terça-feira, 9 de outubro de 2012

O objeto e o ser humano


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"A desvalorização do mundo humano aumenta na razão direta do aumento de valor do mundo dos objetos."
(Karl Marx)





Poucas vezes um fato da realidade concreta tem a capacidade de reunir em si, de forma clara e didática, quase todos os elementos de uma sociedade. Pois o ocorrido na noite de quinta-feira (04/10), na cidade de Porto Alegre, conseguiu. 

A truculenta repressão da Brigada Militar aos jovens que protestavam em frente à Prefeitura contra a privatização dos espaços públicos na capital gaúcha para proteger um boneco inflável de uma multinacional, é um símbolo dos nossos tempos. Tempos onde os objetos são divinizados e protegidos e a dignidade humana negligenciada e violada. 

Marx desvendou como se processa a alienação na sociedade capitalista, fenômeno gerado pela teia de relações que engendram o funcionamento do sistema e que favorecem a coisificação da vida social onde o "mundo dos objetos" vai se valorizando e o "mundo humano" vai se desvalorizando. 

Uns 80 homens e 22 viaturas foram mobilizadas para proteger um objeto de aproximadamente 100 pessoas que protestavam [1]. É um contingente impressionante diante da envergadura do ato, nem parecia que faltava efetivo policial como vive reclamando nossas autoridades. 

A alegada proteção, se é que era essa a intenção, foi um fracasso. Como observou o jornalista Mário Marcos foi "exatamente depois da chegada dos soldados que tudo vira um tumulto." [2]




De fato os vídeos divulgados até o momento não permitem dizer com firmeza que o ataque partiu dos manifestantes. No entanto a Prefeitura, a Brigada Militar [3] e alguns colegas de profissão de Mário Marcos não vacilaram em qualificar os jovens de "vândalos". Mesmo tendo tido um colega de profissão agredido gratuitamente (Bruno Alencastro, repórter fotográfico de ZH [4] ).

Por outro lado as cenas não deixam dúvidas da truculência policial ao espancarem, em grupo, pessoas caídas no chão e até quem se limitava a filmar.

O simbolismo da violação da dignidade humana para a defesa de um simples boneco inflável possui, além de elementos da esfera social (coisificação, alienação, etc) elementos da esfera política. 

As instituições políticas existem para dar amparo e reproduzir a vida social existente. E na sociedade capitalista as forças de repressão do Estado têm como principal finalidade proteger a propriedade privada das classes dominantes.

O boneco inflável era de propriedade da Coca-Cola, assim como parte do Largo Glênio Peres, que foi entregue à multinacional pela gestão do Prefeito José Fortunati em um acordo desconhecido pela maioria da população porto-alegrense. Há, portanto, poderosos interesses em jogo.

É importante salientar que o chefe último da Brigada Militar é o governador do Estado do Rio Grande do Sul, no caso o senhor Tarso Genro. E este cidadão ficou em silêncio por três dias, só emitindo uma nota vergonhosa e tergiversadora quando a votação para às eleições municipais já estavam encerrando. [5] 

O Governo Tarso vem sendo marcado pelo aprofundamento dos privilégios às multinacionais com ampliação da política de isenções fiscais, financiamentos e endividamento do Estado para subsidiá-las. Seria esse episódio uma extensão dessa política? 

O calote no piso do magistério já é um símbolo da incoerência e da trapaça política desse governo. O forte aparato policial truculento mobilizado para defender o "mundo dos objetos" e atacar o "mundo dos homens" pode se transformar no símbolo do servilismo do Governo Tarso às multinacionais. 


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[1] Vídeo na internet mostra momento em que mascote da Copa foi derrubado (05/10/2012):

[2] Brigada x manifestantes: pelas imagens, quem tem razão? (05/10/2012):

[3] Em um primeiro momento a Brigada Militar tentou dar uma cara "técnica" a sua ação repressora contra a "baderna". Segundo o Major André Luiz Córdova: 

"Toda ação gera uma reação. Fizemos uma reação técnica e proporcional à violência que acontecia com os policiais e outras pessoas. Não usamos armas de fogo. Utilizamos instrumentos que impedem riscos de violência contra terceiros e granada de efeito moral para criar condições de coibir a ação baderneira"

Conforme os vídeos iam sendo divulgados e o tecnicismo ia se revelando em uma odiosa truculência, os agentes da Brigada foram sendo obrigados a reconhecer, ainda que com ressalvas e tentativas de justificação, que cometeram excessos: "houve agressões das duas partes", disse o Coronel Alfeu Freitas.

[4] Protesto na Capital termina em confronto com a polícia e ataque a mascote da Copa (04/10/2012):

[5] Nota de esclarecimento (07/10/2012):

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