domingo, 31 de julho de 2011

Pela saúde financeira dos ricos, pobres são chamados a aceitar a morte nos EUA

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As manchetes dos jornais ao redor do mundo têm dado destaque ao debate no congresso estadunidense sobre o aumento do teto da dívida pública e os cortes que deverão ser feitos no orçamento. Sobre este último há pouca detalhação na grande mídia fora dos Estados Unidos.

Por lá, há uma campanha na grande mídia chamando a população a aceitar cortes profundos na saúde, na aposentadoria e na seguridade social. Nesse contexto chamou atenção o artigo “Death and Budgets” (Morte e Orçamentos) [1], do jornalista e colunista do The New York Times, David Brooks, publicado no último dia 14 de julho.

No artigo, Brooks começa descrevendo o drama de um senhor chamado Dudley Clendinen, publicado no Sunday Review [2], cuja a enfermidade, mesmo com tratamentos médicos, o deixará seriamente debilitado. Em tal situação, Clendinen manifestou preferir a morte.

Partindo desse caso e da preferência deste senhor, Brooks, generaliza e, sem perguntar aos demais enfermos, sugere que estes deveriam aceitar a morte para ajudar na situação fiscal do país:
"But it’s also valuable as a backdrop to the current budget mess. This fiscal crisis is about many things, but one of them is our inability to face death — our willingness to spend our nation into bankruptcy to extend life for a few more sickly months.

The fiscal crisis is driven largely by health care costs. We have the illusion that in spending so much on health care we are radically improving the quality of our lives. We have the illusion that through advances in medical research we are in the process of eradicating deadly diseases. We have the barely suppressed hope that someday all this spending and innovation will produce something close to immortality."

Se antigamente se deveria celebrar os esforços para melhorar e prolongar a vida dos enfermos, ainda que algumas doenças não tivessem cura, agora tais atitudes constituem-se em odiosas irresponsabilidades fiscais, já que acarretariam um custo elevado e desnecessário, uma vez que os infelizes doentes deveriam mesmo é aceitar a cova ao invés de sugar recursos que além de não resolver o seu problema ainda causariam a quebra do orçamento:
"Others disagree with this pessimistic view of medical progress. But that phrase, “marginally extend the lives of the very sick,” should ring in the ears. Many of our budget problems spring from our quest to do that.

The fiscal implications are all around. A large share of our health care spending is devoted to ill patients in the last phases of life. This sort of spending is growing fast. Americans spent $91 billion caring for Alzheimer’s patients in 2005. By 2015, according to Callahan and Nuland, the cost of Alzheimer’s will rise to $189 billion and by 2050 it is projected to rise to $1 trillion annually — double what Medicare costs right now.

Obviously, we are never going to cut off Alzheimer’s patients and leave them out on a hillside. We are never coercively going to give up on the old and ailing. But it is hard to see us reducing health care inflation seriously unless people and their families are willing to do what Clendinen is doing — confront death and their obligations to the living.

There are many ways to think about the finitude of life. For years, Callahan has been writing about the social solidarity model — in which death is accepted as a normal part of the human condition and caring is emphasized as much as curing."

Para Brooks não há dúvida, é preciso aceitar a "finitude" da vida e encarar a morte com "naturalidade":
"In the online version of this column let me provide links to three other essays, which offer other perspectives on why we should accept the finitude of life and the naturalness of death. They are: “Born Toward Dying,” by Richard John Neuhaus, “L’Chaim and Its Limits: Why Not Immortality?” by Leon Kass and “Thinking About Aging,” by Gilbert Meilaender.

Seria preciso "enfrentar a morte", ou seja, os doentes deveriam aceitar morrer, para aliviar a situação fiscal:
"My only point today is that we think the budget mess is a squabble between partisans in Washington. But in large measure it’s about our inability to face death and our willingness as a nation to spend whatever it takes to push it just slightly over the horizon."

David Brooks, obviamente, não é voz solitária. Ele próprio cita os escritos de Daniel Callahan e Sherwin Nuland, publicados no New Republic, para reforçar suas posições:
"In the happy event that this trend is reversed, they write, “Some people may die earlier than now, but they will die better deaths.” They go on to assert that “the public must be persuaded to lower its expectations” about health care, in part by “increasing co-payments and deductibles to a painful level, sufficient to discourage people” from seeking life-prolonging care." [3]

A quem, por acaso, quiser creditar tais propostas a meras loucuras saídas das cabeças insanas desses autores, cabe salientar duas coisas: a primeira é que são colunistas de jornais famosos e a segunda, e principal, é que os cortes na saúde estão previstos no acordo firmado entre Republicanos e Democratas [4], o que deverá levar muitos estadunidenses pobres a aceitar involuntariamente a morte mesmo.

No altar da crise capitalista os pobres são sacrificados para manter intacta a saúde financeira dos ricos, que foram os responsáveis pelo adoecer da economia mundial.


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[1] Death and Budgets. David Brooks. 14/07/2011.
http://www.nytimes.com/2011/07/15/opinion/15brooks.html

[2] The Good Short Life. Dudley Clendinen. 09/07/2011.
http://www.nytimes.com/2011/07/10/opinion/sunday/10als.html?pagewanted=all

[3] The voice of the ruling class. Kate Randall. 18/07/2011.
http://www.wsws.org/articles/2011/jul2011/pers-j18.shtml

[4] Republicanos e democratas chegam a acordo de princípio sobre dívida dos EUA (31/07/2011):
http://sicnoticias.sapo.pt/mundo/2011/07/31/republicanos-e-democratas-chegam-a-acordo-de-principio-sobre-divida-dos-eua

Ainda sobre o tema:
Os estadunidenses terão que morrer mais cedo. Gerhard Grube. 29/07/2011.
http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2011/07/494810.shtml
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