segunda-feira, 23 de julho de 2012

Os governos do PT diante dos golpes da direita na América Latina

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A destituição de Fernando Lugo no Paraguai foi o terceiro golpe de Estado da direita na América Latina desde que o PT se tornou governo central no Brasil. A atuação dos petistas diante desses episódios acabam normalmente polarizando o debate entre os governistas, que exaltam as ações do Palácio do Planalto, e os demotucanos e a direita atabalhoada, que fazem de tudo para criticá-las.

Ocorre que essa polarização destrambelhada está recheada de argumentos irreais que confundem e quase nada esclarecem. Conforme demonstrei em artigo onde analisei a política externa do Governo Lula a realidade concreta mostra outro cenário. [1]

Aspecto importante da política externa, a diplomacia brasileira na era petista, diante dos golpes de Estado da direita na região, não é o que tenta fazer aparentar a referida polarização. Os documentos divulgados pelo Wikileaks, que não deixam margem para especulação retórica, refutam cabalmente as falácias do governismo, dos demotucanos e da direita atabalhoada.


Haiti

Em 2004 os Estados Unidos e a França invadiram o país caribenho, sequestraram o seu presidente eleito, Jean-Bertrand Aristide, colocaram-no em um avião e o largaram na África do Sul. Disseram ao mundo que ele havia renunciado e ocuparam militarmente o país. Foi o primeiro golpe de Estado da direita no continente na era petista.

Envolvido em guerras no Oriente Médio, os Estados Unidos buscou um parceiro para "terceirizar" a ocupação no Haiti. E, como podemos verificar até os dias de hoje, encontrou na ONU e no Brasil os aliados que precisava.

Sob o eufemismo de "Missão de Paz" o governo petista avalizou um golpe de Estado ajudando a manter na força um regime ilegítimo e violando da forma mais repugnante a soberania de um país vizinho e extremamente pauperizado. 

O material publicado pelo Wikileaks mostra de forma cristalina como a diplomacia brasileira atuou em pró do golpe:

"Marco Aurélio Garcia, assessor especial da presidência para assuntos internacionais do governo Lula – visto em geral como adversário pelos EUA – foi fundamental na posição firme do Brasil em apoiar o governo haitiano que sucedeu à queda de Jean-Bertrand Aristide.

Telegramas publicados hoje pelo WikiLeaks mostram que ele foi o principal articulador da determinação brasileira em evitar um retorno de Aristide ao país.

(...)

Outro embaixador que expressou oposição forte à influência de Aristide foi Antônio Patriota, atual chanceler brasileiro.

Para ele, a “mera existência de Aristide será sempre problemática em termos da sua influência em alguns elementos da sociedade haitiana, por mais que a comunidade internacional trabalhe para isolá-lo”, descreve um documento de 10 de junho de 2005.

Ele disse ainda que era importante incluir no diálogo político integrantes do partido Lavalas, (ao qual pertencia o presidente deposto) que quisessem “deixar Aristide para trás”." [2]

Marco Aurélio Garcia, em reunião com o representante político da embaixada Dennis Hearne, alerta para as diferenças de comportamento entre a sociedade brasileira e a estadunidense diante de um conflito armado:

"Perguntado se o governo brasileiro estava preocupado se mortes de soldados brasileiros poderiam gerar uma reação popular que afetaria a missão brasileira no Haiti, ele teria respondido que “até mesmo uma baixa brasileira” poderia causar turbulência.

“Garcia disse que a situação não é diferente da dos EUA no Iraque, e observou que o governo dos EUA não tem permitido a publicação de imagens de corpos de soldados mortos pela mídia”, diz o telegrama, de 10 de junho de 2005." [idem 2]

As tropas da ONU, lideradas pelo Brasil, têm se envolvido em uma série de conflitos com a população civil haitiana reprimindo protestos de trabalhadores e de estudantes, em alguns casos produzindo cadáveres. [3] Há poucas semanas invadiram uma universidade para interromper uma assembleia estudantil, o que é proibido pela Constituição do país, além do que é um claro ataque as liberdades democráticas, de reunião e organização.


Honduras

Em 2009 ocorreu o segundo golpe da direita na era petista. Com alguma semelhança ao modos operandi no Haiti, o presidente eleito Manuel Zelaya, foi colocado em um avião e despejado na Costa Rica. Na sequência, com uma carta de renúncia falsa e o argumento igualmente falso de que Zelaya buscava a reeleição, o Congresso consumou o golpe de Estado. [4]

Diferentemente da experiência haitiana, onde demotucanos e governistas estiveram abertamente em sintonia, no caso hondurenho foi erigida a polarização destrambelhada referida no início do texto. Muita coisa foi escrita de um lado e de outro. Os primeiros se solidarizavam ao golpe enquanto que os segundos exaltavam uma suposta postura antigolpe do Palácio do Planalto.

Mais uma vez as publicações do Wikileaks mostraram um cenário distinto das confusas discussões histéricas do governismo com os demotucanos e a direita atabalhoada.

Cumprindo o papel de "estabilizador" da região - na verdade um bombeiro que tenta apagar as chamas dos processos mais radicalizados servindo às elites locais e aos Estados Unidos - o Brasil, uma vez com Zelaya em sua embaixada, foi procurar ajuda dos estadunidenses:

"Quando Manuel Zelaya, o presidente deposto por um golpe em Honduras, entrou na embaixada brasileira, o Itamaraty foi buscar ajuda dos americanos. É o que revelam documentos obtidos pelo WikiLeaks.

Segundo os telegramas, o chanceler Celso Amorim acreditava que “só os americanos podem influenciar no que acontece em Honduras”, enquanto os EUA achavam que o Brasil estava “despreparado” para lidar com a situação." [5]

Confirmando o seu papel de "bombeiro" o Brasil atuou junto com os Estados Unidos e pediu que Hugo Chávez confiasse na influência dos mesmos:

"(...) nos dias 4 e 5 de agosto, o Conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, General James Jones visitou, o Brasil em uma visita que foi pautada principalmente pela crise de Honduras. Na visita, o chanceler Celso Amorim cobrou mais empenho dos americanos.

Segundo Amorim, Chavez quis fazer de Zelaya “um mártir”, mas o governo brasileiro o convenceu que “somente os EUA podem influenciar o que acontece em Honduras”." [idem 5]

Como se percebe os fatos contrariam completamente as falácias espalhadas pela direita atabalhoada que conseguia pintar um quadro de esquerda da atuação petista em Honduras. E essas falácias ficam ainda mais desmoralizadas quanto mais a verdade, e os documentos do Wikileaks, vem à tona:

"Viana ainda contou que o Brasil ofereceu asilo a Zelaya, mas ele recusou.

Na manhã do dia 23, o próprio presidente Lula e o Chanceler Celso Amlorim haviam ligado para Zelaya pedindo que ele contivesse seus apoiadores para evitar um confrotno com as forças armadas de Honduras." [idem 5]

O Brasil, que segundo os direitistas colaborava na "baderna", não queria povo na rua! Além disso ainda ofereceu asilo para Zelaya. Nesse caso vira pó também a falácia governista de postura antigolpe do governo petista em Honduras já que sem povo na rua e com o presidente golpeado no asilo, quem iria poder derrotar o golpe? As negociatas de gabinete é que não iriam!

Como se tudo isso não bastasse o governo brasileiro não tardou a aceitar e negociar com o governo golpista:

"Em fevereiro, Brasil já aceitava Pepe Lobo

O tom do governo brasileiro foi abrandando nos meses seguintes.

Um telegrama de fevereiro de 2010 descreve uma reunião no dia 8 em que Marco Aurélio Garcia teria pedido ao embaixador americano “certa reabilitação” de Zelaya, “um pouco mais do que uma anistia”.

Garcia, segundo o telegrama, disse que Zelaya era conservador na essência mas agira como catalizador do movimento poipular, e portanto o ressentimento causado pelo golpe ainda poderia desestabilizar Honduras a longo prazo.

Garcia contou ainda que, emblora não tivesse reconhecido como legítimo o governo de Porfírio Lobo, o Brasil já mantinha comunicação com ele, através de troca de comunicados diplomáticos." [idem 5]


Paraguai

Como informado no início do texto o golpe no Paraguai foi o terceiro na América Latina durante os mandatos petistas. Cabe salientar, porém, que se deu na administração da Presidente Dilma, enquanto os outros ocorreram na era Lula.

A diferença entre o ocupante do Palácio do Planalto não alterou a forma de atuação diante de mais um golpe da direita: o governo brasileiro não rompeu com o governo golpista, deu declarações tímidas sobre o golpe e se limitou a defender "sanções políticas". 

Em uma dessas sanções o Paraguai foi suspenso do Mercosul e aproveitou-se para colocar a Venezuela no bloco, algo que não é progressista nem do lado brasileiro, nem do venezuelano - que era o debate principal que deveria ter sido feito, o que não ocorreu por mais uma polarização insana do governismo com os demotucanos e a direita atabalhoada que acabou desviando o foco.

Aproveitando o ensejo cabe lembrar aos demotucanos e aos direitistas aloprados que Fernando Henrique defendeu a entrada da Venezuela no Mercosul quando Hugo Chávez já era Presidente. [idem 1] Aos que consideram Chávez um ditador e que por isso deve ser evitado acordos e negócios com o seu país, cabe lembrar do apoio de Fernando Henrique a Fujimori e como a Revista Veja justificava esse tipo de relação:

"A visita ao Brasil de Alberto Fujimori, o presidente do Peru, propiciou o tipo de nhenhenhém em que todo mundo mete a colher e não se chega a lugar algum.
(...)
O presidente da República pode convidar para uma visita oficial um chefe de Estado estrangeiro com a ficha suja como Fujimori? Pode e deve se isso for bom para o Brasil. A política externa é feita para atender aos interesses nacionais permanentes, acima dos eventuais inquilinos do poder, embora não, evidentemente, à deriva dos imperativos éticos. Se, (...), o ultradireitista Pat Buchanan for eleito presidente dos Estados Unidos, alguém imagina que Fernando Henrique Cardoso faça birra e se recuse a tratar de negócios com um sujeito reacionário como ele?
Da mesma maneira, um país supostamente pouco relevante como o Paraguai, seja ele presidido por Gengis Khan ressuscitado ou Madre Teresa de Calcutá, sempre exige atenções especiais de qualquer governo do Brasil." (Veja, 06/03/1996) [idem 1]

Tendo ficado evidente a incoerência e a hipocrisia da direita resta fazer alguns curtos e rápidos comentários sobre a entrada da Venezuela no Mercosul.

Primeiro: ela não é progressista do lado brasileiro pois nosso país tem se caracterizado por buscar expandir o capital nacional para países vizinhos se utilizando para isso do BNDES, dos "perdões" de dívidas e outros acordos. Essa política subimperialista não visa uma real e sincera integração dos povos mas melhores e rentáveis negócios para os empresários brasileiros. [idem 1]

Segundo: ela não é progressista do lado venezuelano pois integra o país em um bloco puramente capitalista, praticamente inviabilizando a formação de um novo modelo societário, como sonham alguns. Ela reduz até mesmo as possibilidades de aplicação de um capitalismo nacional, que era a proposta inicial do Governo Chávez, erroneamente chamado de socialista por alguns.


Colaboração e cumplicidade

Os textos sobre os documentos do Wikileaks utilizados aqui foram extraídos da Carta Capital, que é um veículo simpático ao governo petista. Embora suas matérias não digam diretamente, e é provável que nem tenham essa caracterização, fica claro que a atuação dos governos petistas diante dos golpes da direita na América Latina tem oscilado entre a colaboração direta (Haiti) e a cumplicidade dissimulada (Honduras e Paraguai).

Essa postura no plano externo, que não tem nada de progressista no sentido de ser uma política de esquerda, foi repetida no plano interno com a criação da inofensiva "Comissão da Verdade".

E ao criar uma comissão que não punirá os torturadores o governo petista se torna cúmplice do golpe e dos crimes da direita brasileira também. As bravatas da direita aloprada e de setores militares, que sequer essa comissão aceitam, não mudam esse fato e não podem servir de desculpa para uma relativização que cria uma imagem irreal do papel nefasto cumprido pelas gestões petistas diante desse tipo de episódio.


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[1] A política externa de Lula foi progressista? (02/11/2010):
http://blogdomonjn.blogspot.com.br/2010/11/politica-externa-de-lula-foi.html

[2] Wikileaks: Brasil no Haiti e o mito da política externa progressista (02/04/2011):
http://blogdomonjn.blogspot.com.br/2011/04/wikileaks-brasil-no-haiti-e-o-mito-da.html

[3] Como o Brasil foi parar no Haiti? (15/01/2010):
http://blogdomonjn.blogspot.com.br/2010/01/como-o-brasil-foi-parar-no-haiti.html

[4] Honduras: esclarecimentos (22/09/2009):
http://blogdomonjn.blogspot.com.br/2009/09/honduras-esclarecimentos.html

[5] Wikileaks revela papel do Brasil em Honduras (18/12/2010):
http://blogdomonjn.blogspot.com.br/2010/12/wikileaks-revela-papel-do-brasil-em.html
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