domingo, 8 de janeiro de 2017

Observações sobre a violência no Brasil

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59.627 vidas foram ceifadas em 2014 pela violência que assola o país, um aumento de 3,7% em relação ao ano de 2013 (57.396). É o maior número absoluto de homicídios no mundo. O Brasil já colabora com 10% de todos os homicídios ocorridos no planeta [1]. Somente entre os anos de 2011 a 2015 foram 279.567 homicídios no Brasil mais do que na Síria no mesmo período (que foi de 256.124 mortes) [2]. Em 30 anos, de 1980 a 2010, a taxa de homicídios cresceu 124%! [3]




O Brasil possui a polícia que mais mata no mundo. Somente em 2015 foram 3.320 mortos pelas forças de segurança, número que sobe para absurdos 17.688 se analisarmos o período de 2009 até 2015 [idem 2]. Mesmo assim a violência não retroage como nos atestam os dados acima. Supondo que todos os mortos pela polícia tratavam-se de delinquentes (o que sabemos que não é o caso) fica evidente que a máxima “bandido bom é bandido morto” - já em vigor no país para os pobres - é uma fórmula ineficaz no combate à violência. Ela fica ainda mais desmoralizada quando se verifica que a polícia brasileira é a que mais morre também, sendo que a maioria dos policiais são mortos fora de serviço (quase três vezes mais): em 2015, 103 perderam a vida durante o exercício da função contra 290 que morreram fora. [ibidem]

Os duros fatos da realidade têm feito com que muitos dos que trabalham com Segurança Pública repenssem as formas de combate à violência no país. Recentemente o ex-Secretário de Segurança do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, criticou a crença de que o problema da violência possa ser resolvido aumentando o efetivo policial:

A polícia não é solução do problema. Ela é parte da solução do problema. E esta é a visão sistêmica que tem de se ter do que é segurança. Segurança não é polícia. Dizer que segurança é polícia é uma miopia, porque se isso for assim vamos precisar de verdadeiros exércitos chineses nas ruas do Brasil.” [4]

E quais são as sugestões do aclamado homem das UPPs (Unidades de Políciais Pacificadoras) insuspeito de ser partidário da esquerda ou de ser militante dos Direitos Humanos?

Quanto mais cidadania você der para uma população, menos polícia você precisa

Precisamos muito de segurança primária, que é obrigação do município, e tem muito prefeito que não sabe o que é isso. É cuidar da juventude, da assistência social, das famílias que estão nesses locais.” [ibidem]

Beltrame ainda defendeu que o Brasil deveria encarar o debate sobre a legalização das drogas [ibidem], um debate no qual o coronel Robson Silva, chefe do Estado Maior e um dos integrantes da cúpula da Polícia Militar do Rio de Janeiro, já se posicionou favorável à legalização:

Rever o proibicionismo é estar alinhado com o que há mais de vanguarda. Ou seja, encarar de maneira inteligente e falar na possibilidade de regulação de um mercado pelo Estado, porque na verdade a gente vai ficar enxugando gelo se ficar com essa legislação atual.” [5]

Trata-se de uma medida simples com resultados positivos no cenário externo. Para pegar um exemplo de um país “modelo” aos olhos de muitos brasileiros o Estado do Colorado, nos Estados Unidos, legalizou apenas a maconha e viu as taxas de homicídios caírem mais do que a metade (52,9%) [6]; obteve arrecadação acima do estimado para o orçamento público, promovendo um dia sem impostos para devolver o excedente para a população, conforme preve a legislação local [7]; pode contar com US$ 35 milhões a mais para investir em educação devido à taxação de 15% do produto que é destinado a essa área essencial [8] e, contrariando a crença de muitos, viu o consumo reduzir entre os jovens [9].

A legalização da maconha no Brasil poderia movimentar em torno de R$ 5,7 bilhões por ano e ao mesmo tempo gerar uma redução de R$ 997,3 milhões em gastos com o sistema prisional do país [10]. É fácil compreender porque dessa economia: hoje, o tráfico de drogas lidera a incidência de crimes e responde por 27% do total aqueles que estão presos. Para se ter uma ideia a incidência do crime de homicídio encontra-se em terceiro lugar com 14% dos presos, quase a metade do tráfico [11].




O economista liberal, Milton Friedman, outro insuspeito de ser de esquerda ou militante dos Direitos Humanos, já havia antecipado que a chamada “guerra às drogas” seria um rotundo fracasso e que a legalização era o caminho. A experiência com a proibição de venda de bebidas alcóolicas nos Estados Unidos, entre 1920 e 1933, com o tráfico de bebidas e todos seus efeitos perniciosos, o autorizava a fazer essa constatação. [12]

Além da legalização é sabido que quanto menos concentração de renda e quanto mais oportunidades tiver um povo (o que torna o crime menos atraente), menos violência. E que com uma boa estrutura prisional os apenados são reabilitados. É por essa combinação que Suécia [13] e Holanda [14] estão fechando presídios.

Enquanto isso no Brasil o atual Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes (ex-advogado do PCC), acredita ser possível erradicar a maconha no país [15]. Para piorar o ajuste fiscal dos governos ao cortar empregos, renda, acesso à saúde, educação e serviços públicos que ajudam as pessoas a se desenvolverem, concentra ainda mais riqueza no andar de cima e confere ainda menos oportunidades para o andar de baixo. Fecham-se escolas e abrem-se presídios - de preferência privados para poder desviar dinheiro público.

As classes dominantes locais e a maior parte daqueles que nos governam estão mais empenhados em perpetuar seus próprios bandititismos e livrar-se de condenações do que resolver qualquer assunto de interesse da maioria da população. Alguns deles, quando se pronunciam, é para apresentar como alternativa soluções tão fáceis quanto falsas para enfrentar o complexo problema social da violência. Na verdade eles são os principais causadores do problema e estão incapacitados de resolvê-lo. Logo, ou nos mobilizamos para de fato atacar as raízes da violência ou a barbárie vai se aprofundar cada vez mais.

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[1] Atlas da Violência 2016. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Brasília, março de 2016.

Taxa de homicídios no Brasil atingiu recorde em 2014. 23/03/2016.

[2] Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2016. Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

[3] Taxa de homicídios cresce 124% nos últimos 30 anos no Brasil. 14/12/2011.

[4] "A polícia é só parte da solução do problema", diz José Mariano Beltrame. Entrevista ao Jornal Zero Hora de Porto Alegre. 05/11/2016.

[5] Coronel da cúpula da PM-RJ diz que é preciso pensar na regulação da droga. 19/11/2015.

[6] Número de homicídios cai pela metade após legalização no Colorado. 21/05/2014.

[7] Colorado recolhe R$ 272 mi com maconha e tem dia sem imposto. 17/09/2015.

Arrecadação de impostos com maconha é o dobro da prevista no Colorado. 16/09/2015.

[8] Colorado arrecada R$ 530 milhões em impostos com a venda de maconha em 2015. 10/02/2016.

[9] Consumo entre jovens do Colorado caiu após legalização. 20/07/2016.

[10] Comércio formal de maconha movimentaria R$ 5,7 bilhões no Brasil. 09/06/2016.

[11] 56% dos presos do Brasil são jovens, aponta levantamento. 23/06/2015.

[12] Por que as drogas deveriam ser legalizadas. Entrevista com Milton Friedman.

[13] Suécia fecha quatro presídios por falta de condenados. 13/11/2013.

[14] Holanda fecha 19 presídios por falta de presos. 21/11/2016.

[15] Ministro da Justiça quer erradicar comércio e uso de maconha no Brasil. 17/12/2016.


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