domingo, 26 de março de 2017

Fissuras na direita, desafios para a esquerda

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Uma parcela da direita brasileira acreditou que a rejeição popular ao governo Dilma e ao PT era sinônimo de rejeição às pautas da esquerda como um todo e de apoio ao liberalismo econômico, embora as pesquisas realizadas com o público que foi nos atos do impeachment apontavam a defesa de mais investimentos públicos.

No dia 16 de agosto de 2015, pesquisa conjunta realizada na Avenida Paulista pela professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Esther Solano; pelo filósofo da Universidade de São Paulo (USP), Pablo Ortellado e por Lucia Nader, da Fundação Open Society, para o Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação, da USP, encontrou que:

“A pesquisa também ajuda a desmistificar a tese de que, assim como os grupos Movimento Brasil Livre (MBL) e Vem Pra Rua, que organizam os protestos, os manifestantes tenham um pensamento liberal sobre questões que envolvam a presença do Estado na vida dos cidadãos.

Os pesquisadores questionaram as pessoas sobre seus direitos e a grande maioria se mostrou a favor de educação (86,9% dos entrevistados) e saúde (74,3%) providas de forma gratuita. Somente a gratuidade dos serviços de transporte foi rejeitada pelos participantes (48,90%) do protesto em São Paulo.” [1]

Se o “Fora Dilma” era o elemento unificador a heterogeneidade dos manifestantes pró-impeachment já era verificável na diversidade das pautas que apareciam descritas em cartazes simples feitos de forma espontânea, que iam desde a defesa de mais investimentos em saúde e educação (que eram bastante comuns), passando por defesa de uma Reforma Política e até “novas eleições”. [2]

O elevado rechaço popular ao ajuste fiscal, à PEC dos Gastos e mais recentemente à Reforma da Previdência e às Terceirizações não só não surpreendem como já eram esperadas e nos mostram a complexidade de uma realidade contraditória que não se permite ser encaixada em narrativas apressadas ou análises superficiais.

Jair Bolsonaro foi muito criticado por seus seguidores devido ao voto favorável que conferiu à PEC dos Gastos depois de ter declarado publicamente que votaria contra ela [3]. Seu filho, Eduardo Bolsonaro, recebeu uma enxurrada de questionamentos e críticas de sua plateia por ter votado a favor do PL das Terceirizações [4] enquanto que Bolsonaro, o pai, pré-candidato a Presidente absteve-se de votar na matéria para, segundo ele próprio, não “receber uma enxurrda de críticas” e não ser “massacrado” [5].

Após os apelos de Temer para ajudá-lo no convencimento da população a aceitar as reformas trabalhista e previdenciária [6] MBL e Vem Pra Rua, diante de uma série de críticas de seus próprios seguidores, se viram obrigados a informar o governo de que a Reforma da Previdência é demasiadamente impopular [7]. O MBL, tentando se desvincular da Reforma da Previdência de Temer, anunciou a defesa da reforma da FIPE (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), não menos impopular [8]. O grupo se viu obrigado a mudar a pauta da chamada do seu ato do dia 26 de março, onde inicialmente defendia abertamente as Reformas da Previdência e Trabalhista [9] passando a defender tais reformas com a palavra de ordem “Por reformas justas que acabem com privilégios” [10], uma manobra que evidencia a dificuldade de se defender tais reformas mesmo perante suas bases. Finalmente é preciso destacar a presença de inúmeras pessoas que foram nos atos pelo impeachment de Dilma nos atos do 15 de março chamado pelas Centrais Sindicais e organizações de esquerda [11] enquanto que os atos da direita do dia 26 tiveram baixa adesão [12].

Tais fatos, que apontam fissuras nas bases da direita, colocam algumas questões para a esquerda brasileira:

A primeira é em relação a própria caracterização da conjuntura que alguns setores possuem. Essa realidade torna completamente insustentável a tese da “onda conservadora”. Afinal, que “onda conservadora” seria esta que, em vez de ser a base de apoio e sustentar as pautas conservadoras, as rejeita; que questiona os direitistas que defendem tais medidas e até se permite cerrar fileiras com a esquerda para derrotar tais pautas?

Os índices recordes de impopularidade do governo Temer, a rejeição massiva às medidas de ajustes fiscais e aos governos que as implementam e, principalmente, a adesão significativa ao ato contra a Reforma da Previdência no dia 15 - apesar das burocracias sindicais não terem construído desde a base - são elementos que não permitem pessimismo e que apontam a possibilidade de uma ofensiva capaz de derrotar o ajuste e derrubar Michel Temer. Uma greve geral, de verdade, está na ordem do dia!

A segunda questão tem a ver com o tratamento dado aos seguimentos que participaram dos atos pelo impeachment. Se equivocaram os dirigentes sociais que disseram para as suas bases que “do lado de lá” não se encontraria nada que prestasse. É preciso separar o joio do trigo, distinguindo entre aqueles que são direitistas convictos das pessoas comuns, sem posicionamento político definido, que apoiaram a saída de Dilma mas que não queriam Temer e tampouco ajuste fiscal e perda de direitos. Os primeiros não serão convencidos, logo devem ser combatidos; já as segundas merecem atenção, paciência e diálogo – sem sectarismo!

Nesse sentido, ficar taxando indiscriminadamente de “coxinhas”, “reacionárias”, “nazifascistas”, “paneleiros” e responsabilizando essas pessoas pelas medidas de Temer só vai gerar antipatia, espantá-las e ainda prejudicar o processo de ruptura delas com os políticos oportunistas e reacionários que momentaneamente canalizaram parte do desgaste do PT.

Se a principal tarefa da conjuntura é derrotar o ajuste fiscal e a perda de direitos que advém dele não só todos aqueles que se opõem a ele são bem-vindos como não devem ser hostilizados. Se aceitamos em nossas fileiras aqueles que até ontem aplicavam o ajuste fiscal com as suas próprias mãos e que, na presente luta, visam apenas canalizar para as eleições o desgaste dos que hoje o aplicam por que então deveríamos rejeitar pessoas comuns que nunca o desejaram apenas por terem tido uma postura distinta da nossa em determinado episódio?


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[1] Quem são os manifestantes de 16 de agosto? Renan Truffi, Carta Capital, 18/08/2015.

[2] Acompanhe as manifestações contra o governo no Distrito Federal. 15/03/2015.

Manifestação contra o governo – Cartazes. 13/03/2016.

[3] Seguidores de Bolsonaro se revoltam com voto do deputado na PEC 241. 13/10/2016.

[4] Terceirização. Eduardo Bolsonaro. Facebook pessoal do deputado, 23/03/2017.

[5] Bolsonaro se absteve de votar pró-terceirização com medo de ser “massacrado” pela esquerda. Marcelo Faria. Instituto Liberal de São Paulo, 25/03/2017.

[6] Michel Temer pede ajuda a Kim Kataguiri para reformas da Previdência e do Trabalho. 27/09/2016.

[7] Grupos que apoiaram impeachment alertam Temer para rejeição à reforma na Previdência. 23/02/2017.

[8] MBL não apoia a reforma de Temer, e sim a reforma proposta pela FIPE. Nota pública, 15/03/2017.

[9] “Voltamos às ruas. Desta vez, pelo fim do estatuto do desarmamento, fim do foro privilegiado, pelo bom andamento da LAVA JATO, e pelas reformas trabalhista e previdenciária - cortando privilégios e mamatas de políticos e do judiciário.” Facebook do Movimento Brasil Livre, 13/02/2017.

Os 7 maiores absurdos publicados pelo MBL. Luan Toja. Voyager, 22/03/2017.
http://voyager1.net/politica/os-7-maiores-absurdos-publicados-pelo-mbl/

[10] “Este domingo, todos nas ruas”. Facebook do Movimento Brasil Livre, 25/03/2017.

[11] Protesto organizado pela CUT tem manifestantes de verde e amarelo. 15/03/2017.

[12] AO VIVO | Protesto menor era esperado, diz Kim Kataguiri do MBL. 26/03/2017.


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