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Após “austeridade”,
1/3 dos jovens emigrou, PIB caiu 23%, serviços públicos estão
destruídos. Diretora-gerente do FMI elogia: “vocês ensinaram
caminho”
Por Andy Robinson |
Tradução: Daniela Frabasile
Diante de uma foto
gigante das torres medievais e pontes de aço soviético de Riga,
Christiane Lagarde dirigia-se a uma sala cheia de executivos e
funcionários de roupa cinza. O slogan Letonia: agaisnt all odds
(Letônia: contra todos os prognósticos), usado para anunciar a
conferência, lembrava um dos filmes de Rambo. E, de fato, a
diretoria do Fundo Monetário Internacional (FMI) estava na Letônia
para alardear que havia cumprido sua missão, três anos depois de
assinar um acordo para resgate da economia nacional. “Quem teria
imaginado em 2009 que estaríamos aqui celebrando essa conquista,
depois de um percurso tão difícil? É um tour de force; ensinaram o
caminho para a zona do euro…”.
Por que tantos elogios a
um pequeno país pós-soviético de dois milhões de habitantes no
mar Báltico, cujo principal produto de exportação é madeira
extraída das florestas que existem da capital até a fronteira com a
Rússia? Porque “somos a experiência em laboratório da
desvalorização interna”, ironizou Serguéo Acupov, ex-assessor do
Governo que, depois de conseguir realizar a transição-relâmpago
para a economia de mercado, em 1990, parece hoje muito menos
convencido pela ideologia do choque rápido e agudo. “Querem um
exemplo para Grécia, Portugal.. Espanha”. Por “desvalorização
interna”, Acupov refere-se à política de ajustes através de
cortes salariais e nos gastos públicos. Ainda que a Letônia não
seja membro da zona do euro, recusou-se a desvalorizar sua moeda, o
Lat, e se tornou a cobaia da terapia de choque — mais ou menos como
o Chile, nos anos que antecederam a chamada revolução neoliberal no
Reino Unido e nos Estados Unidos. “Escrevemos um novo capítulo nos
livros”, disse um dos participantes da conferência do FMI.
Depois do estouro de sua
própria bolha imobiliária e uma crise financeira da dívida, a
Letônia firmou, em dezembro de 2008, um acordo de resgate com a
União Europeia e o FMI. Em troca de receber créditos de 7,5 bilhões
de euros, o governo lançou o maior de todos os ajustes
orçamentários, equivalente a 17% do valor de sua economia em apenas
dois anos. A Letônia submeteu-se à pior recessão econômica
registrada na Europa, igualando-se à Grande Depressão
estadunidense. O PIB caiu 23% em dois anos. Os salários despencaram
entre 25 e 30%. Enquanto o desemprego aumentava de 5% para 20%, o
salário-desemprego foi reduzido a 40 latis (57 euros) por mês. A
pobreza alcançou quatro em cada dez famílias, mas a alíquota única
do imposto sobre a renda foi eleva (para 25%), passando a incidir até
sobre os rendimentos mensais de 60 euros.
Nem mesmo a Grécia
aniquilou um quarto de sua economia, como fizeram os letões. Mas
agora a desvalorização interna dá seus frutos, segundo argumentam
Lagarde e outros que desenharam o ajuste. A Letônia cresce 6% este
ano, mais que qualquer outra economia europeia, e eliminou suas
dívidas anteriores. Agora, seria um modelo europeu a ser seguido.
“Fizemos o que tínhamos que fazer”, disse Ilmars Rimsevics, o
severo governador do Banco da Letônia, “eu diria que matamos o
touro a unha, mas meus assessores me aconselharam a falar em podar a
árvore”, acrescentou com um senso de humor muito letão.
A uns doze quilômetros
do centro de Riga, Diana Vasilane entende o que sente alguém ao ser
podado, “minha filha mudou-se para Roma há três meses, quando sua
empresa, Statoil (da Noruega), cortou seu salário de 600 para 400
lats por mês; meu filho foi para a Suécia; o filho do vizinho para
a Austrália; estamos aqui rezando para não vivermos muito porque
ninguém irá cuidar de nós”, disse. A revoada de jovens para
outros países já havia começado depois da queda do comunismo. Mas
desde o início do chamado “resgate” de 2009, este movimento
tornou-se uma hemorragia. 10% da população (230 mil, de um total de
2.2 milhões de habitantes) saíram do país. Um em cada três letões
com menos de 30 anos se foi, a maioria para nunca voltar.
Até as cidades
britânicas mais pobres são destino para letões em busca de
trabalho. O voo da Ryanair de Liverpool para Riga ia cheio de jovens
leetões que visitavam suas famílias, e todos os voos de volta
estavam cheios, na semana passada. Isso soma-se aos graves problemas
demográficos na Letôna, devido a uma taxa de fecundidade baixa e
uma expectativa de vida reduzida (um problema agravado por um sistema
de saúde em crise orçamentária). “A população envelhece
rapidamente”, disse o demógrafo Mihail Hazans. Isso “já ameaça
o desenvolvimento econômico e a segurança social”.
Os filhos não foram a
única parte da vida de Vasilane que foi podada. Há um ano e meio,
ela era diretora da ONG Risk Berni (Risckchild.org), que prestava
apoio a crianças de famílias marginalizadas (quase todas) do bairro
Moscow Worstadt, de etnia russa e em ruínas, no centro de Riga.
Moscow Worstadt era antes um distrito industrial da economia
soviética. Agora é um foco de prostituição, drogas e atividades
ilícitas.
No centro infantil Riska
Berni, davam comida a 20 ou 30 crianças por dia e distribuíam
roupas. Organizavam atividades – remo no rio, patinação, partidas
de futebol – para adolescentes. O estado letão ajudava com 2000
lat (2400 euros) por mês. O hotel Radisson fornecia as sobras de sua
cozinha, talvez dos jantares das próprias equipes da União Europeia
e FMI que chegavam a Riga, de vez em quando. Mas o mega ajuste também
chegou a Riska Berni. O governo podou o subsídio pela metade e Riska
Berni fechou no ano passado. “Com tanta emigração, as mães de
muitas crianças foram a outros países e muitas das crianças agora
vivem com seus irmãos maiores ou seus avós”, disse. Durante uma
parada em Moscow Worstadt, um jovem de cabeça raspada entrou em um
bar onde homens com cara de poucos amigos tomavam cerveja em
silêncio. “Acabei de brigar com um; ele bateu em mim primeiro”,
disse. Nas ruas, jovens prostitutas – talvez de 17 ou 18 anos –
esperavam.
Exceto Moscow Worstadt,
a crise chama atenção por sua ausência no centro de Riga, visitado
por bandos de turistas nórdicos que interrompem seu tour pelas
igrejas para tomar sopa de beterraba nas varandas onde um grupo toca
Knocking on heaven’s door. Mas no subúrbio, onde vive Diana, as
portas não são do paraíso, mas sim de centenas de habitações
precárias, onde muitas vezes moram famílias que foram despejadas
depois do estouro da bolha imobiliária. “Muitas das casas boas
pertencem aos bancos, e seus ex-habitantes acabam aqui”, acrescenta
Vasilane enquanto um ônibus sobe uma rua sem asfalto. Entramos em
uma urbanização de barracos de madeira que se estende até o rio,
muitas delas com lotes cultivados que os novos pobres da Letônia
combinam com a pesca para sobreviver. Não tem eletricidade, apesar
de temperaturas de — 20º C no inverno. “Nos tempos soviéticos,
as pessoas tinham pequenos pomares aqui para os finais de semana com
um barracão para guardar as ferramentas” – disse o condutor.
Agora as pessoas vivem nos barracões.
Konstance Bondare, de 80
anos, é uma das moradoras do bairro de habitações precárias. Vive
em uma cabana de madeira em ruínas, sem luz e sem água, talvez um
desses barracões que em tempos soviéticos eram usados para
armazenar ferramentas. Konstance diz que veio morar aqui há um ano e
meio, depois de ser despejado por um banco que tomou posse de seu
apartamento em Riga. Havia avalizado a hipoteca do apartamento que
sua filha comprara alguns anos antes; quando esta perdeu o emprego,
o banco apreendeu os dois apartamentos. Assim como um em cada três
jovens letões que emigraram desde o início do ajuste, a filha
também se mudou. Konstance veio viver aqui com seu cachorro. Ele
recebe uma pensão de aproximadamente 180 euros por mês. Vai todos
os dias ao rio, buscar água — e diz que bebe. Para a descrença
daqueles que a entrevistaram, afirma que paga o aluguel deste barraco
de cerca de 12 metros quadrados, mas não diz a quem. “O banco me
jogou na rua e me sugeriram envenenar meu cachorro; prefiro envenenar
a mim mesma” disse, “olhem como nós letões vivemos em nosso
próprio país!”.
Há centenas de
habitações como esta neste subúrbio rural de Riga, aberto pelas
vítimas do ajuste. Curiosamente, muitas das ruelas entre as
habitações têm cadeados anti-roubo. “Temos poucos bens, mas há
muitos roubos e temos medo”, disse. Uma senhora da idade de
Konstance foi assassinada com um machado há algumas semanas perto
daqui. Roubaram sua pensão de mais ou menos 100 euros.
Extraído de:
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