quarta-feira, 20 de julho de 2016

Sobre doutrinação no ensino brasileiro

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Me formei em 2012, em Licenciatura em Ciências Sociais, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Em quase cinco anos de graduação, não li um único texto de Paulo Freire na Faculdade de Educação, talvez porque a maioria dos docentes o considere ultrapassado. No Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) Karl Marx era saco de pancada da maioria dos professores de Ciência Política, Antropologia e Sociologia. Em boa parte do tempo eu reagia às calúnias proferidas por tais professores contra o pai do socialismo científico, o que me deixou marcado e possivelmente queimado para tentar um mestrado. Em uma cadeira de pesquisa recebi uma nota muito próxima de zero com o argumento de que o meu trabalho era “ideológico”. O tema gerador dessa censura mascarada de avaliação buscava versar sobre as impressões das populações que viveram nos países do chamado socialismo real sobre a restauração do capitalismo, como elas se sentiam e como comparavam os dois sistemas. A professora talvez não tenha gostado da opinião dos “nativos”. Inconformado, abri processo de revisão de conceito mas acabei tendo que mudar o tema do trabalho. 

Dá para contar nos dedos de uma mão, e sobrarão dedos, quantos professores marxistas tive ao longo do meu curso. O que mais me marcou foi um professor da cadeira de Economia, disciplina a qual tivemos apenas dois semestres, que cheguei a ter uma boa relação tendo inclusive a honra de ter emprestado um livro a ele.

Em 2013 ingressei na escola pública estadual. A maioria dos professores, incluindo os de humanas, têm uma noção antiquada e conservadora de educação, na qual acreditam que simplesmente despejando conhecimentos de cima para baixo nos alunos vão transformar o pensamento deles que por sua vez transformariam o mundo existente, em suma, uma prática docente totalmente oposta ao que defendeu Paulo Freire. Muitos desses professores sequer se dignam a lutar por seus próprios direitos e alguns até fazem movimentos contrários às greves e paralisações da categoria, incluindo novamente muitos de humanas, o que vai na contramão do que defendeu Freire. Os poucos que se dispõe a utilizar as ideias do filósofo brasileiro encontram nas condições materiais e estruturais precárias de trabalho um obstáculo que praticamente inviabiliza tal empreitada, além de se deparar com o estranhamento dos próprios alunos que encontram-se aprisionados eles próprios nesse modelo de educação antiquado, o qual assimilaram e internalizaram.

Apesar dessa realidade a direita brasileira elegeu como vilão da educação não os cortes anuais de recursos que são destinados aos banqueiros e especuladores, nem a sobrecarga de trabalho dos professores, nem seus baixos salários, nem a falta de professores, nem as demissões de professores para fazer “economia”, nem as turmas abarrotadas, nem a estrutura precária, nem o fechamento de escolas, tampouco esbraveja contra os governos que fazem tudo isso (pelo contrário, seus políticos são base parlamentar deles, como atesta Marcel van Hattem), mas encontrou em uma suposta doutrinação ideológica marxista e de esquerda a causa de todos os males do ensino no país. 

A atual pressa em impor o projeto “Escola sem Partido” é uma reação da direita aos levantes secundaristas e às greves dos profissionais da educação que se alastram pelo país e que lutam contra as medidas de ajustes que ameaçam a educação pública e que são aplicadas por todos os governos que administram a crise capitalista, incluindo os do PT e do PCdoB - deixando claro que práticas freirianas e marxistas passam longe desses partidos.



Jorge Nogueira, professor de Sociologia da rede estadual no Rio Grande do Sul e militante da CST/PSOL

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