Duas postagens de Facebook de dois integrantes da Unidade Socialista
(US), corrente majoritária que dirige o PSOL, são bastante
elucidativas para a compreensão do que está acontecendo no partido
neste momento. A primeira é de José Luis Fevereiro, em resposta à
crítica econômica da Plataforma Vamos realizada pelo pré-candidato
Plínio de Arruda Sampaio Jr. A segunda é do presidente nacional,
Juliano Medeiros, sobre a resistência de setores do partido à
candidatura de Guilherme Boulos, líder do Movimento dos
Trabalhadores Sem Teto (MTST).
A publicação de Fevereiro, embora tenha falhado no objetivo de
rebater as posições de Plínio (em realidade as confirmaram), tem o
mérito da honestidade. Sua intervenção econômica aborda a dívida
pública e o crescimento econômico. Ele assume de forma clara, e sem
rodeios, o que outros tentam ocultar e dissimular: o caráter burguês
e extremamente recuado da Plataforma Vamos.
Ele começa abordando a dívida pública, cita os casos de elevado
endividamento de países como Estados Unidos e Japão e faz a
analogia com o Brasil para concluir que o “problema da Dívida
Publica não é de estoque mas de fluxo, determinado pela taxa de
juros abusiva e esse é o principal enfrentamento a ser feito”.
[1]
Se já estão dadas as condições para a redução dos juros ou se
isso demandará algumas medidas (e quais seriam elas) não é
mencionado mas Fevereiro informa o principal: o desejo de ter como
eixo a linha keynesiana de seguir rolando a dívida (e aumentando o
seu estoque) e tentar administrá-la com a doce ilusão de que o
efeito disso em um país atrasado e com a soberania surrupiada pelo
grande capital seja o mesmo que nos países imperialistas – efeito
na verdade exagerado uma vez que a aprovação do orçamento
governamental nos Estados Unidos tenha sido polêmica nos últimos
anos, exatamente devido à dívida.
Com essa linha, até mesmo a auditoria, bandeira histórica do PSOL,
é abandonada, com direito a sobrar até para a Dona Maria:
“Por isso o apego a uma lógica de Auditoria da Dívida, com
foco em caçar eventuais “ilegalidades” ocorridas em décadas
passadas, como se fosse possível estabelecer correspondências entre
dividas contraídas 20 ou 30 anos atrás e títulos emitidos
recentemente e que trocam de mãos diariamente. Seria mais ou menos
como a D.Maria ter suas aplicações em fundos de investimento
lastreados em títulos da dívida publica , resultado da venda do
apartamento herdado do falecido, desvalorizadas porque se descobriu
que em 1983 ocorreu uma fraude na licitação das obras de Tucuruí,
por exemplo. A menos que Plinio tenha algumas divisões blindadas em
condições de cercar Brasília e fechar o STF, não me parece que a
proposta, para além de desnecessária, seja viável.” [idem]
É importante que se diga que Fevereiro não está sozinho e que
outros integrantes do PSOL também abandonaram a auditoria. Esse
grupo no interior do partido tem chegado ao ponto de chamar de
“criminalização da dívida” as críticas feitas a ela. Teriam
coragem de estender essa caracterização para a abordagem dos pais
do socialismo científico?
Confirmando a crítica de Plínio à proposta de crescimento
econômico, Fevereiro afirma:
“(…) Sem recuperar o crescimento econômico e retomar o
emprego, não se consolida uma nova correlação de forças entre
trabalho e capital no conflito distributivo. Sem retomar o
crescimento econômico, não se acumula força para avançar em
reformas estruturais capazes de impor derrotas efetivas á economia
politica do capital.” [ibidem]
Novamente ficamos sem saber que medidas serão tomadas para promover
esse crescimento mas nos é avisado que ele deverá preceder as
reformas estruturais. Uma informação importantíssima e que mostra
o tamanho do recuo e do respeito ao regime. Mas o que se poderia
esperar de uma plataforma elaborada com dirigentes petistas como
Tarso Genro, cujo governo no Rio Grande do Sul alegava não ter
dinheiro para pagar o piso do magistério enquanto superava o governo
tucano de Yeda Crusius na concessão de isenções fiscais e nos
financiamentos a fundo perdido para as multinacionais, feito do qual
gabou-se em revista publicada pelo seu próprio governo? [2]
Juliano Medeiros, em sua postagem que comenta a repercussão na
grande mídia da resistência de setores do PSOL à candidatura do
líder do MTST, assinala que:
“(…) Para este setor, que curiosamente tem encontrado bastante
espaço na grande imprensa, o PSOL nasceu com um único objetivo: ser
uma antítese do PT. Não importe se o PT não governa mais o Brasil.
Não importa se há importantes setores no interior do PT que têm
expressado seu descontentamento com as tentativas de reeditar
alianças regionais com os partidos golpistas. Não importa se
ganhamos mais olhando pra frente do que para trás. Para essa minoria
o papel do PSOL se justifica pela "traição" do PT. Vejo
de outra forma. Para mim e todos aqueles que têm apostado no diálogo
com o MTST, a Frente Povo Sem Medo, uma parte da intelectualidade
crítica, artistas progressistas, enfim, aqueles que apoiam a
hipótese de uma candidatura de Guilherme Boulos, o sentido do PSOL é
incentivar uma alternativa de futuro para a esquerda e para o Brasil.
Ocupamos um lugar singular na política brasileira: somos o único
partido de esquerda com representação institucional que não fez
parte do campo político liderado pelo PT nos governos Lula e Dilma.
O que por muito tempo parecia uma insanidade, hoje mostra-se uma
virtude: podemos apontar, com autoridade, os limites daquela
experiência e propor uma saída independente dos trabalhadores,
trabalhadoras e excluídos. A hora é de radicalidade. Não de
esquerdismo senil, esse que sempre cheira um pouco a ressentimento.”
[3]
No Brasil qualquer força de esquerda que quiser ser consequente terá
que ser a antítese do PT, esteja ele ou não no governo, pois
precisará superar o seu programa, sua tática e sua estratégia no
dia a dia de sua militância. Nesse sentido é fundamental olhar para
trás para poder seguir em frente. Não há nada de ressentimento
nisso. Negligenciar a traição do PT (sem aspas porque ela foi real)
e olhar pra a frente e seus possíveis ganhos (eleitorais? aparato?)
tem significado elaborar programas políticos e alianças eleitorais
com o PT – e até mesmo com os partidos do “golpe” como fez a
US de Medeiros nas eleições de 2016 em várias cidades do país.
Mas nota-se que para falar de Boulos o presidente nacional do PSOL
teve que referir-se ao PT o que é emblematicamente revelador pois
termina por confessar de forma dissimulada o caráter lulopetista do
líder do MTST. Não foi atoa que, diferente de outras candidaturas
do partido em anos anteriores, a de Boulos foi saudada por Lula,
Lindberg Farias, Tarso Genro, entre outros petistas. E junto com a
candidatura vem a Plataforma Vamos que foi aprovada como programa
base pelo Congresso do PSOL – instância cuja construção foi
marcada por manobras burocráticas e fraudulentas que garantiram a
maioria para a US, métodos que lembram as práticas obscuras
utilizadas pelo grupo de José Dirceu e Lula para controlar e dirigir
o PT.
Uma candidatura com o aval e a confiança de Lula com um programa
requentado do PT dos anos 2000 é que é senil, não tem nada de
independência política, está longe de qualquer radicalidade e de
postular a esquerda como alternativa além de ser a negação da
razão do PSOL existir, já que ele nasceu da traição (sem aspas)
do PT. Enfim, é a liquidação do partido! Por isso Medeiros não
pode olhar para trás.
E a seguir nesse rumo, o que vemos olhando pra frente? Um dos grandes
receios dos militantes do PSOL nos primeiros anos de sua fundação
era de que o partido se tornasse “um novo PT”. A política da
atual direção majoritária do partido, liderada pela corrente
Unidade Socialista (US), está tratando de acabar com tal perspectiva
mas não porque é consequente com um programa de esquerda e de
independência de classe mas porque rebaixou o PSOL ao papel de linha
auxiliar do PT. Um servilismo oportunista que chegou ao ponto de
defender o lançamento de uma candidatura laranja do lulopetismo com
o seu programa (e por isso a modalidade de filiação só poderia ser
sem compromisso com o partido), sem prévias internas (parece que o
discurso de defesa da democracia só serve para defender Lula, Dilma
e o PT) e considerando os outros pré-candidatos “qualquer um”.
Em suma, com Guilherme se dá um verdadeiro Boulos nas bases
fundacionais do PSOL!
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[1] PLÍNIO JR E OS DIAGNÓSTICOS ERRADOS. José Luis Fevereiro.
Facebook, 04/02/2018.
[2] O mais entreguista! 26/01/2014.
[3] SOBRE AS "RESISTÊNCIAS" A BOULOS NO PSOL. Juliano
Medeiros. Facebook, 14/02/2018.
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