Fingindo dar uma resposta
às mobilizações de massas de junho o Governo Dilma requentou como
novidade e panacéia para a educação e a saúde o projeto dos
royalties do petróleo - ideia que já havia sido devidamente
esmiuçada e desmascarada por alguns movimentos sociais, estudiosos e
especialistas quando de seu alarde no ano passado. [1]
Na última segunda-feira
(19) a Presidente Dilma afirmou que o projeto aprovado pelos
deputados e senadores representava “a proposta que sempre
defendi e que meu governo enviou ao Congresso” [2] e celebrou o
intento como “uma vitória histórica”. Como complemento,
na quinta-feira (22), a Presidente disse que “Precisamos desses
recursos para pagar professores e transformar a profissão numa
profissão de status no Brasil” e que “Status se reconhece
com remuneração. Era necessário mais recursos (para a educação),
e isso conseguimos com a aprovação dos recursos no Congresso.”
[3]
A questão central que
vem sendo ocultada da sociedade brasileira tanto pelo governo, quanto
pela “oposição” demotucana e até a grande mídia (que no
debate anterior sobre o tema se limitou à divisão dos recursos
chegando à baixeza de alguns jornalistas gaúchos destacarem a
“traição” de Xuxa ao Rio Grande do Sul) são os próprios
royalties. O que eles são? E por que existem?
No site do Senado Federal
encontra-se que “Royalty é uma palavra de origem inglesa que se
refere a uma importância cobrada pelo proprietário de uma patente
de produto, processo de produção, marca, entre outros, ou pelo
autor de uma obra, para permitir seu uso ou comercialização. No
caso do petróleo, os royalties são cobrados das concessionárias
que exploram a matéria-prima, de acordo com sua quantidade. O valor
arrecadado fica com o poder público.” [4]
É possível perceber na
explanação do conceito da casa congressual brasileira o porquê da
existência dos royalties: o petróleo brasileiro está sendo
privatizado! O Engenheiro Paulo Metri esclarece em que condições
esse processo vem sendo implementado:
“(...)
O usual, mesmo no atual mundo constituído pelo império, entre os
países satélites do império, as várias colônias dominadas e os
países mais independentes, quando não possuem o monopólio estatal,
é leiloarem áreas para empresas buscarem o petróleo e, se
encontrarem, o produzirem. Isto acontece, por exemplo, nos Estados
Unidos, no Reino Unido e na Noruega.
No
entanto, a subserviência ao mercado do governo brasileiro, acoplada
à traição de brasileiros representantes dos interesses de grupos
estrangeiros, inova ao entregar campo, e não mais área, para busca
de petróleo.(...)” [5]
Assim, após
investimentos públicos em pesquisa o governo brasileiro entrega
campos trilionários de petróleo, como os 289 blocos privatizados no
primeiro semestre, por royalties de apenas 15% a serem pagos em 30
anos!
Um entreguismo absurdo
embalado e vendido como bom negócio para o povo brasileiro e como
salvação da saúde e da educação do país e que terá
prosseguimento no segundo semestre a menos que a pretensão da
Presidente seja barrada pela mobilização social:
“Estes
R$112 bilhões são apenas os recursos decorrentes do petróleo que
já foi descoberto ou que já está sendo extraído. Como nós vamos
continuar a descobrir e a explorar cada vez mais, este valor pode
subir na medida em que vamos abrindo novas licitações, colocando
novas áreas para a exploração do petróleo”
“Só
o Campo de Libra contribuirá para que o saldo do Fundo esteja entre
R$ 360 bilhões e R$ 736 bilhões nos próximos 35 anos” [idem 2]
Ou seja, o aumento dos
investimentos em saúde e educação ficam condicionados à
privatização do petróleo brasileiro, como atestam as palavras da
própria Dilma. Uma lógica sinistra! Mas, segundo ela, com tais
recursos seria possível “melhorar e dar educação de primeiro
mundo para os jovens e os adultos. É isso que vamos fazer”.
[6] Será?
O Estado brasileiro
investe atualmente 5,3% do PIB em educação e 3,6% em saúde [7].
Seria necessário dobrar esses valores para que tais áreas tivessem
um funcionamento satisfatório. No entanto o Estado gasta menos em
saúde (42%) do que as famílias (58%) e bem menos do que países
como Espanha, Reino Unido e Suécia que investem de 7% a 9% do PIB em
seus sistemas públicos de saúde. [ibidem] Para a pesquisadora da
Escola Nacional de Saúde Pública, Lígia Giovanella:
“O
SUS sofre de um subfinanciamento crônico. Quando a população vai
às ruas clamar por mais recursos públicos na saúde, ela tem toda
razão. Nosso gasto público com saúde é menor do que 4%. A gente
precisa de pelo menos 8% do PIB. Precisamos dobrar os gastos. (...)”
[ibidem]
Apesar dos discursos
ufanistas do governo os recursos dos royalties são insuficientes
para reverter esse quadro. Paulo César Ribeiro Lima, da Consultoria
de Recursos Minerais, Hídricos e Energéticos da Câmara dos
Deputados, mesmo fazendo projeções com valores acima do celebrado
pela Presidente Dilma é categórico ao constatar que “Não
chegaremos nos 10%, nem pensar!” [8] Por sua vez, Daniel Clara,
coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, calcula
que o incremento será de 1% a 1,5% do PIB em 10 anos! [ibidem]
Para o ano que vem estão
previstos R$ 1,4 bilhão para a educação, oriundos dos royalties
[idem 6]. Uma ninharia! Além do mais, todo o ano o governo corta das
áreas sociais para drenar recursos para o pagamento da dívida
pública amparado em um mecanismo legal chamado Desvinculação de
Receitas da União (DRU). Em 2012 a saúde sofreu um corte de R$ 5,5
bilhões e a educação R$ 1,9 bilhão. Logo, o que garante que o
governo, cuja preocupação número 1 dos protestos foi garantir aos
especuladores que o modelo econômico seria mantido, não desviará
parte desses recursos para os rentistas? Nada! Aliás isso já é uma
realidade como denunciam Maria Lucia Fattorelli, Rodrigo Ávila e
Heitor Claro (integrantes do Auditoria Cidadã da Dívida):
“Importante
lembrar também que os royalties do petróleo têm sido destinados
para o pagamento da dívida, em violação às leis que destinam tais
recursos para áreas como meio ambiente e ciência e tecnologia. Em
2008, por exemplo, um estoque de R$ 20 bilhões dos royalties
(pertencentes à União) foram indevidamente destinados à
amortização da dívida, em operação que chegou a ser considerada
irregular pelo Tribunal de Contas da União.”
“A
dívida pública brasileira, que já representa 78% do PIB e consome
quase 50% do orçamento da União, possui diversos indícios de
ilegalidade e ilegitimidade que foram comprovados inclusive pela CPI
da Dívida Pública realizada na Câmara dos Deputados em 2009/2010.
Essa dívida, que nunca passou por auditoria, como prevê a
Constituição Federal, é altamente questionável, como também
revelam estudos elaborados pela Auditoria Cidadã. O elevado volume
de recursos consumidos pelo Sistema da Dívida tem impedido a
realização dos investimentos necessários em todos os âmbitos,
inclusive para projetos energéticos. Adicionalmente, as exigências
relacionadas à privatização das estatais, impostas pelo FMI desde
a década de 80 e já incorporadas à agenda política dos últimos
governos, têm provocado a sucessiva entrega do patrimônio público
ao setor privado.” [9]
Em junho o próprio
governo já havia anunciado o desejo de utilizar recursos das
concessões (privatizações) para engordar o superávit primário,
incluindo os blocos de petróleo. Uma alteração na Medida
Provisória (MP) 600 garantiria a legalidade de tal manobra. [10]
Por fim cabe ressaltar
que diferente do que consta na citação da Presidente no início
desse artigo, o projeto final aprovado diferiu do inicialmente
enviado pelo seu governo (que era ainda pior), mas ainda assim deixou
as portas abertas para uma futura revisão dos recursos oriundos do
Fundo Social, conforme alertou o deputado federal Ivan Valente do
PSOL:
“Também
preocupa muito o acordo realizado com o governo de aprovar o texto
apresentado na condição de, no futuro, revê-lo e voltar a destinar
apenas os rendimentos do Fundo Social para a educação e saúde.
Oras, isso seria um golpe, ainda mais considerando que os recursos do
petróleo só causarão impacto no setor em 2017.” [11]
Uma “vitória
histórica” das multinacionais petrolíferas e dos especuladores
Entrega de campos já
descobertos com recursos públicos, royalties de apenas 15% (quando
outros países cobram até 70% [idem 1]), recursos pífios para as
áreas sociais com possibilidade de desvios para o rentismo, entre
outros descalabros que podem vir a surgir. Fica claro que a “vitória
histórica” anunciada pela Presidente Dilma não é nem da saúde,
nem da educação e tampouco da sociedade brasileira mas das
multinacionais estrangeiras e dos especuladores.
A Petrobras há muito se
tornou uma estatal de fachada. Se o governo detem a maioria das ações
ordinárias (que dão direito a voto), a maior parte das ações
preferenciais (que dão direito aos dividendos) são privadas: 44%
nas mãos de estrangeiros, 29% outros privados e apenas 27% estão em
posse do governo. [12] Ou seja, a maior parte dos lucros da empresa
vão para acionistas privados, não para o governo.
Esse fenômeno tem sérias
consequências para o conjunto da sociedade pois os interesses
especulativos privados no interior da empresa pressionam para o
aumento dos preços dos combustíveis. Isso aconteceu no primeiro
semestre quando a Petrobras promoveu uma captação externa de US$ 11
bilhões em títulos (73% para americanos, 17% para europeus e 7%
para asiáticos [13]). Parte dos especuladores se queixaram do baixo
preço da gasolina no Brasil. Menos de um mês depois, o Copom,
servilmente, anunciou mais um possível aumento na gasolina até o
final do ano [14], possibilidade que deve se tornar real nos próximos
dias, embora com outros argumentos. [15]
A pressão especulativa
não isenta de responsabilidade o Governo Dilma (nem o de Lula) pois
seguiram privatizando o petróleo brasileiro alimentando cada vez
mais um processo que prejudica o conjunto da população e deixa o
país cada vez mais vulnerável. Não são vítimas, nem inocentes,
bem pelo contrário, como novos agentes da ordem ainda tentam vender
como “vitória histórica” seu entreguismo sinistro – o maior
da História do país.
__________________________________________________
[1] Royalties do Petróleo: Para a
educação??? Auditoria Cidadã (04/12/2012):
[2] Aprovação dos royalties do
petróleo representa “vitória histórica”, diz Dilma
(19/08/2013):
[3] Dilma diz que royalties farão de
professor uma “profissão de status” no país (23/08/2013):
[4] Royalties
[5] Libra: a gota de petróleo a
transbordar o barril (29/05/2013):
[6] Royalties vão garantir 'educação
de 1º mundo' no País, diz Dilma (19/08/2013):
[7] Menos de 4% do PIB é o
investimento em Saúde no Brasil (30/06/2013):
[8] Dinheiro dos royalties não será
suficiente para cumprir Plano Nacional da Educação, diz
especialista (19/08/2013):
[9] Leilões de Bacias Petrolíferas,
de Hidrelétricas, e o Sistema da Dívida (13/08/2013):
[10] Receita de concessões engordará
superávit primário (14/06/2013):
[11] Aprovação dos royalties foi
importante, porém a grande vitória serão os 10% do PIB para
educação pública!
[12] Nos 60 anos da Petrobras, Governo
Dilma oferece bolo envenenado. Nazareno Godeiro, da coordenação
nacional do ILAESE. Gráfico da pág. 16.
[13] Petrobras concluiu captação
recorde de US$ 11 bilhões em títulos de dívida (23/05/2013):
[14] Gasolina deve ter reajuste de 5%,
prevê Copom (06/06/2013):
[15] Novo reajuste de combustíveis
neste ano é dado como certo no governo (22/08/2013):
http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2013/08/1330094-novo-reajuste-de-combustiveis-neste-ano-e-dado-como-certo-no-governo.shtml
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