quarta-feira, 5 de julho de 2017

Um acordão para “salvar todo mundo” menos os direitos do povo!

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“(...) O Michel forma um governo de união nacional, faz um grande acordo, protege o Lula, protege todo mundo. Esse país volta à calma, ninguém aguenta mais. (...)”
- Sérgio Machado com Romero Jucá [1]

“(...) o Michel assumiria e garantiria ela [Dilma] e o Lula, fazia um grande acordo.”
- Sérgio Machado com Renan Calheiros [2]

“(...) Porque a saída que tem, presidente [Sarney], é essa que o senhor falou é isso, só tem essa, parlamentarismo. Assegurando a ela [Dilma] e o Lula que não vão ser... Ninguém vai fazer caça a nada. Fazer um grande acordo com o Supremo, etc, e fazer, a bala de Caxias, para o país não explodir. E todo mundo fazer acordo porque está todo mundo se fodendo, não sobra ninguém. (…)
- Sérgio Machado com José Sarney [3]



No dia 9 de junho, por 4 votos a 3, os ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) abolveram a chapa Dilma-Temer garantindo assim os direitos políticos da primeira e o cargo do segundo [4]. Para isso os ministros escolhidos a dedo pelos políticos implicados rejeitaram uma série de provas que incriminavam a referida chapa [5]. Assim, o órgão máximo da justiça eleitoral do país, que veicula propagandas incentivando o “voto consciente” e a “fiscalização dos políticos pelos eleitores”, se lançava na lama do descrédito das demais instituições do regime arrastando para ela o próprio Judiciário.

Mais surpreendente do que a atuação do TSE foi a ausência de protestos nos dias do julgamento. O país que nos últimos anos assistiu atos contra e a favor do impeachment, greve geral, entre tantas outras lutas sociais, simplesmente emudeceu. A segurança reforçada no TSE foi aos poucos sendo reduzida pois mostrou-se desnecessária. Movimento Brasil Livre (MBL), Vem Pra Rua, Central Única dos Trabalhadores (CUT), Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), União Nacional dos Estudantes UNE), etc, não chamaram um único ato sequer! Se limitaram a postagens em redes sociais.

Os movimentos da direita (MBL e Vem Pra Rua) que chegaram a ensaiar a marcação de atos contra Michel Temer após a divulgação dos áudios do empresário Joesley Batista, no mês de maio, recuaram rapidamente. Na ocasião, o Vem Pra Rua alegou motivos de segurança para transferir o ato para um dia até hoje não marcado enquanto que o MBL simplesmente abandonou o pedido de renúncia: “Há motivo de sobra para investigar Temer nos áudios, mas eles são inconclusivos”, justiticou Kim Kataguiri. “Vamos suspender a posição pró-renúncia até que surjam novas informações”, concluiu o coordenador do MBL [6].

Pedir para o presidente renunciar já era uma postura recuada para quem já havia bradado com toda a energia “Fora” para outra pessoa que ocupou o mesmo cargo, mas rompia um pouco com a blindagem descarada que vinha sendo praticada até então. Possivelmente a rapaziada da direita, vendo o furo no barco, achou que ele fosse naufragar e tentou se antecipar para aparentar coerência, no que deve ter sido enquadrada por algum figurão de um dos partidos da Lava Jato que lhes fornece apoio, aparato e nos quais alguns de seus membros estão filiados. Ídolo do MBL, o Prefeito de São Paulo, João Dória, não vacilou em defender o governo Temer e a permanência do PSDB nele [7].

Por outro lado, movimentos sociais como a CUT, a CTB e a UNE dirigidos por PT e PCdoB e que têm organizado atos pelo “Fora Temer” e pelas recuadas “Diretas Já” em vez de utilizarem o julgamento para fortalecer essas duas pautas, simplesmente pausaram os protestos. Assim, se a rapaziada da direita dava cobertura para Michel Temer os movimentos sociais petistas e satélites garantiam Dilma Rousseff. E ambos davam tranquilidade para o TSE absolver a chapa presidencial de 2014.

Com a colaboração de forças políticas que se apresentam como distintas e que tentam polarizar a política brasileira o acordão para “salvar todo mundo”, proposto por Sérgio Machado (PMDB), ganhava a sua primeira batalha. E depois dela parece ter deslanchado.

Menos de duas semanas após o julgamento do TSE o Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, retirou três processos de Lula e um de Eduardo Cunha da alçada do juiz Sérgio Moro [8]. No mesmo dia, o deputado Carlos Zarattini (SP), líder do PT na Câmara, criticou os que defendiam a prisão do senador do PSDB, Aécio Neves: “Vi vários do PT torcendo pela prisão dele, Isso é um equívoco. Não podemos torcer por um ataque sem nenhum princípio às pessoas.” [9]

Para Zarattini o tucano seria vítima:

Ele é um senador. Sendo assim, só poderia ser preso se fosse em flagrante ou se estivesse cometendo um crime continuado. Aquela acusação de que Aécio estaria obstruindo a justiça por estar em uma reunião fazendo política não faz sentido. Pelo amor de Deus... Fazer política não é crime continuado”. [ibidem]

A postura do PT diante do escândalo envolvendo Aécio Neves é um fato que evidencia a existência do acordão. O partido se negou a assinar o pedido de cassação [10] do senador protocolado pelo PSOL e pela Rede [11]. Não demorou muito para que o Presidente do Conselho de Ética do Senado, João Alberto (PMDB), arquivasse o pedido de cassação com direito a vitimização: “O pedido não me convenceu. Não foi suficiente para abrir inquérito contra o senador Aécio. O que fizeram com ele (Aécio) foi uma grande injustiça.” [12]

Uma semana depois, no dia que deveria ter sido de greve geral (o que comentaremos mais adiante), o Ministro do STF, Marco Aurélio Mello, devolveu o mandato de Aécio Neves, com direito a rasgados elogios: “É brasileiro nato, chefe de família, com carreira política elogiável (...)” [13]
Sempre acreditei na Justiça do meu país”, agradeceu o tucano [14]. E como não acreditar? Se tudo desse “errado” ainda teria o Ministro do STF, Gilmar Mendes (o mesmo que desempatou em favor de Dilma e Temer no TSE), para salvar Aécio [15].

Ainda tivemos a reversão do caso do ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, que havia sido condenado pelo juiz Sérgio Moro a mais de 15 anos de prisão e que terminou sendo absolvido por dois desembargadores do Tribunal Regional Federal (TRF-4) [16]; a soltura do ex-deputado Rodrigo Rocha Loures, homem de confiança de Temer flagrado com uma mala com R$ 500 mil que seria propina paga pela JBS, pelo Ministro do STF, Edson Fachin [17] e os pedidos de “provas” contra Temer feitos pelo ex-presidente Lula, em uma defesa velada do presidente pelo petista: “Se o procurador-geral da República tem uma denúncia contra o presidente da República, ele primeiro precisa provar. Tem que ter provas materiais.” [18]

Todo este acordão institucional precisa de calmaria social para tentar lograr êxito. Vimos o quanto o silêncio da rapaziada da direita e dos movimentos sociais petistas e satélites contribuíram para o desfecho do julgamento do TSE. Mas nem só de julgamentos vive a conjuntura. As classes dominantes em crise exigem ajustes fiscais e cortes nos direitos do povo. E diante disso é impossível um silêncio absoluto. É aqui que as centrais sindicais, com políticos corruptos e investigados, buscam cumprir com a sua parte no referido acordão.

CUT, CTB, Força Sindical, entre outras, não podem simplesmente dizer para as suas bases de trabalhadores que diante das contra-reformas do governo Temer não vão fazer nada. A greve geral - tida como praticamente impossível - que parou o país no dia 28 de abril ocorreu em função da pressão desde baixo. A radicalidade do dia 24 de maio em Brasília mostrou que a capacidade e a disposição de luta ultrapassava o controle dessas direções sindicais.

Para cumprir com a sua parte no acordão as centrais tinham então que tentar apaziguar os ânimos da classe trabalhadora. Mas isso tinha que se dar de forma oculta, dissimulada, fingindo luta e combatividade. Foi isso o que fizeram com a greve geral do dia 30 de junho.

A mudança do caráter do dia 30 começou com os atos pelas “Diretas Já”, cujas direções do PT e do PCdoB foram aos poucos inflando essa pauta e abafando a pauta das contra-reformas até quase torná-la invisível. No dia 5 de junho foi criada a “Frente Ampla Nacional pelas Diretas Já” que reúne partidos como PT, PCdoB, PDT, PSB, assim como correntes do PSOL e dezenas de movimentos sociais. Na sua nota de criação a referida Frente joga as soluções dos problemas do país para a via das instituições que estão costurando o acordão:

O Brasil atravessa uma grave crise política, econômica, social e institucional. Michel Temer não reúne as condições nem a legitimidade para seguir na presidência da República. A saída desta crise depende fundamentalmente da participação do povo nas ruas e nas urnas. Só a eleição direta, portanto a soberania popular, é capaz de restabelecer legitimidade ao sistema político.

A manutenção de Temer ou sua substituição sem o voto popular significa a continuidade da crise e dos ataques aos direitos, hoje materializados na tentativa de acabar com a aposentadoria, os direitos trabalhistas e as políticas públicas, além de outras medidas que atentam contra a soberania nacional.” [19]

A Força Sindical, dirigida pelo deputado do Partido Solidariedade, Paulo Pereira da Silva (o Paulinho da Força), figura implicada em escândalos de corrupção que inclui o recebimento de propina para enterrar greves da sua própria categoria [20], estava mais preocupada com o imposto sindical [21] e, como o referido deputado é base de Michel Temer, o melindre com o “Fora Temer” serviu de desculpa para acusar a greve de “política” e assim declinar dela [22].

Com a pauta das contra-reformas abafadas pelas “Diretas Já” e sem empenho das principais centrais os atos nacionais do dia 20 de junho foram esvaziados e o dia que seria um “esquenta” para a greve geral se tornou um “esfria”. Três dias depois as centrais finalmente se reuniram para suprimir da chamada e da nota do evento as palavras “greve geral” e transformá-la em um amplo “dia de paralisações e mobilizações” [23].

Assim, há uma semana da greve geral anteriormente marcada pelas próprias centrais, a maioria dos brasileiros não sabia da greve geral e tampouco sobre paralisações e protestos, que só eram do conhecimento de algumas categorias mais engajadas. Na assembleia dos metroviários de São Paulo, que aconteceu no dia 29, CUT e CTB já não mais disfarçavam e votaram contra a participação dessa importante categoria na outrora greve geral.

E assim a greve geral do dia 30 foi sabotada pelas centrais, ainda que em algumas cidades importantes categorias tenham mantido a bravura e realizado grandes paralisações. O acordão para “salvar todo mundo” ganhava uma de suas mais fundamentais batalhas mas como no “todo mundo” não estão contemplados os direitos do povo o Senado Federal se sentiu confiante para levar adiante a contra-reforma trabalhista de Temer aprovando urgência para a sua apreciação [24].

O acordão em curso dificilmente encerrará a conjuntura e obterá a calmaria desejada por Sérgio Machado. A ação dos corruptos para se proteger está aos olhos de todos e aprofunda a crise de credibilidade do regime desmoralizando ainda mais as suas instituições. Além do mais, a crise política está longe de se encerrar com novos escândalos surgindo como o do “Rei do ônibus” no Rio de Janeiro, assim como as denúncias do Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, contra Temer. Isso sem falar naquilo que é o central da conjuntura: a crise econômica segue e as medidas de ajustes fiscais com suas contra-reformas impossibilita a supressão das lutas sociais, que podem irromper com força a qualquer momento mesmo com as tentativas de sabotagens das direções traidoras – e é aqui de devemos seguir apostando.



*Obs: quando este texto estava sendo concluído foi divulgado na grande mídia que Lula seria testemunha de defesa de Eduardo Cunha (ex-deputado federal que se encontra preso e que autorizou a abertura do processo de impeachment contra Dilma).

Lula e Odebrecht depõem como testemunhas de defesa de Cunha. 05/07/2017.


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[1] Jucá: entenda a primeira crise do governo Temer. 23/05/2016.

[2] Em conversa gravada, Renan defende mudar lei da delação premiada; ouça. 25/05/2016.

[3] Leia a transcrição dos áudios de Sarney e do ex-presidente da Transpetro. 25/05/2016.

[4] Gilmar Mendes decide e TSE absolve chapa Dilma-Temer. 09/06/2017.
[5] Por que o TSE excluiu as provas da Odebrecht e depoimentos de delatores? 10/06/2017.

[6] MBL recua em pedido de renúncia e Vem Pra Rua adia ato contra Temer. 19/05/2017.
[7] Doria defende permanência do PSDB no governo Temer. 27/06/2017.

[8] Fachin tira de Moro investigações contra Lula ligadas à Odebrecht. 20/06/2017.

[9] 'Torcer pela prisão de Aécio é equívoco', diz líder do PT na Câmara. 20/06/2017.

[10] Lobo não come lobo: bancada do PT no Senado vira aliada central de Aécio Neves. 02/06/2017.

[11] Rede e PSOL apresentam pedido de cassação de Aécio Neves. 18/05/2017.

[12] Presidente do Conselho de Ética do Senado arquiva processo contra Aécio. 23/06/2017.

[13] Aécio tem ‘fortes elos com o Brasil’ e ‘carreira política elogiável’, diz Marco Aurélio. 30/06/2017.

[14] Senador Aécio Neves retoma o mandato por decisão do STF. 30/06/2017.

[15] STF: Gilmar Mendes é sorteado relator de inquérito contra Aécio Neves. 24/06/2017.

[16] Tribunal reverte decisão de Moro e absolve Vaccari na Lava Jato. 27/06/2017.

[17] Ministro Edson Fachin manda soltar ex-deputado Rodrigo Rocha Loures. 30/06/2017.

[18] Lula exige pedido de desculpas e diz que acusação contra Temer precisa de “provas”. 30/06/2017.

[19] MOVIMENTOS CRIAM FRENTE AMPLA PELAS DIRETAS JÁ. 05/06/2017.

[20] Paulinho da Força negociou fim de greve por propina, dizem delatores. 14/04/2017.

[21] NOTA da Força Sindical sobre Contribuição Sindical. 27/04/2017.

[22] Após apelos do governo, Força Sindical e UGT desistem de greve geral. 22/06/2017.

[23] Dia 30/6, vamos parar o Brasil contra as reformas. 23/06/2017.

[24] Urgência para votação da reforma trabalhista é aprovada no Senado. 04/07/2017.


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