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Em uma sessão convocada em regime de urgência e que adentrou a madrugada de terça para quarta-feira (28 e 29 de junho), o Governo Tarso viu seu projeto de ataques à previdência pública e de calote nos precatórios ser aprovado pela Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul.
O "Plano de Sustentabilidade Financeira", nome pomposo e dramático do pacote do governo, aumentou para 14% a alíquota de desconto previdenciário para os servidores, criou a previdência complementar - privatizando parte da previdência pública - e fixou o teto de apenas 1,5% da receita para pagamento das "requisições de pequeno valor", as RPVs, legalizando o calote de grande parte dos precatórios. Ainda ficou para ser apreciada uma taxa de inspeção veicular que tributará o conjunto da população gaúcha.
A sessão foi tumultuada, durou aproximadamente 16 horas, e deputados petistas, como Raul Pont, foram chamados de "traidores" pelos servidores que assistiam nas galerias.
O governador Tarso Genro celebrou a vitória comparando a situação do Estado do Rio Grande do Sul com a Grécia, uma analogia tão infeliz e descabida quanto seu o pacote, chamado acertadamente de "PacoTarso" pelos servidores:
"O Rio Grande do Sul afastou, com essa decisão, que se instale uma crise grega, para fazer uma metáfora desejável. Na situação em que estava, o Estado chegaria num momento que seria impossível pagar a Previdência" [1]
A metáfora do governador não é nada desejável pois engrossa o discurso dominante de que a Grécia chegou na situação atual por "gastar" demais com a sua população que teria tantos direitos e benefícios que constituiria uma destestável nação de "privilegiados". Primeiro que tal assertiva não condiz com a realidade e segundo que o resgate dos banqueiros em crise promovido e que colaborou significativamente para a explosão da dívida grega simplesmente é omitida.
A metáfora do governador também é descabida porque se o seu governo corta dos servidores para evitar "uma crise grega", por outro lado ele aumentou generosamente as benesses dos apadrinhados políticos tendo aprovado ainda em janeiro o aumento do número de cargos de confiança e um reajuste de até 250% para os mesmos. [2]
O grande capital também tem recebido benesses do atual governador. Braskem e Hyundai receberam isenções fiscais para se instalar no Estado. A política de isenções ao grande capital, que foi praticada por Yeda Crusius (PSDB), Germano Rigotto (PMDB) e Antônio Britto (PMDB) diminui significativamente a arrecadação. Projeções indicam que em 2011 deixarão de entrar aproximadamente R$ 11 bilhões nos cofres do Estado devido a essa política de privilégios às classes dominantes. Política esta que não evita a saída das empresas beneficiadas como atesta recentemente o caso Azaléia. [3]
Endividamento em benefício do capital
Além das isenções fiscais o Governo Tarso está disposto a endividar ainda mais o Estado do Rio Grande do Sul para beneficiar o capital. Aqui a metáfora grega é complementamente desejável. Mas daí o governador se faz de rogado.
Em março a Assembléia Legislativa aprovou alguns projetos do governo. Entre eles estavam os PLs 67 e 68/2011 que autorizam o governo estadual a contrair empréstimos com o BNDES e o BIRD. Os recursos devem ser utilizados no "Programa de Apoio à Retomada do Desenvolvimento Econômico e Social do RS" (Proredes-RS). [4]
O Proredes é um programa de "desenvolvimento" proposto pelo governo gaúcho. Tem como objetivo, conforme consta no programa de governo do então candidato Tarso Genro, fazer "o Rio Grande crescer no ritmo do Brasil". [5]
Não cabe aqui fazer uma análise profunda da economia brasileira. Mas é importante assinalar que "desenvolvimento" e "crescimento" são coisas distintas, que o atual modelo de "desenvolvimento" do Brasil se caracteriza por aprofundar a produção e exportação de matérias-primas (o que inviabiliza um desenvolvimento mesmo nos marcos do capitalismo), o aumento da desnacionalização da economia e o aporte de vultuosos recursos do Estado brasileiro, via BNDES, para o grande capital nacional e estrangeiro lucrar.
A explanação acima é pertinente uma vez que a gestão federal é a fonte de inspiração do governador Tarso Genro, como ele não se cansa de afirmar. E o Proredes, por sua vez, expressa isso de forma cristalina. O programa começa pregando a colaboração de classes afirmando haver "lugar e papel para as grandes, pequenas e médias empresas, para os trabalhadores e trabalhadoras, para os produtores rurais e agricultura familiar, para as cooperativas e a economia popular solidária." [idem 5] O Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Estadual (CDES-RS) colaboraria para a efetivação "deste trabalho". [idem 5]
Não precisa divagar muito para perceber o que está em andamento, basta olhar para a experiência federal. Pelas medidas que saíram do CDES nacional sabe-se perfeitamente qual o setor social que tem "lugar" e "papel". Foi desse espaço de colaboração de classes e de legitimação da política das classes dominantes que saiu o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), cujas privatizações são regadas a muito dinheiro do BNDES, onde os financiamentos subsidiados aumentam o endividamento público. E o PAC será uma das "fontes de financiamento" do plano de "desenvolvimento" do Governo Tarso:
"Inicialmente, os recursos previstos para o Programa serão advindos do Governo Federal, disponibilizados aos Estados a partir dos órgãos de financiamentos federais e dos seus diversos programas, como por exemplo o PAC I e II; dos recursos próprios do Estado para investimento; das fontes de financiamentos internacionais (BID, BIRD, Banco Mundial, Fonplata e outros); dos agentes locais de fomento, como o Banrisul, Caixa Estadual e BRDE; e da parceria com a iniciativa privada." [idem 5]
Com estas "fontes de financiamento" o governo gaúcho pretende um "desenvolvimento acelerado de setores produtivos, científicos e tecnológicos", de "regiões e microrregiões" e "da infraestrutura e logística" a partir "de uma atuação forte e consistente do Estado". [idem 5]
O PAC do governo federal também foi apresentado e celebrado como um programa estatista. Mas na prática tem se visto a entrega de vias, recursos naturais e muito dinheiro público para o grande capital - nacional e estrangeiro - investir e lucrar. Esse é o modelo de "desenvolvimento" que Tarso Genro quer praticar aqui no Rio Grande do Sul. E para isso vai aprofundar o endividamento do Estado, recorrendo até a instituições financeiras internacionais, o que será pago pelo conjunto da população gaúcha, seja através de recursos, seja através da perda de direitos e serviços públicos. A sequência dessa História já é mais do que conhecida: após se empanturrar com os financiamentos públicos que aumentam o endividamento do Estado as classes dominantes serão as primeiras a berrar contra o Estado "perdulário" e exigir mais um pacote para evitar "uma crise grega".
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[1] Aprovação de pacote "bloqueou a crise" e livrou o RS de ser uma nova Grécia, garante Tarso Genro (29/06/2011):
http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default.jsp?uf=1&local=1§ion=Pol%EDtica&newsID=a3370310.htm
[2] Novo Governo, velhas medidas! (11/01/2011):
http://blogdomonjn.blogspot.com/2011/01/novo-governo-velhas-medidas.html
[3] Azaleia fecha fábrica em Parobé e demite 800 funcionários (09/05/2011):
http://www.clicrbs.com.br/especial/rs/zhdinheiro/19,0,3303904,Azaleia-fecha-fabrica-em-Parobe-e-demite-800-funcionarios.html
[4] Assembleia aprova todos os projetos do pacote de Tarso e garante a criação de 325 cargos (22/03/2011):
http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default.jsp?uf=1&local=1§ion=Pol%EDtica&newsID=a3249554.xml
[5] ProRedes RS
http://www.tarso13.com.br/programa-do-governo/proredes-rs/
Ler ainda:
Após 16 horas de sessão, deputados aprovam projetos do pacote de sustentabilidade do governo (29/06/2011):
http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default.jsp?uf=1&local=1§ion=Pol%EDtica&newsID=a3370283.htm
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