odiosos das oligarquias brasileiras estão
dentro do governo, a denúncia de corrupção partiu da própria base
aliada, a maioria dos Ministros do Supremo Tribunal Federal
(incluindo Joaquim Barbosa) foram nomeados por Lula e Dilma, sem
contar que em 2005 Washington enviou o secretário John Snow e na
sequência o próprio Bush para garantir que a crise política não
transbordaria o copo a ponto de ameaçar o regime.
Avessos a
qualquer crítica e reflexão os governistas não tardam em denunciar
como “ingênuo”, “aliado das elites golpistas e da direita”
qualquer um que não coadune com a defesa dos corruptos do seu
partido, mesmo que as ponderações venham de um petista histórico.
Recentemente
o ex-governador do Rio Grande do Sul, Olívio Dutra, foi enxovalhado
por petistas de todas as ordens (intelectuais, militantes de base,
simpatizantes, dirigentes, etc) por afirmar, em um jornal de Porto
Alegre, que a prisão dos ex-dirigentes de seu partido foi correta.
[1]
Vale
lembrar que Olívio foi sacado do Ministério das Cidades para dar
lugar a um homem de confiança de Severino Cavalcanti do PP, em 2005.
Cavalcanti, então deputado federal, renunciou ao cargo temendo ser
cassado após denúncias de pagamento de propina de um restaurante da
Câmara dos Deputados, escândalo que ficou conhecido como
“mensalinho”.
Todo esse
estardalhaço contrasta com um passado não muito distante que
demonstra que os primeiros a condenar os ex-dirigentes petistas foram
Lula, o próprio PT e seus dirigentes.
“Como
assim?”, perguntará espumando o governista intolerante! Ora, basta
rever as declarações e/ou ações da época tanto do ex-presidente,
quanto de alguns dirigentes e da Executiva Nacional do PT.
Em 12 de
agosto de 2005, Lula faz um pronunciamento em rede nacional para
pedir desculpas ao povo brasileiro pelos ilícitos praticados, se diz
traído e indignado e solta o célebre “não sabia de nada”:
“Estou consciente da gravidade da crise política. Ela compromete
todo o sistema partidário brasileiro. Em 1980, no início da
redemocratização decidi criar um partido novo que viesse para mudar
as práticas políticas, moralizá-las e tornar cada vez mais limpa a
disputa eleitoral no nosso país.
Ajudei a criar esse partido e, vocês sabem, perdi três eleições
presidenciais e ganhei a quarta, mantendo-me sempre fiel a esses
ideais, tão fiel quanto sou hoje. Quero dizer a vocês, com toda a
franqueza, eu me sinto traído. Traído por práticas inaceitáveis
das quais nunca tive conhecimento.
Estou indignado pelas revelações que aparecem a cada dia, e que
chocam o país. O PT foi criado justamente para fortalecer a ética
na política e lutar ao lado do povo pobre e das camadas médias do
nosso país. Eu não mudei e, tenho certeza, a mesma indignação que
sinto é compartilhada pela grande maioria de todos aqueles que nos
acompanharam nessa trajetória. Mas não é só. Esta é a indignação
que qualquer cidadão honesto deve estar sentindo hoje diante da
grave crise política.
(...)
Queria, neste final, dizer ao povo brasileiro que eu não tenho
nenhuma vergonha de dizer ao povo brasileiro que nós temos que pedir
desculpas. O PT tem que pedir desculpas. O governo, onde errou, tem
que pedir desculpas, porque o povo brasileiro, que tem esperança,
que acredita no Brasil e que sonha com um Brasil com economia forte,
com crescimento econômico e distribuição de renda, não pode, em
momento algum, estar satisfeito com a situação que o nosso país
está vivendo.” [2]
http://www.youtube.com/watch?v=Qj-w3i9_hpQ
Quatro
dias depois, em 16 de agosto, a Executiva Nacional do PT divulga uma
resolução na mesma linha do então Presidente da República:
“O Partido, com esta resolução, faz o seu primeiro pedido de
desculpas à Nação, pois os atos que nos comprometem, moral e
politicamente perante os brasileiros, foram cometidos por dirigentes
do PT, sem o conhecimento de suas instâncias.
Tais atos criaram uma situação de constrangimento para o PT e para
o nosso governo. É impossível avaliar, neste momento, a
profundidade e a gravidade de tais danos. Estamos recompondo nossa
vida interna, reorganizando as nossas estruturas administrativas e
procurando responder à crise política para defender a continuidade
com normalidade do governo Lula.” [3]
O atual
governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, assumiu interinamente a
presidência do partido em 2005 e agitou como principal bandeira a
“refundação do PT” [4]. De acordo com Genro, uma “operação
limpeza” já estava em curso no partido e se aprofundaria no
segundo mandato de Lula. [5]
Em uma
“Carta ao Partido” em que Tarso defende a “refundação” é
mencionada uma “crise partidária”, que teria sido “induzida
por poucos”:
“Vivemos tempos ásperos. Poucos de nós imaginariam há um ano
atrás a profundidade e amplitude da crise que estava latente e
comprometendo a vida partidária.
Se é verdade que ela foi induzida por poucos, não é menos verdade
que muitos entre nós, no mínimo, não estivemos atentos ou mesmo
silenciamos. A crise tem dupla dimensão: "crise política",
com ingredientes morais; e "crise de projeto estratégico",
que é nossa e que contém um pouco das limitações de toda a
esquerda mundial.
(…)
Enfrentar o presente, para nós, é enfrentar esta crise: prosseguir
na apuração de responsabilidades legais quanto às violações
estatutárias, mas também das responsabilidades políticas que nos
legaram esta situação de crise. ” [6]
Em 22 de
outubro de 2005, o ex-tesoureiro Delúbio Soares foi expulso do PT,
por recomendação da Comissão de Ética do partido. No documento
que justificava a medida era dito que Delúbio “ao receber
incumbências para executar tarefas políticas importantes,
extrapolou, com suas atividades individuais, as deliberações
adotadas pela direção nacional, expondo o partido a uma crise
política”. [7]
Meses
antes, em 16 de julho, o próprio Delúbio havia admitido a criação
de uma contabilidade paralela [8] e que havia tomado recursos junto a
Marcos Valério [idem 7].
A decisão
de expulsar Delúbio foi apoiada por 37 dos 56 membros do Diretório
Nacional do PT. O próprio José Dirceu pediu a Delúbio que se
desligasse voluntariamente. O grupo de Dirceu, aliás, votou por um
afastamento de três anos do ex-tesoureiro (16 votos). Houve 3
abstenções. [9]
“O
partido tomou uma decisão extrema, que responde de maneira correta”
[idem 9], foi a caracterização de Tarso Genro com relação ao
episódio. Para o então deputado, Ricardo Berzoini, “O PT agiu
no tempo certo, dentro dos procedimentos estatutários”
[ibidem]. Por fim, estas foram as palavras do então líder do
governo no Senado, Aloizio Mercadante:
“Para o partido, é doloroso, mas era uma decisão inevitável.
Delúbio sempre agiu achando que estava contribuindo para o PT, não
houve benefício pessoal, mas tomou decisões sem autorização da
direção.” [ibidem]
Antes da
expulsão de Delúbio o PT havia passado por eleições internas que
definiram a composição da Direção Nacional. Tarso Genro, que
havia assumido interinamente a direção do partido, abandonou sua
candidatura devido a presença de José Dirceu na chapa: “Para
algumas pessoas é possível [manter Dirceu na chapa]. Para mim, não
dá” [10], afirmou na época o atual governador do Rio Grande
do Sul.
De acordo
com Genro sua atitude “expõe de maneira aberta e transparente a
necessidade de mudança no núcleo dirigente”, “A retirada
abre a crise de maneira democrática para a sociedade e para a
própria militância” e:
“Se a crise for tratada agora com panos quentes - e isso significa
que as lideranças do partido componham politicamente com situações
e posições com as quais discordam radicalmente -, isso sim seria um
desserviço ao partido. Portanto, acho que minha saída é positiva”
[11]
O então
candidato da DS (Democracia Socialista), Raul Pont, embora tenha
celebrado a substituição de Tarso por Berzoini, solidarizou-se com
a atitude Genro nos seguintes termos: “A intransigência destes
envolvidos está colocando em risco a sobrevivência do PT.”
[idem 10]
Pont, que
foi derrotado por Berzoini no segundo turno e depois se tornou
secretário-geral do PT, não media palavras para atacar José Dirceu
e outros membros envolvidos no escândalo de corrupção:
“Ele quis impor no PT a sua linha autoritária. Foi ele quem
possibilitou o surgimento, para a política, de figuras como o
Delúbio Soares (ex-tesoureiro) e Silvio Pereira (ex-secretário).”
“Dirceu afundou o governo com sua política equivocada de alianças.
Foi ele quem procurou o PL, o PP, o PTB e outros, e fez alianças
políticas à direita.”
“Dirceu é antidemocrático, autoritário, não aceita a
pluralidade. Durante mais de dez anos nós, da esquerda, fomos
minoria no partido e nos comportamos dentro do nosso espaço. Agora,
que estamos na direção, ele rejeita essa mudança.” [12]
Nesse
período era corrente no discurso de alguns dirigentes e militantes
petistas nos movimentos sociais e na blogosfera o argumento de que o
PT tratava seus corruptos de forma diferente dos outros partidos, que
os condenava, não os protegia e que assim rumava para uma depuração
interna.
Quanta
diferença com o discurso da atualidade!
Reforma
política como cortina de fumaça
O
desenrolar da História atestou que os rumos do PT não se alteraram:
o chamado Campo Majoritário foi se fortalecendo cada vez mais [13],
conforme foram ocupando cargos críticos de ocasião como Raul Pont
foram se moderando até terminar na defesa dos dirigentes
anteriormente demonizados (acabando inclusive por defender e praticar
suas políticas [14]) e até mesmo o expulso Delúbio Soares retornou
ao partido em 2011.
Mas chama
atenção que um espantalho da atualidade apresentado como panacéia
para a crise de representação do sistema político brasileiro,
contestado com força nas ruas no mês de junho, já tenha sido
apontado como solução lá atrás: a reforma política!
No seu
pronunciamento mencionado no início desse artigo, Lula defende
“urgência” para tal reforma:
“O Brasil precisa corrigir as distorções do seu sistema
partidário eleitoral, fazendo urgentemente a tão sonhada reforma
política. É necessário punir corruptos e corruptores, mas também
tomar medidas drásticas para evitar que essa situação continue a
se repetir no futuro.” [idem 2]
Na também
já mencionada Resolução da Executiva Nacional do PT, o partido
pedia a reforma já para o ano seguinte:
“O PT defende uma ampla reforma política, com fidelidade
partidária rigorosa e financiamento público e redução dos custos
de campanhas, com vigência ainda para as eleições de 2006. Por
isso, apóia emenda constitucional que amplie, até o final deste
ano, o prazo para votação de mudanças na lei eleitoral, para
aplicação nas eleições de 2006.” [idem 3]
Apesar
das promessas, e de se gabar de possuir “habilidade” para compor
e possuir a maioria no Congresso Nacional, os governos petistas nunca
buscaram a reforma política de forma consequente.
O
toma-lá-da-cá seguiu nas casas parlamentares, o PT foi se tornando
cada vez mais um dos partidos que mais recebe dinheiro dos grandes
grupos econômicos e alianças com os mais atrasados setores da
sociedade seguiram sendo feitas e reforçadas – muitas vezes ao
preço de sacrificar bandeiras mínimas exigidas por sua própria
base.
Como lá
atrás, hoje a reforma política não passa de cortina de fumaça
para tentar dar uma resposta à sociedade e à sua militância ante
mais uma crise política. Isso fica evidente na troca promovida pelo
próprio bloco dirigente do PT do deputado Henrique Fontana por
Cândido Vaccarezza na coordenação do grupo de trabalho da Câmara
dos Deputados encarregada da referida reforma. Vaccarezza, que de
cândido não tem nada, conseguiu piorar a reforma que já era ruim
sob o comando de Fontana. [15]
Para
finalizar, é pertinente trazer uma citação do articulista
governista, Eduardo Guimarães, quando do retorno de Delúbio Soares
ao PT, em 2011. Cauteloso, Guimarães alertava que ações como a
expulsão do ex-tesoureiro representavam a condenação de petistas
por seus próprios correligionários antes mesmo do processo correr
na justiça:
“A explicação do partido de que Delúbio foi reintegrado porque
“ninguém pode ser punido para sempre” e porque já teria “pago
pelo seu erro”, é absurda porque dá como certo que o
ex-tesoureiro cometeu o crime apesar de que ainda não foi julgado, e
porque, se cometeu mesmo tal crime, expulsá-lo por cinco anos é
pena muito branda.” [16]
_________________________________________________
[1]
Olívio considera justa a prisão dos mensaleiros (21/11/2013):
[2]
Dia de ouvir Lula sobre o Mensalão: “eu me sinto traído e peço
desculpas” (15/11/2013):
[3]
Brasil: Resolução da Comissão Executiva Nacional do PT. Brasília,
16 de agosto de 2005.
[4] Tarso Genro diz que PT inicia ''refundação'' do partido (12/08/2005):
[5] PT
precisa de uma ´refundação radical´, afirma Tarso (23/10/2006):
[6]
Tarso agita Encontro do PT com documento pela “refundação”
(27/04/2006):
[7] PT
expulsa Delúbio Soares (22/10/2005):
[8] PT
expulsa ex-tesoureiro Delúbio Soares (22/10/2005):
[9] PT
expulsa Delúbio e diz que crise acabou (23/10/2005):
[10] Tarso Genro desiste de candidatura em eleições do PT (29/08/2005):
[11]
Tarso desiste; Berzoini é o nome do PT de Lula (30/08/2005):
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc3008200518.htm
[12]
Petistas reagem e chamam Dirceu de 'autoritário e antidemocrático'.
O Estado de São Paulo, 07/01/2006. Retirado do site do Senado
Federal.
[13]
O Campo Majoritário seguiu dirigindo o PT e na última eleição,
ocorrida em 2013, seu candidato, Rui Falcão, fez quase 70% dos votos
em um pleito marcado por fortes suspeitas de fraudes.
[14]
Raul Pont atualmente é deputado estadual no Rio Grande do Sul.
Tem sido um forte defensor das políticas de benesses aos grandes
grupos econômicos e aos cargos de confiança praticadas pelo Governo
Tarso. Tem justificado e defendido também as políticas de ataques
desse governo aos servidores públicos e aos professores estaduais
(como o calote no piso salarial da categoria). Tem defendido a
manutenção da aliança com o fisiológico PDT do RS. Recentemente
assinou um “Manifesto de repúdio às prisões ilegais”
solidarizando-se com dirigentes anteriormente criticados por ele como
José Dirceu.
[15] O
articulista governista, Marco Weissheimer, escreveu um artigo
abordando a substituição de Fontana por Vaccarezza e chega a
sugerir que sob o comando do segundo o que se poderá ter é uma
“anti-reforma”:
A manobra que afastou, até aqui
com êxito, o deputado federal Henrique Fontana (PT-RS) da
coordenação do grupo de trabalho criado pela Câmara dos Deputados
para apresentar uma proposta de Reforma Política a ser votada ainda
este ano, é mais um indicador que uma parte significativa dos
parlamentares brasileiros é imune à realidade, vivendo numa terra
paralela que tenta impor suas regras ao país. Em entrevista ao
Sul21, Henrique Fontana conta como foi substituído por seu colega de
partido, Cândido Vacarezza (PT-SP), em uma manobra articulada
diretamente pelo mesmo (e por uma ala importante do PT ligada ao
grupo que dirige hoje nacionalmente o partido) com o presidente da
Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN).
(…)
É
isso. Depois de tudo o que aconteceu no país nas últimas semanas, e
segue acontecendo, essas são as ideias do deputado Vaccarezza para
enfrentar as críticas ao atual modo de funcionamento do sistema
político-partidário brasileiro. Tudo pode acabar, não em pizza,
mas em uma anti-Reforma Política.” (A minirreforma eleitoral de
Vaccarezza: uma anti-Reforma Política? 15/07/2013. Extraído de <
http://www.sul21.com.br/jornal/a-minirreforma-eleitoral-de-vacarezza-uma-anti-reforma-politica/
>)
[16] A
reintegração de Delúbio ao PT (30/04/2011):