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A
destituição de Fernando Lugo no Paraguai foi o terceiro golpe de
Estado da direita na América Latina desde que o PT se tornou governo
central no Brasil. A atuação dos petistas diante desses episódios
acabam normalmente polarizando o debate entre os governistas, que
exaltam as ações do Palácio do Planalto, e os demotucanos e a
direita atabalhoada, que fazem de tudo para criticá-las.
Ocorre
que essa polarização destrambelhada está recheada de argumentos
irreais que confundem e quase nada esclarecem. Conforme demonstrei em
artigo onde analisei a política externa do Governo Lula a realidade
concreta mostra outro cenário. [1]
Aspecto
importante da política externa, a diplomacia brasileira na era
petista, diante dos golpes de Estado da direita na região, não é o
que tenta fazer aparentar a referida polarização. Os documentos
divulgados pelo Wikileaks, que não deixam margem para especulação
retórica, refutam cabalmente as falácias do governismo, dos
demotucanos e da direita atabalhoada.
Haiti
Em 2004
os Estados Unidos e a França invadiram o país caribenho,
sequestraram o seu presidente eleito, Jean-Bertrand Aristide,
colocaram-no em um avião e o largaram na África do Sul. Disseram ao
mundo que ele havia renunciado e ocuparam militarmente o país. Foi o
primeiro golpe de Estado da direita no continente na era petista.
Envolvido
em guerras no Oriente Médio, os Estados Unidos buscou um parceiro
para "terceirizar" a ocupação no Haiti. E, como podemos
verificar até os dias de hoje, encontrou na ONU e no Brasil os
aliados que precisava.
Sob o
eufemismo de "Missão de Paz" o governo petista avalizou um
golpe de Estado ajudando a manter na força um regime ilegítimo e
violando da forma mais repugnante a soberania de um país vizinho e
extremamente pauperizado.
O
material publicado pelo Wikileaks mostra de forma cristalina como a
diplomacia brasileira atuou em pró do golpe:
"Marco Aurélio Garcia, assessor especial da presidência para
assuntos internacionais do governo Lula – visto em geral como
adversário pelos EUA – foi fundamental na posição firme do
Brasil em apoiar o governo haitiano que sucedeu à queda de
Jean-Bertrand Aristide.
Telegramas publicados hoje pelo WikiLeaks mostram que ele foi o
principal articulador da determinação brasileira em evitar um
retorno de Aristide ao país.
(...)
Outro embaixador que expressou oposição forte à influência de
Aristide foi Antônio Patriota, atual chanceler brasileiro.
Para ele, a “mera existência de Aristide será sempre problemática
em termos da sua influência em alguns elementos da sociedade
haitiana, por mais que a comunidade internacional trabalhe para
isolá-lo”, descreve um documento de 10 de junho de 2005.
Ele disse ainda que era importante incluir no diálogo político
integrantes do partido Lavalas, (ao qual pertencia o presidente
deposto) que quisessem “deixar Aristide para trás”." [2]
Marco
Aurélio Garcia, em reunião com o representante político da
embaixada Dennis Hearne, alerta para as diferenças de comportamento
entre a sociedade brasileira e a estadunidense diante de um conflito
armado:
"Perguntado se o governo brasileiro estava preocupado se mortes
de soldados brasileiros poderiam gerar uma reação popular que
afetaria a missão brasileira no Haiti, ele teria respondido que “até
mesmo uma baixa brasileira” poderia causar turbulência.
“Garcia disse que a situação não é diferente da dos EUA no
Iraque, e observou que o governo dos EUA não tem permitido a
publicação de imagens de corpos de soldados mortos pela mídia”,
diz o telegrama, de 10 de junho de 2005." [idem 2]
As tropas
da ONU, lideradas pelo Brasil, têm se envolvido em uma série de
conflitos com a população civil haitiana reprimindo protestos de
trabalhadores e de estudantes, em alguns casos produzindo cadáveres.
[3] Há poucas semanas invadiram uma universidade para interromper
uma assembleia estudantil, o que é proibido pela Constituição do
país, além do que é um claro ataque as liberdades democráticas,
de reunião e organização.
Honduras
Em 2009
ocorreu o segundo golpe da direita na era petista. Com alguma
semelhança ao modos operandi no Haiti, o presidente eleito Manuel
Zelaya, foi colocado em um avião e despejado na Costa Rica. Na
sequência, com uma carta de renúncia falsa e o argumento igualmente
falso de que Zelaya buscava a reeleição, o Congresso consumou o
golpe de Estado. [4]
Diferentemente
da experiência haitiana, onde demotucanos e governistas estiveram
abertamente em sintonia, no caso hondurenho foi erigida a polarização
destrambelhada referida no início do texto. Muita coisa foi escrita
de um lado e de outro. Os primeiros se solidarizavam ao golpe
enquanto que os segundos exaltavam uma suposta postura antigolpe do
Palácio do Planalto.
Mais uma
vez as publicações do Wikileaks mostraram um cenário distinto das
confusas discussões histéricas do governismo com os demotucanos e a
direita atabalhoada.
Cumprindo
o papel de "estabilizador" da região - na verdade um
bombeiro que tenta apagar as chamas dos processos mais radicalizados
servindo às elites locais e aos Estados Unidos - o Brasil, uma vez
com Zelaya em sua embaixada, foi procurar ajuda dos estadunidenses:
"Quando Manuel Zelaya, o presidente deposto por um golpe em
Honduras, entrou na embaixada brasileira, o Itamaraty foi buscar
ajuda dos americanos. É o que revelam documentos obtidos pelo
WikiLeaks.
Segundo os telegramas, o chanceler Celso Amorim acreditava que “só
os americanos podem influenciar no que acontece em Honduras”,
enquanto os EUA achavam que o Brasil estava “despreparado” para
lidar com a situação." [5]
Confirmando
o seu papel de "bombeiro" o Brasil atuou junto com os
Estados Unidos e pediu que Hugo Chávez confiasse na influência dos
mesmos:
"(...) nos dias 4 e 5 de agosto, o Conselheiro de Segurança
Nacional dos EUA, General James Jones visitou, o Brasil em uma visita
que foi pautada principalmente pela crise de Honduras. Na visita, o
chanceler Celso Amorim cobrou mais empenho dos americanos.
Segundo Amorim, Chavez quis fazer de Zelaya “um mártir”, mas o
governo brasileiro o convenceu que “somente os EUA podem
influenciar o que acontece em Honduras”." [idem 5]
Como se
percebe os fatos contrariam completamente as falácias espalhadas
pela direita atabalhoada que conseguia pintar um quadro de esquerda
da atuação petista em Honduras. E essas falácias ficam ainda mais
desmoralizadas quanto mais a verdade, e os documentos do Wikileaks,
vem à tona:
"Viana ainda contou que o Brasil ofereceu asilo a Zelaya, mas
ele recusou.
Na manhã do dia 23, o próprio presidente Lula e o Chanceler Celso
Amlorim haviam ligado para Zelaya pedindo que ele contivesse seus
apoiadores para evitar um confrotno com as forças armadas de
Honduras." [idem 5]
O Brasil,
que segundo os direitistas colaborava na "baderna", não
queria povo na rua! Além disso ainda ofereceu asilo para Zelaya.
Nesse caso vira pó também a falácia governista de postura
antigolpe do governo petista em Honduras já que sem povo na rua e
com o presidente golpeado no asilo, quem iria poder derrotar o golpe?
As negociatas de gabinete é que não iriam!
Como se
tudo isso não bastasse o governo brasileiro não tardou a aceitar e
negociar com o governo golpista:
"Em fevereiro, Brasil já aceitava Pepe Lobo
O tom do governo brasileiro foi abrandando nos meses seguintes.
Um telegrama de fevereiro de 2010 descreve uma reunião no dia 8 em
que Marco Aurélio Garcia teria pedido ao embaixador americano “certa
reabilitação” de Zelaya, “um pouco mais do que uma anistia”.
Garcia, segundo o telegrama, disse que Zelaya era conservador na
essência mas agira como catalizador do movimento poipular, e
portanto o ressentimento causado pelo golpe ainda poderia
desestabilizar Honduras a longo prazo.
Garcia contou ainda que, emblora não tivesse reconhecido como
legítimo o governo de Porfírio Lobo, o Brasil já mantinha
comunicação com ele, através de troca de comunicados
diplomáticos." [idem 5]
Paraguai
Como
informado no início do texto o golpe no Paraguai foi o terceiro na
América Latina durante os mandatos petistas. Cabe salientar, porém,
que se deu na administração da Presidente Dilma, enquanto os outros
ocorreram na era Lula.
A
diferença entre o ocupante do Palácio do Planalto não alterou a
forma de atuação diante de mais um golpe da direita: o governo
brasileiro não rompeu com o governo golpista, deu declarações
tímidas sobre o golpe e se limitou a defender "sanções
políticas".
Em uma
dessas sanções o Paraguai foi suspenso do Mercosul e aproveitou-se
para colocar a Venezuela no bloco, algo que não é progressista nem
do lado brasileiro, nem do venezuelano - que era o debate principal
que deveria ter sido feito, o que não ocorreu por mais uma
polarização insana do governismo com os demotucanos e a direita
atabalhoada que acabou desviando o foco.
Aproveitando
o ensejo cabe lembrar aos demotucanos e aos direitistas aloprados que
Fernando Henrique defendeu a entrada da Venezuela no Mercosul quando
Hugo Chávez já era Presidente. [idem 1] Aos que consideram Chávez
um ditador e que por isso deve ser evitado acordos e negócios com o
seu país, cabe lembrar do apoio de Fernando Henrique a Fujimori e
como a Revista Veja justificava esse tipo de relação:
"A visita ao Brasil de Alberto Fujimori, o presidente do Peru,
propiciou o tipo de nhenhenhém em que todo mundo mete a colher e não
se chega a lugar algum.
(...)
O presidente da República pode convidar para uma visita oficial um
chefe de Estado estrangeiro com a ficha suja como Fujimori? Pode e
deve se isso for bom para o Brasil. A política externa é feita para
atender aos interesses nacionais permanentes, acima dos eventuais
inquilinos do poder, embora não, evidentemente, à deriva dos
imperativos éticos. Se, (...), o ultradireitista Pat Buchanan for
eleito presidente dos Estados Unidos, alguém imagina que Fernando
Henrique Cardoso faça birra e se recuse a tratar de negócios com um
sujeito reacionário como ele?
Da mesma maneira, um país supostamente pouco relevante como o
Paraguai, seja ele presidido por Gengis Khan ressuscitado ou Madre
Teresa de Calcutá, sempre exige atenções especiais de qualquer
governo do Brasil." (Veja, 06/03/1996) [idem 1]
Tendo
ficado evidente a incoerência e a hipocrisia da direita resta fazer
alguns curtos e rápidos comentários sobre a entrada da Venezuela no
Mercosul.
Primeiro:
ela não é progressista do lado brasileiro pois nosso país tem se
caracterizado por buscar expandir o capital nacional para países
vizinhos se utilizando para isso do BNDES, dos "perdões"
de dívidas e outros acordos. Essa política subimperialista não
visa uma real e sincera integração dos povos mas melhores e
rentáveis negócios para os empresários brasileiros. [idem 1]
Segundo:
ela não é progressista do lado venezuelano pois integra o país em
um bloco puramente capitalista, praticamente inviabilizando a
formação de um novo modelo societário, como sonham alguns. Ela
reduz até mesmo as possibilidades de aplicação de um capitalismo
nacional, que era a proposta inicial do Governo Chávez, erroneamente
chamado de socialista por alguns.
Colaboração
e cumplicidade
Os textos
sobre os documentos do Wikileaks utilizados aqui foram extraídos da
Carta Capital, que é um veículo simpático ao governo petista.
Embora suas matérias não digam diretamente, e é provável que nem
tenham essa caracterização, fica claro que a atuação dos governos
petistas diante dos golpes da direita na América Latina tem oscilado
entre a colaboração direta (Haiti) e a cumplicidade dissimulada
(Honduras e Paraguai).
Essa
postura no plano externo, que não tem nada de progressista no
sentido de ser uma política de esquerda, foi repetida no plano
interno com a criação da inofensiva "Comissão da Verdade".
E ao
criar uma comissão que não punirá os torturadores o governo
petista se torna cúmplice do golpe e dos crimes da direita
brasileira também. As bravatas da direita aloprada e de setores
militares, que sequer essa comissão aceitam, não mudam esse fato e
não podem servir de desculpa para uma relativização que cria uma
imagem irreal do papel nefasto cumprido pelas gestões petistas diante desse tipo de episódio.
_____________________________________________
[1] A
política externa de Lula foi progressista? (02/11/2010):
http://blogdomonjn.blogspot.com.br/2010/11/politica-externa-de-lula-foi.html
[2]
Wikileaks: Brasil no Haiti e o mito da política externa progressista
(02/04/2011):
http://blogdomonjn.blogspot.com.br/2011/04/wikileaks-brasil-no-haiti-e-o-mito-da.html
[3] Como
o Brasil foi parar no Haiti? (15/01/2010):
http://blogdomonjn.blogspot.com.br/2010/01/como-o-brasil-foi-parar-no-haiti.html
[4]
Honduras: esclarecimentos (22/09/2009):
http://blogdomonjn.blogspot.com.br/2009/09/honduras-esclarecimentos.html
[5]
Wikileaks revela papel do Brasil em Honduras (18/12/2010):
http://blogdomonjn.blogspot.com.br/2010/12/wikileaks-revela-papel-do-brasil-em.html
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