segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

A crise e as categorias marxistas

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A atual crise financeira do capitalismo em curso gerou uma corrida de revisitação à obra de Marx. As vendas de "O Capital", um dos seus principais trabalhos, tiveram um boom na Alemanha, sua terra natal. [1] Os jovens, vitimizados pela falta de perspectiva no atual sistema, têm sido os principais leitores. [2]

A crise financeira recolocou em evidência categorias do marxismo que foram por algum tempo relativizadas e até mesmo negadas por outras correntes de pensamento. Categorias como o caráter de classe do Estado, a luta de classes e até mesmo a existência das classes sociais no interior da sociedade capitalista, outrora negadas, agora aparecem de forma escancarada.

O caráter de classe do Estado

Uma das grandes contribuições dos pais do marxismo foi demonstrar que o Estado não era um ente neutro, que ele existia não só como o produto do antagonismo entre as classes na sociedade mas como instrumento de dominação de uma classe sobre outra. O seu aparato burocrático serve para dar legitimação jurídica e ideológica à formação social criada e hegemonizada por uma determinada classe da sociedade.

Na sociedade capitalista não foi diferente. A ascedente burguesia necessitou adentrar no aparato burocrático do Estado para criar suas instituições e dar legalidade e legitimidade à sociedade que estava construindo. Que o diga a "revolução" Gloriosa de 1688 na Inglaterra.

A relativização e a posterior negação do caráter de classe do Estado se deu devido à inserção política das classes subalternas e algumas leis sociais que vieram a beneficiar as mesmas. Aqui é preciso fazer algumas considerações.

Em primeiro lugar a inserção política das classes subalternas se deu devido à luta das mesmas, ou seja, à luta de classes, e se deu de forma controlada exatamente para evitar que o Estado perdesse o seu caráter de classe capitalista. Já abordei como se deu esse processo no artigo "O desgaste da democracia representativa moderna". [3]

Em segundo, e pegando gancho no tópico anterior, as leis sociais despejadas em benefício das classes subalternas vieram na tática de "entregar alguns anéis para não perder os dedos", ou seja, pelo medo da luta de classes resultar na tomada revolucionária do poder.

Para cumprir essa dupla tarefa foi chamada a socialdemocracia na Europa, o setor oportunista da classe trabalhadora, que deu a falsa impressão de que os trabalhadores de fato geriam um Estado que teria se "aberto" à todas as classes da sociedade. Em verdade essa situação era funcional exatamente às classes dominantes capitalistas na sua luta contra o anticapitalismo, o que mantinha as classes subalternas de seus países calmas e com a falsa aparência de liberdade e influência nos rumos políticos.

Nesse mesmo período a realidade na América Latina era distinta da da Europa. Por não estar no centro da disputa política e ideológica da época esta região não necessitava de um pacto social entre as classes, além de integrar uma localidade de onde se extraia mais-valia para os capitalistas estrangeiros que tinham seus lucros limitados em casa pelo Estado de bem-estar social.

Por isso, nesta parte do globo, ao mínimo aceno de um governo de despejar parcos benefícios às classes subalternas, as classes dominantes respondiam de forma dura, rompendo a própria legalidade e destituindo pelo golpe os governantes indesejados. Assim o caráter de classe do Estado era mais palpável.

A máscara, que enganou alguns bobos, começou a cair com a reestruturação produtiva e a crise de 1973. Aqui o Estado capitalista começou a devolver alguns anéis para as classes dominantes capitalistas com a redução de benefícios sociais e a privatização de serviços públicos essenciais, inclusive em países europeus como Suécia, Dinamarca e Noruega.

Com a crise financeira de 2008 a máscara caiu e se despedaçou. O Estado capitalista não vacilou em partir para o corte profundo de recursos das classes subalternas e o consequente salvamento dos banqueiros e grandes capitalistas falidos. Uma classe foi escolhida para ser salva e outra para ser sacrificada. A roda da História seguiu girando e mostrou o acerto da seguinte máxima de Marx:
"O governo do Estado moderno não é se não um comitê para gerir os negócios comuns de toda a classe burguesa". [4]

As classes sociais e as suas lutas

Por mais incrível que possa parecer, e de fato é, houve quem chegou a negar a existência de classes sociais no interior da sociedade capitalista. Por durante muito tempo houveram, e ainda é possível encontrar de vez em quando, acalorados debates acadêmicos sobre as classes sociais.
Os pós-modernos às vezes reduzem as lutas sociais à lutas de sujeitos como de mulheres, negros e homossexuais. É verdade que nem toda a luta social é de classe, mas daí negar a sua existência é de um absurdo que beira a insanidade.

Reconhecer que há luta de classes na sociedade não significa dizer que elas ocorram o tempo todo e que a instabilidade social seja a regra. Elas podem ser taticamente congeladas por algum tempo como demonstrado no tópico anterior. Ou podem pipocar em alguns setores. As lutas de classes ocorrem devido ao fato de os interesses entre as classes serem antagônicos, conflitantes e irreconciliáveis. Um exemplo muito simples foi descrito pelo próprio Adam Smith:
"Quais são os salários comuns ou normais do trabalho? Isso depende do contrato normalmente feito entre as duas partes, cujos interesses, aliás, de forma alguma são os mesmos. Os trabalhadores desejam ganhar o máximo possível, os patrões pagar o mínimo possível. Os primeiros procuram associar-se entre si para levantar os salários do trabalho, os patrões fazem o mesmo para baixá-los". [5]

É nos momentos em que a mediação está esgotada que as lutas de classes ficam mais evidentes e estremecem a base da sociedade, colocando as classes frente a frente em uma queda de braços que resultará na vitória de uma sobre a outra e que dependendo do vencedor pode transformar radicalmente a formação social.

É exatamente o que está acontecendo na atual crise financeira. A classe capitalista falida, através do seu Estado, defende os seus interesses drenando recursos das classes subalternas para o seu salvamento mostrando que os seus interesses entram em choque frontal com os das classes subalternas, que por sua vez têm buscado defender com bravura seus interesses nas ruas.

Ainda não é possível saber quem sairá vitorioso dessa queda de braços. Mas é possível afirmar com toda a certeza que as categorias aqui abordadas e criadas por Marx estavam corretas.


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[1] Crise reaquece interesse por obra de Karl Marx (30/01/2010):
http://www.dw-world.de/dw/article/0,,5195662,00.html

[2] Em meio à crise, "O capital" de Marx vende bem (24/10/2008):
http://www.dw-world.de/dw/article/0,,3737827,00.html

[3] O desgaste da democracia representativa moderna (09/09/2010):
http://blogdomonjn.blogspot.com/2010/09/o-desgaste-da-democracia-representativa.html

[4] O Manifesto Comunista (Marx e Engels):
http://www.culturabrasil.pro.br/manifestocomunista.htm

[5] A Riqueza das Nações, Vol. 1, CAP. VIII - Os Salários do Trabalho (Adam Smith)
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